Uns dão o litro,
outros falam ex cathedra
Há dois dias, a propósito de uma crónica de Rui Tavares, publiquei um post que arrancava assim:«Os tempos que vivemos de justa indignação, raiva e revolta também vão bons para todos os quiserem cavalgar a aspiração de mudança agitando meia dúzia de ideias simples, em rigor simplistas, com a vantagem de indirectamente apresentar como empecilhos ou sectários todos os que não estiverem dispostos a sacrificar a verdade, o rigor e a seriedade políticos.»
Isto que então escrevi também se aplica inteiramente ao texto, que considero lamentável, que Daniel Oliveira publicou no Expresso online e no «arrastão» sob o título «Anatomia de um assalto (IV): as responsabilidades da oposição» (a escolha deste singular «oposição» já tem que se lhe diga, induz em juízos erróneos e revela logo uma suspeita recusa da identificação de uma patente diferenciação entre partidos de oposição).
Como muitos leitores certamente compreenderão, não se responde a um texto com 6111 caracteres com outro texto com apenas a mesma dimensão porque quem responde precisa de argumentar mais, além de que, ao contrário do que muitos fazem, tenciono proceder a generosas citações do próprio Daniel Oliveira.
Assim, lá vai, mesmo que canse a maioria dos leitores:
Daniel Oliveira arranca desde logo afirmando que «Não basta os partidos da oposição concordarem com este diagnóstico. Têm de ser consequentes. Não é apenas ao governo que se têm de exigir responsabilidades. É a todos. Quem contesta este caminho tem de apresentar alternativas (...) É apenas isto que falta para correr com esta gente: uma alternativa credível. Olha-se para os partidos da oposição e fica-se com a sensação de que, no meio da tragédia, continuam a sua vida como antes.»
Ora, ao escrever assim, o que Daniel Oliveira está a fazer é exactamente o mesmo que fazia o governo Sócrates e faz o governo Passos Coelho ao proclamarem a toda a hora que os que se lhe opunham ou opõem não apresentam alternativas. o PCP e o BE responderam a isto legitimamente e com fundamentos sólidos que têm apresentados alternativas, designadamente alternativas de política já que, na situação actual, concretas ou minuciosas alternativas de governo já é mais complicado por causa das orientações do PS. Mas se Daniel Oliveira tiver no bolso uma, eu não me importo e até agradeço. O problema está em que, tal como outros no passado, Daniel Oliveira também apõe ao substantivo «alternativa» o envenenadíssimo adjectivo «credível». E eu volto a perguntar : «credível» como e para quem ? É que não tenho a menor dúvida de que, para muitos, só será «credível» o que se aproximar dos ou continuar os eixos centrais das políticas que temos sofrido e nunca será credível o que tiver propósitos de verdadeira mudança e ruptura.
De seguida, era fatal como o destino, Daniel Oliveira passa à distribuição de críticas ao PS, ao BE e ao PCP. Sobre o BE escreve que «faz experiências, divide o seu pequeno poder por pequenos poderes internos, desbarata a sua credibilidade, que já foi tão abalada nos dois últimos anos, e sonha com transposições automáticas de uma realidade (a grega) que tão pouco tem a ver, na sua história e cultura política, com a nossa.» E sobre o PS, em ponto que considero uma espécie de papel de tournesol sobre as verdadeiras concepções de fundo de Daniel Oliveira, o mais que consegue escrever é que «A direção do PS parece estar convencida que pode, como de costume, ficar, com um ar muito responsável, à espera que o poder lhe caia nas mãos de podre. Perante a selvajaria apresentada no último fim-de-semana, Seguro exalta-se e... pede uma audiência com o Presidente da República. Nem é capaz de dizer o óbvio: que este orçamento terá de contar com o seu voto negativo.»
