23 setembro 2013

Um grande poeta que parte

António Ramos Rosa
(1924-2013)


A Partir da Ausência
 

Imaginar a forma
doutro ser Na língua,
proferir o seu desejo
O toque inteiro

Não existir

Se o digo acendo os filamentos
desta nocturna lâmpada
A pedra toco do silêncio densa
Os veios de um sangue escuro

Um muro vivo preso a mil raízes

Mas não o vinho límpido
de um corpo
A lucidez da terra
E se respiro a boca não atinge
a nudez una
onde começo

Era com o sol E era
um corpo

Onde agora a mão se perde
E era o espaço

Onde não é

O que resta do corpo?
Uma matéria negra e fria?
Um hausto de desejo
retém ainda o calor de uma sílaba?

As palavras soçobram rente ao muro
A terra sopra outros vocábulos nus
Entre os ossos e as ervas,
uma outra mão ténue
refaz o rosto escuro
doutro poema

 in "A Nuvem Sobre a Página"

1 comentário:

  1. Como comentário um excerto de um poema do livro Poemas da Resistência

    "Que tenho eu a dizer
    neste país
    se um homem levanta os braços
    e grita com os braços
    o que mais oculto havia
    na secreta ternura de uma boca
    que era a única boca do seu povo"

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