05 março 2014

O PCP e o aparecimento do BE

O que a minha memória
e documentação dizem

Em artigo publicado no Expresso online intitulado «O bullying político a Rui Tavares» e que, à escala de 99%, não me interessa nada, Daniel Oliveira, a certa altura, postula o seguinte: «Todos os partidos têm alguma necessidade alimentar o ódio ao dissidente para manter unida a "tribo". Mas seria interessante o BE perceber que é hoje o mais empenhado promotor da notoriedade do Livre. Até nisso, repete com Rui Tavares o erro que o PCP cometeu com o Bloco, há 15 anos. O que não deixa de ser irónico.»

Sobre a passagem sublinhada, creio que Daniel Oliveira ou está desmemoriado ou equivocado e, por isso, considero útil em certa medida, deixar aqui três observações essenciais:

-  a primeira é que vir sublinhar qualquer suposta  contribuição do PCP para a  «notoriedade» do BE é um gesto de forte ingratidão retroactiva em relação ao estremoso e embevecido papel que a comunicação social teve nessa notoriedade;
 
- a segunda é que, tendo eu sido membro da Comissão Política do PCP durante os primeiros anos de existência do Bloco (e ainda posteriormente), o testemunho que posso dar é que, em termos de documentos dos órgãos de direcção do PCP ou discursos dos seus principais dirigentes, a começar pelos do Secretário-geral de então, o PCP foi particularmente discreto e comedido em relação ao BE;

- a terceira é que isto não quer dizer que, designadamente nas páginas do Avante!, com alguma frequência, eu próprio e outros dirigentes do PCP não tivessemos comentado e criticado declarações de dirigentes do BE mas, ponto importante, sempre em atitude de legítima defesa, como se pode ilustrar, entre muitos outros exemplos, por duas crónicas por mim assinadas no Avante! e que agora republico com sublinhados feitos neste momento:

Em 21.1.99
Começar mal

Por ocasião do lançamento, no último fim de semana, da tentativa de mais uma experiência de agregação eleitoral na área da UDP, do PSR e da Política XXI, alguns dirigentes do PSR e da UDP produziram declarações relativas ao PCP que se arriscam a ficar como um lamentável indício de qual poderá ser o seu verdadeiro desígnio eleitoral e dos tristes métodos que se dispõem a usar para o atingir.

Com efeito, e só para citar algumas frases mais significativas, Alberto Matos (UDP) invocou as «ambiguidades» do PCP face ao PS e falou da  «colagem do PCP ao Governo à espera de uns lugares». Luís Fazenda (UDP) referiu que o país não precisa de «uma oposição que num dia proteste e no dia seguinte esteja a tentar um negócio de poder», reclamando de seguida que «o PCP que se defina». E, para abreviar a lista, acrescente-se que Heitor de Sousa, no Congresso do PSR, terá também acusado o PCP de ter uma posição de compromisso com a política de direita assim induzindo uma postura conformista e rotineira do movimento operário.  



Deixando-nos de punhos de renda, é caso para dizer que os autores destas declarações, proclamam querer «começar de novo», mas começam é mal.


Porque começam por deturpar, falsificar e amesquinhar a indiscutível realidade de que o PCP tem sido a grande força de oposição de esquerda so Governo do PS, agindo em todos os planos da vida nacional com rigorosa autonomia política e estratégica e desempenhando um papel incontornável não apenas na defesa de interesses populares imediatos mas também na luta por valores, por uma política e por um projecto alternativo de esquerda.


Porque começam dando objectivamente continuidade à operação lançada pelo PSD, e especialmente acarinhada pelo «Expresso», para apresentar o PCP como «muleta do PS», precisamente para fazer esquecer que, nesta legislatura e nas matérias fundamentais e decisivas, os grandes aliados do PS têm sido o PSD e o PP.

Porque começam com o truque de, olhando o campo da esquerda, precisarem de decretar que é um deserto para melhor se apresentarem a si próprios como uma miragem do desejado oásis.

Em 13.07.2000

Lá vai outra



Já sabemos que Francisco Louçã pensará desta crónica o que já disse de outras aqui publicadas : que «o PCP reage com algum nervosismo, levando o «Avante!» a dedicar-nos pequenas picardias que muito nos divertem, mas que não têm nenhuma consistência no debate político nem têm futuro» («DN» de 20.5.2000).

