estranho mas feliz pressentimento
Na tarde de 6 de Abril de 1974, cerca de 40 activistas da CDE de Lisboa eram presos pela PSP numa cave em Benfica onde realizavam uma reunião para preparar uma campanha contra o custo de vida a desenvolver em direcção ao 1º de Maio, transportados em carrinhas nivea para o pátio do Governo Civil de Lisboa e depois remetidos para as mãos da PIDE em Caxias. a maioria dos quais só vindo a ser libertada à primeira hora do dia 27 de Abril.
Já contei esta história na perdida 1ª série deste blogue mas volto a ela só por causa de um daqueles elementos acessórios mas que ficam para semprena memória. Na verdade, desloquei-me para o largo onde ia decorrer a reunião com o Ruben de Carvalho no seu carocha amarelo e eu levava comigo uma pasta de cabedal contendo duas resmas de papel de duplicador e dois ou três stencils electrónicos já impressionados com um comunicado da CDE para entrega a alguém de outro concelho. A verdade é que quando saimos do carocha, eu e o Ruben desabáfamos quase em simultâneo que ali alguma coisa «não cheirava bem». E, em boa hora, logo decidimos não levar a pasta para a reunião e por isso ela lá ficou no porta-bagabens.. Repito, em boa hora, porque como se compreenderá, aquele material era altamente comprometedor e levaria rapidamente a PIDE a perceber que quem o tinha estava ligado ao aparelho técnico de impressão e distribuição de documentos da CDE de Lisboa. E as coisas ainda ficaram melhores quando o Ruben resolveu aproveitar a passagem pelo pátio do Governo Civil para entrerrar num caixote do lixo um seu enorme molho de chaves (em que se incluiam as do carro), assim se livrando demuitas incómodas perguntas.
Enquanto estive preso uma das coisas em que mais pensava era que os companheiros da CDE de Lisboa iriam certamente ter de fazer um papel a denunciar as prisões e que estavam mesmo impossibilitados de o fazer com a qualidade gráfica que era regra (dactilografia em máquina eléctrica, se necessário com asua redução fotográfica, títulos a letraset) e a PIDE por essa via suspeitasse que essa alteração significasse que estavam presos os que antes garantiam a produção de documentos da CDE de Lisboa.
E, de facto, uns dias antes do 25 de Abril, fui chamado a um segundo interrogatório, mas tal como o primeiro relativamente breve e pacífico, que apenas serviu para o inspector Mortágua agitar diante da minha cara uma tarjeta da CDE de Lisboa a denunciar as prisões enquanto exclamava para mim: «com que então estavam a formar uma cooperativa de consumo !». (que era a justificação que tinha sido previamente combinada para a reunião e, tanto quanto sei, toda a gente manteve).
Não lhe liguei nenhuma porque estava era ocupado a reparar que, de facto, a tarjeta não tinha nada que ver com as que eu e o Ruben editávamos pois era feita em stencil tradicional, máquina de escrever normal e título feito salvo erro com estilete. Masou a PIDE não deu por nada ou achou que estava demasiada gente presa para conseguir apurar quem é que, em concreto, passava noites à volta de duplicadores.
Notícia censurada no
Notícias da Amadora
Notícias da Amadora
(graças a Marie Nóbrega no Facebook)
Um testemunho na 1.ª pessoa!
ResponderEliminarVou tentar continuar com estórias dos dias de prisão até ao 24 de Abril, no fb da Marie (porque não tenho fb).
ResponderEliminarLembro-me bem destas reuniões (que creio terem começado com a campanha eleitoral desenvolvida pela CDE em 1973) e particularmente das prisões de 6 de Abril. Por pouco não apanhavam mais algumas pessoas que entretanto tinham saído. Mas foi em 1974 e não em 1973, caro camarada...
ResponderEliminarCara Margarida Alves: se mais não houvesse, como eu nºão poder esquecer que fui preso a 6 de Abril de 1974 e libertado a 27 de Abril pelos militares, bastaria o facto de o teu nome constar da lista de presos constante da notícia censurada (em 9 de Abril de 1974) do Notícias da Amadora para não haver dúvidas de que não foi em 73 mas em 1974.
ResponderEliminarCaro camarada, não sou nenhuma das Margaridas que constam dessa lista. E quase poderia ter sido, não fossem os deveres familiares a tolherem-me os movimentos que excedessem casa-trabalho-casa... Mas sou amiga, ainda de antes desa data, da Margarida Leal. Ela não "bloga" nem tão pouco "computa", mas ontem mesmo falámos deste facto, desconhecendo ambas a oportunidade desta postagem.
ResponderEliminarEu apenas quis alertar para o ano mencionado, certamente por lapso, logo na 1ª linha: 1973.
Abraço.
Margarida, desculpa a confusão de nomes e aqui venho dizer que tens toda a razão, tresli o teu comentário, já fiz a rectificação, obrigado pela chamada de atenção.
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