Porque urge rever
o Código de Trabalho
do governo Passos-Portas
o Código de Trabalho
do governo Passos-Portas
Esta imagem reproduz o que aqui foi publicado em Outubro de 2012 e, como se percebe, traduz a convergência entre mim e Pacheco Pereira sobre qual era o fulcro ou o ponto nodal da chamada política de austeridade em fase de execução pelas mãos do PSD e CDS: nem mais nem menos do que desequilibrar ainda mais, a favor do capital, a correlação de forças entre este e os trabalhadores.
Chamo isto à colação porque tenho a impressão de que, quando designadamente o PCP levanta a bandeira da rectificação da legislação laboral aproada em 2012, parece predominar ou uma certa indiferença ou um certo conformismo acrítico perante as reservas ou objecções do governo PS a um tal propósito de reversão .
Por isso, apesar da sua natural extensão, talvez seja de promover a divulgação do aprofundado ensaio crítico que o Prof. Jorge Leite publicou em 2013 sobre a Lei 23/2012 numa prestigiada revista espanhola (e também numa revista da Universidade Lusófona do Porto) e que agora, com permissão do autor) pode ser lido aqui com notória utilidade e vantagem.
Ficando já aqui a sua epígrafe e o seu capítulo final :
A primeira
cousa que me desedifica,peixes, de vós,
é que vos
comeis uns aos outros.
Grande
escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior.
Não só vos
comeis uns aos outros,
senão que os
grandes comem os pequenos.
Se fora pelo
contrário, era menos mal.
Se os
pequenos comeram os grandes,
Bastara um
grande para muitos pequenos;
mas como os
grandes comem os pequenos,
não bastam
cem pequenos, nem mil, para um só grande
Padre
António Vieira, Sermão de S. António aos peixes,
S. Luis do
Maranhão, Brasil, Junho de 1654
(...)
VI. ATRIDAS
OU SÍSIFO?
Há várias razões que me levariam a preferir a invocação
de Sísifo, essa outra lenda também muito lembrada pelos juristas do trabalho, à
de Atreu, ou dos seus ascendentes Tântalo ou Pélopes, todos, afinal,
descendentes de Zeus e todos eles elos de uma cadeia de sucessivas vinganças
familiares.
Por um lado, porque é menos sangrenta, menos bárbara…
Embora também cruel, a condenação de Sísifo não tem o odor do sangue que tão
compulsiva e fatalmente perseguia os Atridas[51].
Depois porque Sísifo, ao contrário de Tântalo ou de Atreu
ou de outros que lhes sucederam nesta cadeia de trágicas vinganças familiares,
não teve a arrogância de desafiar a omnisciência dos deuses.
Ainda e, talvez, sobretudo porque as razões da sua
condenação tornam o seu carrasco merecedor do castigo a que Sísifo deveria ter
sido poupado: afinal, Sísifo foi apenas leal e solidário com um amigo,
desafiando, é certo, a ira de Zeus quando contou a Asopo que a sua bela filha
Egina havia sido raptada por
Zeus disfarçado de uma poderosa
águia que ele mesmo vira a sobrevoar a cidade.
Além disso, porque a recompensa que Sísifo reclamou nem
sequer respeitava a um bem pessoal, mas a um bem da comunidade: ele só
solicitou uma fonte de água para a sua cidade, que viria a receber com o nome
de Pirene.
Finalmente porque Sísifo e, como sugere U.
Romagnoli, ou não, sempre deixa a esperança de um dia ser capaz de cortar as
amarras que o acorrentam à rocha.
Foi, porém, a condenação, e não propriamente os seus
fundamentos ou a sua história, que tornou conhecida a lenda de Sísifo: a da
subida de uma montanha, acorrentado a uma grande rocha, que, chegado ao cume, o
faria rolar, inelutavelmente, pela encosta abaixo, repetindo Sísifo esta
ingrata tarefa por toda a eternidade. Ingrata até porque inútil…
Ajudemos então Sísifo a cortar as correntes e a
libertar-se de uma condenação tão ingrata quanto inútil.
Da reforma do RDL. 3/2012, de 10 de febrero, escreveu
Palomeque-Lopez, que «se inscribe
decididamente dentro de la serie de políticas laborales de “flexibilización” o
“adaptación” del ordenamiento jurídico de las relaciones de trabajo a la
situación general de la economía que han acaparado de modo intermitente las
tres décadas de nuestro desarrollo constitucional. Buen escaparate ofrecen, sin
duda, la economía y sus crisis cíclicas, con ser la que ahora padecemos de una
gravedad inusitada, para la observación del modo como el Derecho del trabajo
cumple su función fisiológica de facilitación de las relaciones de producción,
al propio tiempo que, de modo inescindible y mediante el equilibrio buscado del
conjunto, de legitimación política y social del sistema económico de
referencia, a través de un ordenamiento de compensación parcial de las
desigualdades instaladas en las relaciones económicas. Es el caso, así pues, de
las transformaciones normativas experimentadas por nuestro ordenamiento laboral
de la mano de lo que he venido llamando desde hace tiempo la “reforma laboral
permanente”[52][53].
O mesmo se poderá dizer da Lei
23/2012, inequivocamente inscrita num itinerário de idêntico sentido, o que,
pensa-se, explica, ou até justifica, as reservas e oposições que suscita,
sobretudo se não esquecermos, como salienta De La Villa, que «o núcleo verdadeiro
do Direito do trabalho, o centro de imputação da totalidade dos seus conceitos,
instituições e normas, se encontra na figura do trabalhador, essa pessoa física
que trabalha para um empregador voluntária e retribuidamente em condições de
alienidade e dependência …»[54].
É a consideração devida a essa
figura que, acrescente-se, vive do rendimento da «única propriedade de que é
titular», a «esse ser peregrino» em permanente procura da felicidade, que ajudará,
espera-se, a melhor compreender o desacordo com o itinerário que tem vindo a
ser percorrido com esse conjunto de medidas que não só o empobrecem
materialmente como o desqualificam social e humanamente. E, contudo, na pessoa
que ele é reside a dignidade a dignidade que todos gostam de invocar.
Ajudemos então Sísifo a libertar-se das grilhetas dessa
função –a que ultimamente foi injustamente condenado e que vem executando– de frio instrumento de
gestão empresarial.
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