Uma pedagógica viagem aos arquivos
«A insuficiência da produção em relação à procura interna traduziu-se num agravamento do défice da balança de bens e serviços com o exterior de 7% do PIB em 1990, para 12% em 2000, défice que se tornou, em termos relativos, dos mais elevados do Mundo e dos maiores da história económica portuguesa e que tem sido financiado fundamentalmente através do recurso cada vez mais intenso a créditos externos.».
A sentença é de um insuspeito Parecer do Conselho Económico e Social (CES), lavrada por dois insuspeitos Relatores, sobre as «Grandes Opções do Plano para 2002».
«Só a indústria salvará o País», é a declaração de sonoridade dramático-religiosa do destacado e insuspeito economista do sistema, Silva Lopes, num recente debate promovido pelo Fórum dos Administradores de Empresas. Sentença e declaração que são expressivas sínteses do desastre a que a política de direita conduziu a economia nacional. O extraordinário défice da balança externa de bens e serviços, uma estrutura económica de perfil desvalorizado, a perda de mercados interno e externo são de facto o resultado das políticas prosseguidas nos últimos 25 anos contra a produção nacional por sucessivos governos dirigidos pelo PS e PSD, com o apoio do CDS, umas vezes cúmplice activo, outras «opositor» colaborante. Pelo que fizeram e pelo que não fizeram.
Uma política que é um longo rosário de liquidação de sectores produtivos, de leilões do património publico, de esvaziamento de economias regionais, de predação das pequenas e médias empresas.
Orientações e decisões políticas sempre anunciadas, demagógica e fraudulentamente, como a salvação da pátria. Como a solução final para os problemas da economia nacional. Como a chave para a convergência do País com o nível médio de desenvolvimento da UE, quando não, dos seus países mais desenvolvidos!
Alguém já se esqueceu de que as privatizações iam constituir um contributo determinante para a modernização e a eficiência da economia portuguesa??? É certo que animaram a Bolsa e fundamentalmente a especulação bolsista, é certo que foram um elemento decisivo na recomposição dos grandes Grupos Económicos. De facto, os resultados aí estão na avaliação que é feita oficialmente do estado das produtividade e competitividade nacionais, bem distantes das médias comunitárias!
Alguém já se esqueceu de que o País precisava como de pão para a boca de grandes Grupos Económicos Privados (que aquelas políticas reconstituíram e engordaram ) que iam ser no dizer do ex-primeiro-ministro António Guterres e cito «os elementos racionalizadores das transformações económicas do País, da modernização e de um novo modelo de especialização»??? É certo que desempenharam e desempenham através da actividade bancária, seguradora e da grande distribuição, o saque sistemático dos sectores produtivos e das pequenas empresas. De facto, os resultados aí estão na avaliação do já referido Parecer do CES: «Os grandes grupos económicos portugueses também não mostraram ainda apetência ou capacidade para produzir a revolução de que o sector industrial precisa (...)». Avaliação que foi secundada por Silva Lopes no citado debate em que, enfática e taxativamente, referiu «a atitude dos empresários portugueses, que se voltaram para áreas sem concorrência internacional», de que deu como exemplos os supermercados, os bancos ou o sector imobiliário, porque, sublinhou, «na indústria ninguém quer competir».
Alguém já se esqueceu de que a «internacionalização das empresas» com o apoio de largos milhões de contos de fundos públicos (nacionais e comunitários) ia ser a salvação das exportações nacionais??? É certo que ajudaram á emigração de capitais nacionais que bem preciso era investir cá e que em geral foram aplicados no imobiliário e serviços às empresas (mais de 50%) e no sector financeiro. De facto, os resultados são bem visíveis na perda de cotas de mercado e no desequilíbrio das contas externas.
Alguém já se esqueceu dos milagres sucessivamente anunciados do IDE (investimento directo estrangeiro)??? É certo que há duas ou três excepções (AutoEuropa, Siemens, Grundig/Blaupunkt), mas mesmo assim espadas de Damocles permanentemente suspensas sobre milhares de postos de trabalho e parte significativa das exportações. De facto, os resultados tem sido fundamentalmente a absorção de grossas maquias de fundos comunitários e benefícios fiscais quando chega o IDE e dramáticos problemas de desemprego e custos elevados para a Segurança Social portuguesa quando parte o IDE, ou usando o chavão habitual, quando se deslocaliza.
