18 outubro 2012

Daniel Oliveira como outros

A equidistância baseada
na fuga às realidades



Já o sabia de ginjeira, e tenho-o escrito, que em certos sectores ou segmentos de esquerda o que está a dar é uma postura de equidistância face ao PS por um lado e ao PCP e BE por outro, uma distribuição equitativa de culpas e responsabilidades por falta de entendimento à «esquerda» (as aspas são por causa do PS), tudo no meio de um discurso que é feito metade de apelos piedosos e metade de fuga às realidades e factos mais esclarecedores.

Um exemplo desta atitude regressa agora neste parágrafo de um texto de Daniel Oliveira (sublinhados meus): «Se querem fazer alguma transposição para a situação nacional, vale a pena ter isto em conta. Quer a esquerda à esquerda do PS depender da falta de credibilidade do líder socialista de cada momento para garantir o seu crescimento? Se sim, a grande aposta do Bloco e do PCP terá de ser o desgaste do PS, deixando evidentes as suas fragilidades e contradições. Cavar o fosso e atirar o PS, em todas as oportunidades, para os braços da direita e da troika. Ou quer ser um elemento fundamental de pressão, firme, eficaz e pragmática, para que a alternativa à esquerda seja o mais ampla possível? Se sim, a grande aposta do Bloco e do PCP é ganhar cada vez mais sectores socialistas para esta posição, levando o PS a inverter o seu posicionamento.»

Para falar com franqueza, só esta de serem o PCP e o BE a«empurrar o PS para os braços da direita» já dava vontade de declarar a conversa acabada pois Daniel Oliveira sabe longamente que, para tanto, nunca o PS precisou de ser empurrado por terceiros, caminha para lá sempre pelos seus próprios pés, movido por opções e orientações que não são de hoje mas de ontem, anteontem e ainda mais atrás.

Depois o dilema ou a escolha formulados por Daniel Oliveira são completamente caricaturais e não passam de um mero jogo de palavras. Para se perceber isto, aqui deixo o meu testemunho pessoal de que o meu partido pode e deve, para além do combate sem tréguas à direita governante, sempre que para tanto há fundamento criticar severamente a direcção do PS e pôr em evidência as suas fragilidades e contradições exactamente para ganhar cada vez mais sectores socialistas para uma alternativa fundada numa real mudança de política, assim pressionando o PS para inverter o seu posicionamento, designadamente também pela maior pressão de um desejável e necessário reforço da influência eleitoral dos partidos à sua esquerda.  Isto, claro, supondo que um partido querer crescer  e pesar mais no curso dos acontecimentos e das soluções não é crime, antes é um dado legítimo e natural da vida democrática.

Por fim, para não estarmos a falar por partidos, para perceber como é que Daniel Oliveira consegue escrever assim, muito gostava eu de saber que aspectos decisivos ou estruturais das orientações do PS, no governo ou na oposição,  eu terei criticado e Daniel Oliveira tenha aplaudido.


Nota 1: Se a grande bússola do PCP  fosse a dos resultados eleitorais, então bem se poderia dizer  que poderia poupar metade dos seus esforços, iniciativas e combatividade contra os governos de direita pois, em não poucas épocas, quem tem colhido proveitos eleitorais da luta de outros tem sido o PS.

Nota 2: De certo modo, é da mesma família do texto de Daniel Oliveira o artigo que o respeitável sociólogo Elísio Estanque hoje publica no Público. Aí, escreve a dado passo (sublinhado meu): « A recusa da austeridade como solução para a crise (rejeição do memorando da troika e das políticas do actual governo); a renegociação das condições de resgate e a necessidade de mais equidade na distribuição dos sacríficios ; a a prioridade ao crescimento e emprego - são exigências que parecem gerar um amplo consenso entre as esquerdas, e até para além delas. Mas então porque é tão díficil constituir uma base de aproximação entre os atuais partidos de esquerda ?». Sobre isto, basta-me registar que Elísio Estanque não se lembrou ou não quis propositadamente, a seguir a«rejeição do memorando da troika», escrever entre travessões «firmemente recusada pelo PS». Calculo que não desse jeito para a teoria do «amplo consenso entre as esquerdas».


1 comentário:

  1. A acusação de que o PCP empurra o PS para a direita é uma desculpa com barbas que tem servido para mascarar as políticas do PS nas últimas décadas e os sucessivos desvios de direita do PS até em relação ao seu próprio programa.
    Se bem me lembro (como diria Vitorino Nemésio), Mário Soares chegou a utilizar essa mesma desculpa no célebre debate com Álvaro Cunhal.
    Infelizmente - digo-o com toda a sinceridade - o PS nunca precisou que o empurrassem para a direita e foi pela sua mão que cá chegou a troika.

    ResponderEliminar