Prosseguindo a sua infatigável catequese neoliberal, José Manuel Fernandes perpetra em artigo no Público de hoje um truque argumentativo que constitui um inolvidável ex-libris de falta de seriedade política. Com efeito, escreve ele que (sublinhados meus) «há dois anos, ninguém, repito: ninguém [???] - previa os níveis de desemprego que Portugal hoje conhece. Mais: ninguém pensaria possível que os nívceis de desemprego chegassem aos níveis a que chegaram, perto dos 18%, e as ruas não estivessem a arder. Pelo contrário, folheando os jornais de 2009, 2010, 2011, não é díficil encontrar prognósticos sombrios sobre os tumultos que aí viriam se a taxa de desemprego chegasse aos 10, aos 12 ou aos 15%. Chegou, ultrapassou, e não se concretizaram esses vaticínios».
Acontece que eu não duvido de que na imprensa se encontrem esparsamente os tais prognósticos sobre os tumultos mas, ao mesmo tempo, não conheço ninguém com dois dedos de consolidada experiência política, um módico de maturidade na análise da complexidade dos fenómenos sociais e sobretudo uma razoável consciência do que o desemprego representa para aas capacidades de acção colectiva que tenha jurado pela inevitabilidade dos chamados «tumultos» (quem sabe se esta afeição de JMF pelos «tumultos» não será uma herança dos seus distantes tempos de esquerdista).
Neste sentido, seria bem mais honesto José Manuel Fernandes , em vez de invocar a ausência dos famosos «tumultos», assoar-se ao enorme guardanapo de duas duas greves gerais, de dezenas de manifestações e concentrações de protesto, de centenas de greves em empresas e de centenas e centenas de outras expressões de descontentamento protesto abrangendo um largo espectro de classes e camadas sociais.
Porque, como faz - ou seja dar corda a uma improvável fasquia para depois celebrar que não foi atingida - é muito fácil e rendoso.
É como se alguém, num momento de precipitação e ligeireza, tivesse proclamado que, com a continuação da política deste governo, um meteorito cairia sobre Portugal e depois José Manuel Fernandes viesse constatar, feliz e contente, que não viu nenhum meteorito a cair sobre esta lusitana praia e que, portanto, as coisas não vão tão mal assim.
O maior cego é aquele que não quer ver. E esses são arrogantes.
ResponderEliminarUm beijo.