14 julho 2014

A respeito da matriz genética do BE

Um chato e longuíssimo post
sobre a reescrita de uma história


Esclarecendo que estou tão a milhas das discrepâncias dentro do Bloco de Esquerda como do confronto Seguro-Costa no PS, porque nestas coisas sobra sempre alguma coisa sobre terceiros, há coisas para que tenho de chamar a atenção, em respeito pelo que eu julgo ser a verdade histórica.

É assim que não posso deixar de registar que a corrente Manifesto do BE acaba de escrever o seguinte (sublinhados meus):


Lido isto, uma vez que sobre «o PCP indisponível para a governação» já respondi aqui (e esse post aplica-se perfeitamente ao simplismo da crónica de Rui Tavares hoje no Público), tenho de dizer que ou estamos perante um patente caso de amnésia política ou perante um caso de conveniente reescrita da história, pois, na minha opinião,  no tempo da fundação e nos primeiros anos de vida do Bloco a «construção de pontes» ou «o diálogo entre as esquerdas» ou as disponibildades para responsabilidades governativas eram quase zero, vingando sim a linha de orientação consagrada na fórmula «correr por fora». E aqui chamo a atenção para que o «correr por fora» não é invenção minha, como se comprova por esta passagem  escrita há não muito tempo por Daniel Oliveira no «arrastão».


Aqui chegado, eu poderia tentar fazer um resumo do que nos anos iniciais era de facto a orientação táctica e estratégica do Bloco mas, para não se perderem certos elementos mais vivos e factuais da época o que proponho a quem tiver paciência para tanto é uma viagem pelas partes sublinhadas em  três crónicas minhas sobre o BE publicadas em 1999, 2002 e 2004 e que creio mostrarem insofismávelmente que «o compromisso matricial» do Bloco agora tão invocado é uma construção dos dias de hoje. É muito longo e chato mas mais longo seria proceder aqui a uma antologia de declarações de dirigentes do PE que com algum trabalho poderia reunir.

Começar mal
(Avante! de 21.1.1999)
Por ocasião do lançamento, no último fim de semana, da tentativa de mais uma experiência de agregação eleitoral na área da UDP, do PSR e da Política XXI, alguns dirigentes do PSR e da UDP produziram declarações relativas ao PCP que se arriscam a ficar como um lamentável indício de qual poderá ser o seu verdadeiro desígnio eleitoral e dos tristes métodos que se dispõem a usar para o atingir.

Com efeito, e só para citar algumas frases mais significativas, Alberto Matos (UDP) invocou as «ambiguidades» do PCP face ao PS e falou das « «colagem do PCP ao Governo à espera de uns lugares». Luís Fazenda (UDP) referiu que o país não precisa de «uma oposição que num dia proteste e no dia seguinte esteja a tentar um negócio de poder», reclamando de seguida que «o PCP que se defina». E, para abreviar a lista, acrescente-se que Heitor de Sousa, no Congresso do PSR, terá também acusado o PCP de ter uma posição de compromisso com a política de direita assim induzindo uma postura conformista e rotineira do movimento operário.

Deixando-nos de punhos de renda, é caso para dizer que os autores destas declarações, proclamam querer «começar de novo», mas começam é mal.
Porque começam por deturpar, falsificar e amesquinhar a indiscutível realidade de que o PCP tem sido a grande força de oposição de esquerda ao Governo do PS, agindo em todos os planos da vida nacional com rigorosa autonomia política e estratégica e desempenhando um papel incontornável não apenas na defesa de interesses populares imediatos mas também na luta por valores, por uma política e por um projecto alternativo de esquerda.

Porque começam dando objectivamente continuidade à operação lançada pelo PSD, e especialmente acarinhada pelo «Expresso», para apresentar o PCP como «muleta do PS», precisamente para fazer esquecer que, nesta legislatura e nas matérias fundamentais e decisivas, os grandes aliados do PS têm sido o PSD e o PP.
Porque começam com o truque de, olhando o campo da esquerda, precisarem de decretar que é um deserto para melhor se apresentarem a si próprios como uma miragem do desejado oásis.

Éisto que, para já, não deixamos passar em claro.

(...)

Colo, doce colo
(Avante! de 14.3.2002)
Pelos vistos, a campanha não podia terminar sem que responsáveis do Bloco de Esquerda dessem mais um testemunho da sua peculiar «nova forma» de fazer política que consiste em deturpar, fria e premeditadamente, as posições do PCP.

