02 abril 2013

Sobre uma frase de José Vítor Malheiros

Falar é bom e eu gosto mas...



Para que não haja confusões, lembro que já aqui expressei em diversas ocasiões a minha consideração e estima por José Vítor Malheiros e agora acrescento mesmo que ele, Manuel Loff e André Freire são praticamente as únicas vozes de esquerda nas colunas de opinião do Público, o que não é coisa despicienda. Entretanto, isso não me tem naturalmente impedido de formular reservas ao que por vezes escreve ou de lhe lançar desafios como aconteceu aqui (para ir aqui).

É o que hoje volto a fazer assinalando que, no seu texto no Público de hoje, a dado passo e como "alinea d)", integra na «comédia dos enganos da vida política nacional» o seguinte elemento de (sublinhados meus) «um PCP e um BE tão preocupados com a sua identidade que receiam transformar-se em estátuas de sal se fizerem uma frente comum contra o Governo e perderem a pilinha se falarem com o PS».

Ora, se eu ainda fosse dirigente do PCP e sobre isso obtivesse acordo dos meus camaradas, mandaria a seguinte carta a José Vítor Malheiros:

«Caro José Vítor Malheiros:

Tendo em conta uma passagem do seu artigo no Público de hoje, apresso-me a informá-lo de temos um diálogo muito frequente com dirigentes do PS, designadamente em sede de AR, e que ele abrange não apenas as matérias ou iniciativas ali em discussão (sendo públicas as diferenças de comportamento ou atitude dos dois partidos sobre elas) mas também as questões mais globais atinentes à perspectiva política.

E se não temos dado satisfação aos que mostram uma especial predilecção por encontros publicamente anunciados e objecto de cobertura pela comunicação social é precisamente porque, no estado actual das artes, isso seria trazer ainda mais fortemente para a opinião pública uma imagem de falta de entendimento e de graves divergências.

De qualquer forma, posso relatar-lhe que, usando por uma vez palavras de uma violência que não faz parte do nosso estilo e postura, a conclusão que temos tirado desses contactos é, para partir de um exemplo recente, que a ambiguidade deste papel de Sócrates, comentador-que-vai-ser-oposição-mas-sem-ser-oposição-, articula-se com a de Seguro, o-líder-da-oposição [?!!!]- que-não-se-opõe-a-nada, o opositor de triste figura, que se abstém violentamente, que só censura quando não tem saída, que repete banalidades com cara de menino mimado, que se queixa da austeridade mas promete vassalagem à troika, que quer unir a oposição mas tem medo do PCP e vergonha de falar com o BE, que diz que é de esquerda mas só namora a direita.

Certo de que compreenderá como, nestas circunstâncias, a «frente comum» está algo dificultada, receba as cordiais saudações do

Vítor Dias
»

E, pronto, agora só me falta acrescentar, sempre com simpatia e cordialidade, que toda a parte anteriormente sublinhada a castanho é da autoria de José Vítor Malheiros e consta do seu artigo de hoje no Público.

4 comentários:

  1. Quem ouve alguns comentários e tem fraca memória, até é capaz de acreditar que os eleitores nunca deram ao PCP e ao PS votos suficientes para que se formasse um governo de esquerda, com maioria parlamentar, e até é capaz de ignorar que a análise rigorosa da votação parecia indicar ser essa a vontade popular.
    O PS sem preferiu aliar-se à direita como se não tivesse alternativa, e o resultado está à vista de todos.
    O preconceito cobre de nuvens o raciocínio.

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  2. Até se dizia que havia uma maioria de esquerda na AR. Mas não me esqueço de uma pergunta que nessa altura me foi feita."Onde está essa maioria de esquerda com o PS que temos?" Isto já aconteceu há muito tempo e a pessoa em questão nem sequer era comunista ou algo que se pareça. Mas sabia ver as coisas!!!!!

    Um beijo.

