09 janeiro 2020

Um editorial em modo «vol d'oiseau»

Quatro observações
 em cima da hora

No «Público» de hoje, um editorial assinado por David Pontes desvaloriza e deprecia manifestamente as anunciadas abstenções dos partidos à esquerda do PS na votação na generalidade do Orçamento de Estado para 2020. É, por exemplo, o que se depreende de uma passagem como esta : «No ponto em que estamos, [ o Orçamento] talvez venha a ser rosa pálido. Um Orçamento socialista, diluído no branco da abstenção dos seus parceiros à esquerda. Sempre pálido, para quem acreditava que o “projecto” da “geringonça” tinha capacidade para prosseguir além da vitória do PS nas eleições legislativas. Umas tantas concessões na discussão da especialidade para garantir um encolher de ombros dos antigos parceiros na votação final. É quanto basta.» E, depois, o editorial remata sentenciando lapidarmente  :« Alguns jogos políticos e muito pouca paixão. É o que resta da “geringonça”.»
Ora, sobre este tipo de atitudes ou juízos, apenas quatro observações: 
primeira é  para sublinhar que as abstenções já anunciadas não podem ser desligadas, como é público e notório, de concessões que o PS já foi obrigado a fazer.
segunda é que falar, com um tom superior e desdenhoso, de «umas tantas concessões» e dizer que eles se resumem a «jogos políticos» é ignorar que se trata de matérias já com sensível repercussão nas condições de vida de muitos milhares de portugueses e na organização da sociedade às quais só podem ser indiferentes os que já têm um estatuto socio-económico privilegiado.
terceira  é que na chamada «gerigonça» (nunca usei por vontade própria o termo) eu vi muitas coisas como sentido das responsabilidades nacionais, empenho em barrar o caminho à continuação da direita no governo e determinação em reverter as medidas mais gravosas que aquela tinha imposto brutalmente. Mas «paixão», paixão mesmo, nunca vi. 
quarta é que quase jurava que, se o PCP, o BE e o PEV tivessem decidido votar contra o OE 2020 já na generalidade, com grande probabilidade teríamos então um editorial do «Público» a fustigar o sectarismo dos que estão à esquerda do PS, a criticar o seu abandono da possibilidade de, em sede de especialidade, obterem maiores ganhos de causa e a fustigar o seu radicalismo.

Em resumo: está difícil ser prior de uma freguesia assim.

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