02 novembro 2011

Qual «batalha da produção», qual carapuça !

O verdadeiro nome da coisa





A  sanha clamorosamente revanchista e reaccionária que o governo está dirigindo em especial, mas não só, contra as conquistas dos trabalhadores em matéria de horário de trabalho, justifica as seguintes observações dispersas:


Creio ser totalmente acessível a qualquer cidadão, excepto a talvez a algum  que tenha dado aulas de economia em Vancouver, que esta repentina obcessão de que é no horário de trabalho (ou nos salários) que está um ponto nuclear dos problemas de produtividade e competitividade da economia portuguesa é uma patranha inacreditável que desvenda, entre muitas outras pelo menos duas coisas de aterrar: a primeira é que propositadamente obscurece o caracter esse sim decisivo para a produtividade e competitividade das empresas portuguesa da inovação e modernização tecnológica, da orientação para nichos e segmentos de mercado externo  em que posssamos ser competitivos, da capacidade de gestão, da qualificação, motivação ee especialização da força de trabalho tudo matérias que dependem sobretudo dos empresários e não dos trabalhadores; a segunda é que, depois de décadas de aparente consenso e de milhares de proclamações em torno da ideia de que não mais era viável basear  o modelo de desenvolvimento do país numa política de baixos salários e agravadas condições de trabalho, é precisamente esse modelo caduco e sem futuro que se pretende manter e aprofundar poderosamente. O aumento da produção nacional e um rumo de crescimento económico são sem dúvida indispensáveis (como o PCP sublinha infatigavelmente, para não ir mais atrás, desde o 25 de Abril, enquanto outros o acusavam de arqueológico e de fora dos tempos modernos) mas isso não pode ser confundido com a ideia simplista e parva de que, para tanto, os trabalhadores portugueses tenham de trabalhar mais horas.


 Também não é preciso ser licenciado em economia para perceber que, tendo em conta o peso dos serviços na estrutura económica nacional e que as empresas que dão mais emprego trabalham fundamentalmente para o mercado interno, seja o acréscimo da meia hora diária de trabalho ou o projecto grotesco do regresso às 48 horas semanais não têm nenhum efeito económico numa prolongada conjuntura recessiva, com uma fortíssima retração do mercado e do consumo internos. Dito de uma forma mais prosaica, em muitos sectores e empresas, os trabalhadores poderão trabalhar mais meia hora mas isso não trará nenhum acréscimo às receitas dessas empresas.


Já o que me parece certo e fatal é que o aumento da carga horária dos trabalhadores será sim um novo contributo para acentuar os despedimentos e o desemprego pelo menos em empresas de certa dimensão. Basta pensar, por exemplo, nos grandes grupos de distribuição que tem milhares de empregados para se perceber que o aumento de meia hora de trabalho por dia, gerido e aproveitado àquela escala, só pode vir a  corresponder à dispensa de muitos outros trabalhadores.
Entretanto, há um aspecto que creio não estar a ser suficientemente falado ou, pelo menos divulgado e que se reveste da maior gravidade: é que as sucessivas decisões ou anúncios do governo sobre reduções salariais, subsídios e horário de trabalho representam pura e simplesmente o mais frio assassinato das já muito enfraquecidas e patronalmente sabotadas negociação e contratação colectivas e o mais descarado fim do mito do Governo como árbitro entre patronato e sindicatos quanto às relações laborais, uma vez que o governo se assume agora, com um despudor nunca antes visto, como servidor e executante dos interesses das empresas, para ser mais exacto, do grande capital.


Já o disse aqui nesta chafarica mas é necessário e indispensável continuar a repeti-lo muitas vezes: o descabelado programa de agressão e liquidação dos direitos dos trabalhadores que o governo tem em curso não decorre da crise nem é uma consequência desta. Neste ponto, o papel da crise é servir de justificação mentirosa e cínica e de manto protector  para impôr aos trabalhadores portugueses retrocessos inadmissiveis, selváticos, brutais em tudo o que conquistaram (às vezes, até antes do 25 de Abril), retrocessos e agressões que, ao mesmo tempo, ofendem, violam e espezinham a fisionomia da democracia portuguesa que está plasmada na Constituição da República. 

1 comentário:

  1. Depois do nosso 25 de Abril, tanto que se tem andado para trás. Por culpa e grande de muitos que aparentemente e hipocritamente estavam com ele.

    Um beijo.

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