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  3. José Luís Moreira dos Santos3 de abril de 2013 às 11:21


    Num dado momento da minha vida, conheci um padre, já falecido - que enquanto eu for vivo fará parte da infindável lista dos meus amigos -, que era diretor de um colégio e homem de grande cultura, saber e abertura de espírito. De vez em quando, e por ser do gosto de ambos, visitava-o para falarmos um pouco, sobretudo do que cada um de nós entendia sobre o papel da escolástica na história das ideias. Discutimos de forma intensa cada um dos mestres - são assim para mim – que quiseram encontrar pontes entre a Fé e a Razão. Eu, ateu convicto, racionalista e tudo, ele, homem de fé. Por isso, uma amizade construída na diferença, não causava para mim nenhuma estranheza que, na hora da despedida, pois às vezes um novo encontro demorava meses, ele me dizer: sabe, José Luís, o que nos separa é a minha fé e o seu ateísmo; ao que eu lhe respondia: não, amigo padre Pombo, era o seu nome, nada nos separa, uma vez que o Sr. sabe o quer fazer com a sua fé e eu o que pretendo fazer com o meu ateísmo. Só se nos deixássemos levar pelo horrendo preconceito estaríamos separados! Um abraço, e lá seguíamos às nossas vidas.
    Este introito, para dizer o seguinte: Se o que separa o P.S. do P.C.P. for o fato de um, o P.S., ter por caminho certo o capitalismo, e o P.C.P. o socialismo, só fica uma pequena nesga aberta para qualquer tipo de unidade na ação. Mas se para além desta enormíssima diferença, houver ainda um enraizado preconceito, a coisa parece tornar-se impossível. Porquê? Oh, meu Deus! Para lembrar o meu amigo padre pombo. E, custa-me dize-lo, há ainda o fato de o P.S. ter uma “ala liberal” cujos elementos têm, em relação ao P.C.P., que também pode não estar isento de erros na sua relação política com o P.S., muito mais que nesgas ou preconceitos, pois fundadas razões para boicotarem qualquer aproximação, mesmo que ocasional. Não será preciso que aqui especifique as razões, pois não?
    José Luís Moreira dos Santos
    Estarreja


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  4. Tem o senhor Malheiros o sentido da decência?
    Para quem, de formação académica praticamente autodidacta, que teve os livros como seus verdadeiros mestres, por preconceito ou preguiça foi resistindo às novas tecnologias e só agora já a raiar os setenta anos, se apercebe do manancial de informação que as mesmas propiciam. Não pode por isso deixar de se fascinar pela INTERNETE, qual enciclopédia universal, quando a mesma lhe permite num ápice ficar a saber algo sobre alguma coisa ou alguém. No caso o alguém é Vitor Malheiros, cujo nome associava ao MRPP dos tempos idos de setenta, pelo que me apercebia dos textos que esporadicamente lia no PÚBLICO. Esta impressão foi hoje exacerbada quando li no referido jornal um panflecto - que nada deixa a dever aos tempos do PREC - intitulado "Um governo de traição Nacional".
    A curiosidade levou-me, entre outros, a este blogue e a saber um pouco mais deste plumitivo - a quem se não nega o domínio da língua e uma certa erudição, desgraçadamente canalizados para o insulto a membros de um governo, por quem não morro de amores, mas que reconheço ainda assim seja o menos mau dentro das hipóteses de governança no quadro do actual regime de partidos políticos – este sim, de traição nacional, a avaliar pelo balanço histórico das últimas décadas – como se os anteriores governos, em especial, os de Sócrates, com o MF capitaneado por Teixeira dos Santos e Costa Pina e o BdP por Vitor Constâncio, não se tivessem comportado como uma associação criminosa relativamente a alguns actos de governação, como por exemplo no caso BPP, onde objectivamente houve favorecimento de credores e desinformação da opinião pública, com a conivência de algum jornalismo, dito de esquerda.
    Com este proselitismo – insuportável na arrogância da esquerda, parafraseando M. Fátima Bonifácio, no excelente, e não menos contundente artigo de hoje no Público, a propósito da morte de António Borges – os pobres deste país (de pão e de cultura), por quem são vertidas lágrimas (de crocodilo?!) estão mesmo condenados à extinção.

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