23 setembro 2015

Não estou sozinho

Estrela Serrano
no «vai e vem» ...


«Convém contudo não menosprezar o  valor facial das sondagens, em particular das tracking-polls. É que, o importante não é, como dizem os responsáveis, ver a evolução das intenções de voto, embora elas possam fornecer esse elemento. O importante é a influência que exercem sobre as percepções dos cidadãos, cujo interesse se resume a saber quem vai à frente e quem vai atrás.
Se conjugarmos esta  “corrida de cavalos” diária com uma cobertura jornalística baseada em arruadas e comícios, feita de picardias, ataques e demagogia temos uma campanha muito pouco esclarecedora.
As tracking-polls favorecem a manipulação fácil dos eleitores porque, em geral, estes  não se interessam por conhecer a amostra ou outros detalhes técnicos e não compreendem situações como a que se verificou na primeira tracking-poll da TVI, em que cerca de 7 pontos de diferença entre a coligação e o PS foi depois explicada pelo responsável da própria sondagem como um “empate técnico”, num debate sobre sondagens noutro canal (a RTP Informação).
As televisões e os jornais que encomendam essas sondagens e por elas pagam elevado preço estão interessados em rentabilizá-las e por isso as exploram empolando os seus resultados. Não estão interessados em sublinhar as limitações dos números que vão obtendo. Sacrificam o rigor da informação favorecendo a rentabilização do investimento que fizeram.
Não deixa, porém, de ser chocante perceber que em algumas dessas tracking-polls a amostra é muito limitada porque aumentá-la teria custos muito elevados. Isto é, manipula-se a opinião pública com sondagens cuja fiabilidade é próxima do zero.

... e Pedro Magalhães aqui


«E em Portugal? Aqui, à parte os inquéritos académicos ou o Eurobarómetro, sem dúvida relevantes mas realizados muito espaçadamente, as sondagens encomendadas e divulgadas pelos meios de comunicação social sofrem de uma quase permanente monomania em torno de intenções de voto e popularidade de líderes político-partidários. É certo que há, ocasionalmente, excepções. Como aqui ou aqui, onde se colocaram questões sobre grandes opções de política fiscal. Ou aqui, aferindo-se desejáveis prioridades de actuação de um novo governo e decompondo as respostas por grupos de inquiridos. Contudo, este esforço é episódico, impedindo a detecção de mudanças ou continuidades ao longo do tempo. Está frequentemente colado, na maneira como as questões são colocadas, a notícias concretas e irrepetíveis (“A Ministra das Finanças afirma que temos os cofres cheios, concorda?”), não apontando para a detecção de preferências e atitudes relevantes ou estáveis. As variáveis que permitiriam desagregar as respostas por grupos, definidos por características sócio-demográficas ou políticas, estão muitas vezes ausentes dos questionários. E mesmo quando existem, essa decomposição é, na maior parte das vezes, ignorada pelos próprios órgãos de comunicação social que encomendaram a sondagem, seja porque preferem retratar um agregado cuja “opinião” é na verdade inexistente (“os portugueses”) ou porque não têm jornalistas capazes de decifrar as implicações desse tipo de análise. E em geral, as potencialidades do online no arquivamento e visualização do histórico destes resultados e da sua análise mais fina, exemplificadas aqui ou aqui, são quase completamente ignoradas.

Porquê? A resposta mais fácil e óbvia, e não por isso menos verdadeira, tem a ver com recursos. Mercados pequenos e órgãos de comunicação social em crise geram, inevitavelmente, sondagens baratas e concentradas na supostamente fundamental “corrida de cavalos”. Serão, logo, muito menos completas e interessantes – para já não dizer menos metodologicamente robustas – do que aquelas que os responsáveis técnicos dos centros poderiam fazer com outras condições. Redacções emagrecidas, com jornalistas assoberbados de trabalho e incapazes de se especializarem, resultam num tratamento superficial dos resultados, numa baixíssima utilização das possibilidades fabulosas que hoje existem de tratamento e apresentação dos dados e numa reduzida exigência em relação às empresas. Por outro lado, não temos um equivalente ao Centro de Investigaciones Sociológicas espanhol nem ao Pew Center americano, alternativas, respectivamente, estatal e non-profit aos media privados na encomenda de estudos de opinião. E poderíamos continuar por aqui.

Contudo, suspeito que os problemas de recursos se foram transformando num problema mais geral de mentalidade, que torna as coisas piores do que teriam de ser. As sondagens e os seus resultados são, na comunicação social portuguesa, quase exclusivamente tratados como meros geradores de itens noticiosos entre muitos outros. Essas “notícias” são por vezes inexistentes do ponto de vista factual (“subiu 0,3%”), mas isso não impede que criem “eventos políticos” que podem ser “analisados” nos painéis nocturnos dos canais de notícias 24 horas, para serem depois esquecidos passados dois ou três dias. Alimentados nesta dieta noticiosa em que as sondagens são utilizadas meramente como parte de uma horse race coverage, somos todos condicionados a colocar sempre o mesmo tipo de perguntas sobre as sondagens. Porque estão uns partidos ou candidatos à frente numas e outros noutras? A quem beneficiam estes resultados? Se beneficiam, foram manipuladas para esse fim? Acertaram? Se não “acertaram”, quem as manipulou para não acertarem? E por aí fora. Nem todas estas dúvidas são idiotas. Algumas são relevantes, apesar de serem colocadas quase sempre com intuitos políticos mais ou menos evidentes. E são todas filhas deste ambiente geral e, por isso mesmo, perfeitamente compreensíveis.

Contudo, devíamos também ser capazes de colocar outra pergunta. Apesar dos poucos recursos, terão mesmo de ser tão superficiais e desinteressantes as sondagens que se fazem em Portugal e, logo, tão superficial e desinteressante a cobertura que geram? Lidar com este problema é do interesse de todos. Se as sondagens servirem apenas para analisar a “corrida de cavalos”, o discurso estritamente politizado sobre elas acabará, mais tarde ou mais cedo, por se tornar absolutamente hegemónico: está demasiado em jogo. Mas se isso acontecer, aqueles que fazem as sondagens e aqueles que as analisam acabarão por ser vistos como parte desse jogo e, logo, descredibilizados como fontes de informação relevante.

É isto que importaria impedir. A “corrida de cavalos” fará sempre parte do interesse e do “picante” das sondagens, não tenhamos ilusões. Mas nas sondagens que já se fazem em Portugal, há muitos outros dados e factos sobre o eleitorado e a opinião pública que não são suficientemente valorizados por quem as encomenda e, assim, permanecem ocultos para todos. Não sendo susceptíveis de serem usados para ganho político imediato, são apesar disso muito relevantes. E como espero ter mostrado com os exemplos anteriores, há muitas coisas que não são perguntadas e analisadas que o poderiam ser, sem grandes custos acrescidos. Bastaria um pouco de imaginação, atenção e saber. Teríamos assim uma visão mais profunda do que pensam e querem os eleitores portugueses, daquilo que os une e os divide, e porquê. E uma visão mais profunda do que são as sondagens e para que servem. Se as sondagens podem fazer qualquer coisa de positivo pela democracia, será mais por aqui do que pela obsessão exclusiva com as intenções de voto ou com os termómetros de popularidade.»

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