Com efeito, discursando na Aula Magna e depois de se referir à orientação do CDS-PP, Miguel Portas sentenciou que «o problema do Partido Comunista nesta disputa eleitoral é que a sua proposta é, no fundo, simétrica, obviamente diferente, mas é simétrica [à do CDS-PP]. O PS é péssimo, horroroso, mas desde que o PCP esteja no Governo, a coisa obviamente que é outra».
A questão é apenas esta: Miguel Portas sabe perfeitamente que o que o PCP anunciou e reiterou, para depois de 17 de Março, foi a sua disponibilidade «para examinar com as outras forças democráticas as possibilidades de definição de uma política de esquerda (que signifique um ruptura com a política até seguida) e de concretizaçao de uma solução governativa capaz de a respeitar, garantir e aplicar». Logo acrescentando que, para isto, o que mais conta é o reforço da votação da CDU.
Confundir a precisa, rigorosa e importante substância desta posição  com qualquer propósito de ir para o governo a qualquer preço e, ainda por cima,  com o efeito automático de transformar o «péssimo» em óptimo e o «horroroso» em exaltante é uma pura e lamentável desonestidade, bem representativa  das mais velhas e bafientas formas de fazer política, à esquerda ou à direita.
Acresce que esta autoproclamada «esquerda moderna» também parece não ter grande apreço pela coerência. Em entrevista a F. Louçã (28/2), uma  jornalista do «Público», em ostensiva deturpação, aludiu a que para o PCP «o PS e o PSD são a mesma coisa». Louçã aproveitou gulosamente a boleia e logo desancou no «discurso simplista do PCP, como se todos os gatos fossem pardos em noite de lua nova». O problema é que se, neste âmbito, não existissem dezenas de outras afirmações de dirigentes do Bloco de brutal amálgama entre  o PS e o PSD (como o PCP nunca fez), aí estaria a recente afirmação de Louçã no mesmo comício de que PS e PSD eram irmãos «absolutamente siameses» para se saber em que cabeças passeiam gatos pardos e quem é que debita um «discurso simplista».
Os responsáveis do Bloco andam manifestamente felizes por, nesta campanha, serem positivamente levados ao colo pela maior parte dos órgãos de comunicação social que, como é sabido, suspiram por uma política radicalmente de esquerda.  -
Felizes podem estar, apesar do bonito serviço que em Dezembro prestaram à cidade de Lisboa. Mas deviam saber que impunidade política é coisa que, se não a reclamamos para nós, também não a concedemos a ninguém.

No Avante" de 23.12.2004
Para quem compreensivelmente se tenha perdido pelo caminho, é só reparar, para além de outras diferenças, que onde hoje há supostamente «um PCP indisponível para a governação», há 15 ou 10 anos havia um PCP sobre o qual se lançava a suspeição de que querer fazer «um negócio de poder» com o PS.

9 comentários:

  1. Obrigada pelos esclarecimentos para quem ainda tem dúvidas sobre as verdadeiras funções do BE. Não para mim que conheço muito bem a política e o ideal do PCP, mas para muitos que se reclamam de uma esquerda pura e que deviam ler este blog que apresenta sempre as verdades comprovadas por factos e documentos.
    Um abraço.

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  2. A compilação destes textos e a persistência no esclarecimento dos factos dá um trabalho danado, tanto mais que enfrenta incompreensões várias, mesmo por parte dalguns daqueles que têm afinidades político-ideológicas com o Vitor Dias.

    Pessoalmente acho todavia que tal trabalho é necessário e esclarecedor. A deturpação dos factos , aproveitando até a habitual autêntica manipulação informativa dos media, joga com a memória ( ou falta dela) e joga com os jargões actualizados de acordo com as conveniências de momento.

    Ora o confrontar as fontes ao longo do tempo é um trabalho que, para além de exemplar do ponto de vista metodológico, permite colocar os pontos nos is, clarificar o debate em tempo útil, aferir as intervenções políticas e comparar a praxis com o pensamento expresso.
    .
    A luta ideológica está infelizmente contaminada pelas maiores manipulações, inverdades e mesmo grosseiras mentiras. Que o mesmo se passe também "à esquerda" é motivo de lástima e de tristeza.

