13 abril 2013

Uma referência de Pacheco Pereira ou...

 ... voltando 19 anos atrás




Em mais um dos seus densos e acutilantes artigos que vem publicando no «Público», José Pacheco Pereira, numa reflexão interessante em grande parte centrada  sobre a sua própria intervenção no espaço público e mediático, refere acessoriamente a dado passo um seu «artigo sobre os incidentes  na Ponte 25 de Abril [*], que vem hoje  nas antologias e é dado nas escolas».

Sem nenhuma acrimónia e longe de qualquer retardado ajuste de contas com o autor mas apenas porque não faltarão  hoje pessoas que ou não se lembram com a necessária amplitude dos factos ou que, por razões de idade, os desconhecem, julgo ser de lembrar duas coisas essenciais: uma é que o celebrado artigo em causa evocava de forma de facto muito impressiva a aspereza das condições de uma «familia de Paio Pires» que todos os dias se tinha de deslocar para Lisboa através da Ponte 25 de Abril; e a outra é que Pacheco Pereira, à época, conseguiu compatibilizar esta comovida descrição com um claro apoio à acção do governo Cavaco Silva perante aqueles incidentes, nunca se tendo sequer demarcado dos seus aspectos brutalmente repressivos.

Foi neste quadro que, em 1.09.1994, escrevi por exemplo, no Avante! que «Neste esquema, não pode causar admiração que, entre muitos outros tão devotos das « realidades virtuais » quanto insensíveis à realidade que toda a gente conhece , Pacheco Pereira venha dizer que « o principal efeito não foi o protesto mas o consentimento » , e que Marcelo Rebelo de Sousa venha dizer que « alguns buzinaram », que « não houve insatisfação activa » mas apenas «passiva » [?!] e, portanto, se registou uma « vitória esmagadora do Governo ».

E que, em  19.9.1996, viria a escrever também no Avante! a respeito de Pacheco Pereira uma crónica intitulada «Duplicidades» (e que não me custa reconhecer a esta distância que a palavra «Ambivalências» teria sido mais rigorosa) onde assinalava  com uma dureza que tem de ser entendida à luz daqueles tempos e circunstâncias e que não se justificaria no momento actual :

«(...)
É assim Pacheco Pereira: sempre trabalhando sabiamente para a construção do seu próprio mito.
Desmascarando a obsessão da «marcação da agenda política»,  mas nunca descurando qualquer hipótese apetecível de ser «o protagonista da notícia do jornal do dia seguinte».
Escrevendo em vésperas de Congresso do PSD sobre «os pecados mortais que impedem o consenso», mas integrando depois uma lista inevitavelmente repleta de pecadores.
Descrevendo, a próposito da «revolta da Ponte», o mal-estar social nas zonas suburbanas, mas clamando logo a seguir que o buzinão não contava nada e que o único dado relevante era não haver recusa generalizada de pagamento da portagem.
Debitando periodicamente umas finas considerações sobre ética política, mas aterrando na campanha presidencial de Cavaco Silva para colocar o seu terrorismo verbal ao serviço da exploração dos «incidentes» do Barreiro.(...).»

E, pronto, adiantando que não julgo que Pacheco Pereira quisesse esconder alguma coisa, acho entretanto que a história fica assim mais completa e mais bem contextualizada.

 [*] Recordo que os chamados incidentes na Ponte 25 de Abril tiveram uma primeira fase em Junho de 1994 e outra, não menos importante e expressiva em Setembro desse ano.

4 comentários:

  1. Muito bem observado: "(...) É assim Pacheco Pereira: sempre trabalhando sabiamente para a construção do seu próprio mito". Ou seja, o Pacheco Pereira sempre e cada vez mais igual a si próprio. Quem não o conhecer……

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  2. Quem ouviu algumas personalidades antes e nos anos que se seguiram ao 25 de Abril, já se habituou a ouvir de tudo.
    Os governantes e os governos das últimas quase quatro décadas não nasceram por geração espontânea depois da revolução dos cravos.

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  3. Por um mero acaso eu estive envolvida nesse protesto relativo às portagens na Ponte 25 de ABRIL e bem senti a indignação de quem estava sinceramente revoltado. Ia a Sesimbra onde tive depois ocasião de verificar a adesão da população a essa ação.
    E as manifestações não resolvem tudo de imediato, mas são um forte contributo para a solução de muitos problemas. São parte integrante da luta.

    Um beijo.

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  4. Não foram esses protestos que foram organizados por uns camionistas que vieram mais tarde a ser reiteradamente condenados por tráfico de drogas? Isto com o apoio activo do Alberto Matos, que o JPP vem conhecia dos tempos comuns no PCP(m-l)...

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