14 março 2014

Uma grande figura de lutador

A ele, ao contrário de Blair,
nunca ninguém chamou "Tory" Benn


Em 1961 na Conferência do Partido Trabalhista
(mais fotos aqui

“We are not just here
to manage capitalism but
to change society and
to define its finer values.”

3 comentários:

  1. Três registos informais e de memória, pedindo desculpa por um ou outro pormenor em que esta me traia, sobre essa prestigiada figura de esquerda que foi Tony Benn.

    Primeiro registo. Há já muitos anos veio a Portugal, salvo erro a convite do Cravinho (PS), e deixou os chuchas todos embaraçados com as intervenções, de esquerda verdadeiramente consequente, que proferiu nos debates. Relembro a figura triste do então camarada Vital Moreira, que fez questão de nos embaraçar a todos quando, no afã de se apresentar mais à esquerda do que o convidado (quem diria hoje!), puxando dos galões de deputado comunista, se pôs despropositadamente a atacá-lo na única coisa que de facto não era defensável, as distorções do sistema eleitoral britânico, quebrando a unidade, logo ali estabelecida, com um homem que cada vez que abria a boca parecia que lançava uma pedra na política dos anfitriões socialistas.

    Aí o ouvimos dizer, em resposta a uma provocação sobre a URSS julgo que de um chucha já em desespero e depois de uns remoques bem humorados ao Brejnev, em que diga-se de passagem estava cheio de razão, que nunca deixaria de contar emocionado aos netos o papel que a União Soviética tinha desempenhado na derrota do nazi-fascismo, essa União Soviética ao lado da qual tinham lutado todos os progressistas britânicos.

    Segundo registo. Uma camarada já falecida contou-me que, encontrando-se em Londres nos anos 70 e reconhecendo este lutador de esquerda na rua, se lhe dirigiu para cumprimentá-lo e apresentou-se como comunista portuguesa, ao que o ouviu imediatamente responder: «Ah! O Álvaro Cunhal! Era o único capaz de levar aquele país para a frente...».

    Terceiro registo. Da extinta Revista dos Partidos Comunistas e Operários ainda recordo uma célebre entrevista a esta figura maior da ala esquerda do partido trabalhista. Nela, beneficiando da sua experiência de ex-ministro do governo britânico, afirmava que, quando alguém era eleito para um importante cargo de poder, lhe apetecia sempre fazer cinco perguntas. Não me lembro de todas, as primeiras eram as óbvias, "quem te elegeu?", "defendes os interesses de quem?", etc., mas a última tinha muita piada: "o que temos que fazer para te tirar daí?".

    Nessa mesma entrevista, recordava uma formulação admirável, salvo erro de um teólogo inglês, sobre a democracia:

    «A capacidade do homem para o bem torna possível a democracia; a capacidade do homem para o mal torna necessária a democracia».

    Já tenho parafraseado esta frase substituindo a palavra democracia por socialismo. Estou muito seguro que o velho Tony Benn não se importaria.

    HM

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    1. Caro HM : as cinco questões estão aqui em http://www.theguardian.com/politics/2014/mar/15/10-of-the-best-tony-benn-quotes-as-picked-by-our-readers

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  2. Desculpa-me Vítor, mas não resisto a traduzir estas linhas da apreciação do Tony Benn sobre Álvaro Cunhal e Mário Soares, retiradas da sua autobiografia [The End Of An Era: Diaries 1980-1990], sobretudo quando o último se empenha, com a aplicação de um cábula que se vê na necessidade de recuperar do atraso, em morrer com uma imagem de esquerda.

    «Às 6h45 Caroline e eu fomos levados para a sede do partido socialista, onde tivemos uma reunião com o líder Mário Soares e o seu secretário internacional, Rui Mateus. Soares falou durante cinquenta minutos. Explicou que o actual governo [Governo Balsemão/AD] fora conduzido pelo mais moderado dos social-democratas e que não iria durar muito mais do que o início do próximo ano; a situação económica era tal que poderia ser capaz de vir a formar um novo governo em aliança com os sociais-democratas. A sua principal preocupação eram os comunistas; quando tinha sido primeiro-ministro, tinha conseguido evitar uma tomada do poder por aqueles, que estava a ser organizada por Álvaro Cunhal, líder do partido comunista português, que fora o tutor de Soares. Eu li a nota biográfica de Cunhal no avião - ele tinha sofrido as torturas mais terríveis na prisão nos anos 30 e 40 e era visto como um comunista da linha-dura. É claramente um homem notável. Muito do que Soares disse foi contra Cunhal e os comunistas.

    ( ... )

    Olhando para trás, tem-se a impressão de que o papel dos socialistas era salvar o capitalismo sempre que este fosse ameaçado, abrigar-se sob o guarda-chuva da América e lutar contra os comunistas, em casa como no estrangeiro. Soares tinha um grande charme e cortesia e deu-me uma hora e dez minutos do seu tempo, mas não posso dizer que o achei diferente daquilo que esperava - um homem vaidoso que não tinha percepção real dos eventos históricos em que tomava parte.»

    HM

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