Alguém já se esqueceu da CEE dos 300 milhões de consumidores à nossa espera, à espera da nossa produção pesqueira, agrícola e industrial??? Afinal foram 300 mil empresas comunitárias e de países terceiros que invadiram mercado nacional, derrotando a produção made in Portugal!!! É certo que a integração comunitária nos trouxe milhões e milhões de contos de fundos, em geral mal aplicados e em parte regressados aos países de origem. De facto, os principais resultados das dinâmicas económicas, sociais e políticas desenvolvidas e em curso traduziram-se na consolidação de um perfil produtivo de baixo valor acrescentado, de um modelo de mão-de-obra barata. Uma estrutura económica produtiva, onde foram liquidados ou seriamente abalados sectores e fileiras inteiros: química pesada e fina (sector farmacêutico), siderurgia e metalurgias diversas (cobre, silício, etc), metalomecanica pesada, etc. Onde o sector primário – agricultura, pescas, indústria extractiva – está profundamente afectado na sua capacidade produtiva, limitado nas suas potencialidades de expansão e a braços com profundas crises económicas e sociais, como por exemplo na rarefacção e envelhecimento dos seus activos. (..)»
**** A citação feita acima
( e muita outras poderiam ser feitas)
corresponde a uma parte da intervenção
de Agostinho Lopes na sessão de encerramento,
realizada em 15.11.2003, da iniciativa do PCP
que se traduziu num conjunto diversificado
de iniciativas «de esclarecimento,
debate e mobilização sobre diferentes
problemas e questões da realidade nacional,
com o sentido geral de resistir à política
de direita e afirmar que os problemas
com que o povo português e Portugal
se confrontam podem ter solução
e que é possível um país mais
desenvolvido e mais justo, com a participação
popular e com uma política alternativa».
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Na intervenção de abertura desta sessão, eu próprio tive ocasião de informar «que esta acção que agora se conclui se traduziu na realização de mais de meia centena de debates e outros espaços de reflexão e diálogo que se debruçaram sobre um vastíssimo conjunto de temas e problemas da vida nacional, da agricultura è energia, da administração pública aos transportes, dos direitos sexuais e reprodutivos ao emprego, da produtividade e competitividade da economia portuguesa ao desemprego de licenciados, do ambiente ao Código de Trabalho, das tecnologias da informação à cultura, da saúde ao sistema político, da segurança social à educação, da toxicodependência aos serviços públicos, da imigração à investigação científica da fraude e evasão fiscais às questões da União Europeia» .
Mas, dados os tempos que correm, julgo ter algum interesse informar e dever propiciar alguma reflexão que também disse o seguinte:
«(...) Não apenas por respeito pela verdade mas sobretudo como contribuição para que ninguém ignore as dificuldades e adversidades que enfrentamos, merece uma referência o facto de a acção «Em movimento, por um Portugal com futuro» e os mais de 50 debates que no seu âmbito foram realizados tiveram direito, por junto e considerando os principais jornais de expansão nacional, a cerca de 8 notícias, a grande maioria das quais referentes à sessão de apresentação inicial desta acção.
Como aliás é costume, este número impressionantemente generoso de, salvo erro ou omissão, oito- notícias- oito não impedirá que nestes mesmos veículos de informação onde faltaram notícias sobre debates do PCP sobre tão importantes problemas nacionais, não tenham faltado no último ano e não venham a faltar nos próximos anos doutas opiniões e definitivas sentenças de que os partidos da oposição, e em especial o PCP, se consomem apenas a dizer mal do governo do país e que são incapazes de apresentar propostas construtivas e fundamentadas de políticas alternativas.
Para alguns cuja proeminência política quotidiana está em boa parte garantida pelos favores e simpatias dos «media» um balanço mediático como este sobre o «Em movimento por um Portugal com futuro» seria certamente um balde de água quase gelada que confirmaria definitivamente que não valeria mesmo a pena exercitar tanta massa cinzenta nem dispender tantos esforços para tão reduzidos ecos mediáticos.
Como se calcula, não é o nosso caso. Nós identificamos com rigor e viva apreensão o grave significado destes dados e, para além do que manifestam de preconceito contra o PCP e de ofensa ao pluralismo e a critérios decentes de acompanhamento da vida política, sabemos que são também a consequência extraordinária perversa de concepções e critérios que tendem a reduzir a política a umas quantas frases mais ou menos assassinas, a umas quantas coreografias mais ou menos vistosas, a uns quantos truques de marketing mais ou menos bem congeminados e fabricados. E que, reflexamente, tendem a expropriar e a esvaziar a política e a acção política de tudo aquilo que mais devia fazer a sua singular nobreza e dignidade, isto é, a reflexão, a intervenção, as propostas e as soluções para responder aos problemas do pais e às exigências cruciais do tempo em que vivemos e do tempo que virá. Sim, sabemos tudo isto e até talvez algo mais. Mas nem por sombras nos passa pela cabeça estreitar a nossa acção ou reconfigurar as nossas responsabilidades em função de dados como estes. (...)»