Deste modo, Daniel Oliveira consegue passar ao lado da menção, que seria obrigatória, a que o PS está condicionado pelo seu papel no parto do memorando com a troika, a que aprovou ou se absteve «violentamente» em matérias tão estruturais e decisivas como o último Orçamento de Estado, o novo tratado orçamental ou as selváticas alterações à legislação de trabalho, a que se opõe à renegociação da dívida, tudo matérias que , coisa que D.O. convenientemente omite, suscitaram o veemente voto contra do PCP e do BE. E, neste quadro, está-se mesmo a ver que Daniel Oliveira não está nada disponível para secundar uma ideia explicita ou implicitamente presente nas análises do PCP e que João Semedo, do BE, em recente entrevista ao Público, veio sintetizar na justa fórmula de que «o problema maior da esquerda são as posições do PS».
Por fim, compreender-se-á que me demore mais no que Daniel Oliveira escreve sobre o PCP, ou seja que «O PCP mantém-se na sua fortaleza, seguro da sua razão e sem contactos que o possam contaminar com a impureza alheia».
Desde logo, começando por dizer que se a referência à contaminação com a impureza alheia tem que ver com a atitude do PCP sobre uma próxima iniciativa de que Daniel Oliveira é promotor, então Daniel Oliveira tem de aguentar duas estocadas: a primeira é que não abriu o bico quando, para as já remotas iniciativas da Aula Magna e do Trindade,nem o Bloco nem os alegristas sequer sondaram o PCP; a segunda é que Daniel Oliveira teve muito mais tempo e oportunidade para contribuir para a formatação e objectivos dessa iniciativa do que aquele que foi dado ao PCP ou a qualquer comunista representativo da orientação do PCP.
Anotando que eu preferia mil vezes que Daniel Oliveira exprimisse as suas divergências sobre as propostas e acções do PCP do que cair na falsificação da «fortaleza» e do seu alegado medo da «impureza», considero penoso ter de explicar a D.O. não só que o diálogo entre forças políticas também se faz pela apresentação e eventual comparação entre as suas propostas e discurso públicos mas também que, com realce para o plano parlamentar, tem havido uma significativa convergência de posições e de votos entre o PCP e o BE.
E, por fim, é por demais revelador que, ao falar sobre o PCP apenas em termos de «fortaleza» e de medo de contaminação com as «impurezas», Daniel Oliveira não seja capaz de explicitar em letra escrita aquilo que ele muito sabe: ou seja, que constitui um autêntico segredo de Polichinelo a evidência de que, sem retirar méritos e importância a outras largas contribuições, é a corrente comunista que dá a mais forte, mais intensa, mais generosa e sacrificada contribuição para o combate à politica deste governo e sobretudo para a animação de movimentos de protesto, de resistência e de luta abrangendo uma grande diversidade de áreas da vida nacional e de sectores sociais.
(peço desculpa aos leitores pelas diferenças no tamanho das letras e pelos fundos brancos, tudo azelhices técnicas minhas)
Bem respondido!
ResponderEliminarAo ler este post, não me perguntem quem tem razão.
ResponderEliminarSó sei que foi por isto que chegámos à situação actual!
O PS é só fumaça!
ResponderEliminar"Nós não desejamos, nem queremos nenhuma crise política em Portugal" (António José Seguro em Faro)
ao meu homónimo das 20:13, eu julgava que tínhamos chegado à situação actual por muitos e muitos e muitos motivos que não o debate político dentro das esquerdas, mas enfim.
ResponderEliminarneste processo todo, só há uma conclusão válida. Apenas o PS escapa ao sectarismo e à fortaleza, como bem provou Vieira da Silva ao aprofundar o código Bagão, ou o PS, recentemente, ao abster-se no aprofundamento do código Vieira da Silva.
O D.O. vai acabar por substituír o M. Alegre como estucador residente da fachada socialista do P.S.. entretanto vai criando divergências prescindindo em argumentação na proporção necessária à subtil pessoalização de fundo.
ResponderEliminaro esquerdismo não têm divergências têm é medo e ambições pessoais.
Caro amigo e camarada
ResponderEliminarQuanto admiro este teu poder de mostrar ,em poucas mas lúcidas palavras, o que anda por trás de outras palavras que gozam de ampla aceitação mas que tu tão bem dscontóis!
Um grande abraço.