    Ou seja, por mais penoso ( e podem crer que o é) que estas "correcções" sejam, a sua necessidade não pode ser escamoteada, nem a sua importância menosprezada. E são um contributo fundamental no campo da luta das ideias.

    De

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  3. Sra D. Graciete já percebemos que não tem dúvidas, e raramente se engana, é a vantagem de fazer parte de um partido , em que ninguém tem dúvidas, e se as têm só lhes resta um caminho, a porta da rua.

    Mas na ESQUERDA, que é , e sempre foi plural, há quem não aceite esse tipo de militãncia, porque acima de tudo prezam a sua LIBERDADE DE PENSAMENTO, que é o bem mais precioso de um ser racional.

    Certamente muito do que o Vitor Dias escreveu , no contesto em que foi publicado, até se poderia justificar, mas nos últimos anos muito caminho se fez, e a bem da verdade nos últimos anos , primeiro por iniciativa do BE e depois do PCP, tem havido encontros, que não escondendo as divergências têm tentado encontrar pontos de convergência entre os dois partidos.

    É só isso , que neste momento pretendo realçar.

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    1. Vejo que, para além da "liberdade de pensamento", o meu caro preza, sobretudo, o anonimato…

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    2. Mais uma vez se torna necessário a correção de "inverdades"-

      Infelizmente um anónimo aproveita o apontar de convergências entre o PC e o BE ( a imagem de irem ambos na mesma estrada é feliz) para desbobinar o seu destrambelhado rancor sobre alguém que posta a sua opinião, com legitimidade e em consciência.

      Parece que este anónimo não tem dúvidas e raramente se engana, quando do alto da sua jactância se atreve a fazer juizos de valor perfeitamente inadequados.

      A vacuidade das afirmações gratuitas do anónimo falam por si.A sua total ncapacidade para as sustentar deixam as ditas afirmações suspensas num confirmado anticomunismo boçal, Ainda por cima não só insultuoso para os que optam em "liberdade de pensamento" pela sua vinculação partidária ou ideológica, como também muito pouco abonatória para quem ousa escrever este tipo de barbaridades.

      Ou seja, para o referido anónimo a "liberdade de pensamento" é função dos gostos pessoais do anónimo em questão pelo que quem não seguir a liberdade de pensamento ao gosto do anónimo não é um ser racional.

      Está equivocado este anónimo.O que posta não é um argumento.É um credo.
      (Porque a frase que posta sobre o destino da "rua" para quem ousa ter dúvidas é outra coisa, esta já do foro do anedotário anónimo.)

      De

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    3. Sem comentários. O Vítor Dias esclarece tudo muito bem, com datas e factos.

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  4. Meu caro "Anónimo", olhe que em matéria de lacunas e de ignorância, parece-me que essa valiação que faz "de um partido , em que ninguém tem dúvidas, e se as têm só lhes resta um caminho, a porta da rua", é para não dizer mais - a urgência é da convergência e não da divisão - manifestamente exagerada. Quanto ao caminho que tem sido feito, saúdo-o, independentemente da promoção das iniciativas. Já quanto à heterogeneidade do Bloco de Esquerda - perdoe-me lá este, por assim dizer, preconceito, a fama de algumas figuras e, sobretudo de alguns figurões, já vem de longe. Pense-se na dama que a História há-de consagrar sob o cognome de "A Vírgula" (para acabar assim com um ar mais misterioso e bem-disposto). Cordiais saudações e aí nos encontraremos nas barricadas anti-capitalistas.

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  5. Há um património de que o Bloco de Esquerda se pode orgulhar ao longo de 15 anos de sua existência , NUNCA ninguém foi expulso por delito de opinião.

    Ser um partido PLURAL tem muitos contras, mas sem esse pluralismo não valia a pena o BE ter sido criado, para partidos sem pluralismo e com censura já havia .

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    1. A falta de verticalidade é uma coisa terrível.
      Se como suspeito este anónimo é o mesmo anónimo que andou a dizer asneias do calibre da "liberdade de pensamento", devia ao menos ter tido a humildade e a dignidade para pedir desculpa.

      Esse tal anónimo não será um partido porque é um personagem singular.Porque se o fosse teria já expulso todos os que não alinhasem com a sua liberdade de pensamento eou todos os que cheirasse que poderiam não ter dúvidas/ ou vice-versa.

      Um censor nato, com o rabo de fora.Em busca sabe-se lá do quê, mas com certeza nem da dignidade nem do tempo perdido

      De

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