Mas não importa. Toda a gente sabe que F. Louçã é um autêntico querubim na política nacional; que os responsáveis do Bloco não perpetram «picardias» nenhumas sobre o PCP nos artigos que, batendo o recorde nacional do proselitismo partidário em colunas de opinião, escrevem no «Público», no «DN» e no «Expresso»; e que continua em vigor o 11º mandamento segundo o qual acusações, deturpações e insinuações de responsáveis do Bloco contra o PCP são puro debate de ideias com imensa consistência e futuro, mas qualquer resposta de dirigentes do PCP já é puro «ataque» ou «sectarismo».

Mas já que tanto se divertem com as tais «picardias», bem podem arrecadar hoje mais uma.


Que consiste em anotar que os famosos «radicais» do Bloco são afinal cultores do mais chocho formalismo parlamentar, como se voltou a confirmar agora com a sua acusação de que a abstenção do PCP na moção de (pretensa) censura do PP revelava «incapacidade política de fazer escolhas». Como se as aparências do tipo de voto fossem tudo e as razões e argumentação políticas (expressas com clareza e vigor pelo Presidente do Grupo Parlamentar do PCP) fossem nada. E, já agora, como reagiria o Bloco se alguém dissesse que as suas abstenções na AR revelavam «incapacidade política de fazer escolhas» ?

Por outro lado, é indecente que responsáveis do Bloco, muito para além da valorização da sua contribuição específica, se dediquem frequentemente a rasurar o que o PCP faz, chamem a seu mérito exclusivo a abordagem de temas em que o PCP tem, e de há muito, uma fortíssima intervenção, e falem como se, antes de se sentarem na AR, nunca ninguém tenha tratado de toxicodependência, violência contra as mulheres, imigrantes, reforma fiscal, etc. Ou então como se o Bloco é que tivesse arrancado alguns desses assuntos ao que Fernando Rosas chama «modorra parlamentar», mas nós chamamos preconceito, força dos outros, silenciamento mediático e... desatenção dos pré-bloquistas.

3 comentários:

  1. Ainda me lembro bem dos artigos INSIDIOSOS publicados ao longos dos anos no Avante, e assinados normalmente por militantes pouco conhecidos, a atacar o BE, ou frases como aquela de Jerónimo de Sousa,
    Os patrões comem BE ao pequeno almoço.

    A Idade tem destas partidas ....esquecimentos

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  2. Não leio tudo o que DO escreve on line - o expresso em papel há muito deixei de comprar - mas algumas crónicas que leio resultam do que aqui é escrito. DO gosta das suas picardias e com o "calo" que tem não é inocente quanto ao que escreve. Hoje, p. ex, a despropósito da Crimeia encerra com picardias aos comunistas (entenda-se, PCP) e à "morte" da URSS e à queda do Muro (de Berlim, entenda-se, pois outros, uns mais virtuais que outros persistem)

    A crónica sobre Rui Tavares é sobre as relações entre DO e o seu "amigo", publicamente expressa, e posições do BE relativamente a RT, com recorrentes desconsiderandos à mistura.

    Se o PCP (e tb o BE) surgem nas crónicas, isso é motivo para que os comentadores on line na sua maioria debatam não o tema essencial da crónica mas pavlovianamente "discutam" e se atirem contra o comunismo, a urrs, estaline, cuba, etc, etc. Pk tirando isso, em Portugal, na União Europeia e nos EUA, tudo estaria panglossianamente bem.

    De tudo o que DO escreve retenho que ele considera que RT não "mudou" em relação à UE, daí divergindo “evolução” do articulista e que este, afirmando que votará à esquerda do PS, mas não sabendo em quem, afirma que não dará público apoio a quem quer que seja. Admitindo DO que o Livre e Rui Tavares são de esquerda, parece-me que apesar da "amizade" de longa data, DO não votará nem no Livre nem em RT, embora para mim isso seja de somenos importância.

    Cito: «Depois da apresentação da candidatura de Francisco Assis (…), sei que votarei à esquerda do PS. Não sei em quem. Também sei que não apoiarei ninguém publicamente. E sei que, apesar de duas décadas em que estivemos muito mais vezes de acordo do que em desacordo, tenho hoje algumas divergências centrais com o Rui Tavares em matéria europeia»
    E retenho outra afirmação, que se perde no meio do ruído: «À esquerda, na realidade, o Livre e o PCP são hoje os únicos partidos com posições que se compreendam sobre os caminhos da Europa e do euro.»

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  3. Muito provavelmente as críticas feitas pelo PCP a certa posições do BE têm a sua justificação no comportamento desse partido perante as posições do PCP. E nunca a idade permitirá esquecer essa insinuações bem expressas no post que acabo de ler , dada a coerência deste Partido que hoje faz 93 anos e nunca desistiu da lutar.
    Um beijo, camarada Vítor.

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