06 setembro 2017

Um ponto fulcral de reversão

Porque urge rever
o Código de Trabalho
do go
verno Passos-Portas



Esta imagem reproduz o que aqui foi publicado em Outubro de 2012 e, como se percebe, traduz a convergência entre mim e Pacheco Pereira sobre qual era o fulcro ou o ponto nodal da chamada política de austeridade em fase de execução pelas mãos do PSD e CDS: nem mais nem menos do que desequilibrar ainda mais, a favor do capital, a correlação de forças entre este e os trabalhadores.

Chamo isto à colação porque tenho a impressão de que, quando designadamente o PCP levanta a bandeira da rectificação da legislação laboral aproada em 2012, parece predominar ou uma certa indiferença ou um certo conformismo acrítico perante as reservas ou objecções do governo PS a um tal propósito de reversão .

Por isso, apesar da sua natural extensão, talvez seja de promover a divulgação do aprofundado ensaio crítico que o Prof. Jorge Leite publicou em 2013 sobre a Lei 23/2012 numa prestigiada revista espanhola (e também numa revista da Universidade Lusófona do Porto) e  que agora, com permissão do autor) pode ser lido aqui com notória utilidade e vantagem.

Ficando já aqui a sua epígrafe e o seu capítulo final :



A primeira cousa que me desedifica,peixes, de vós,

é que vos comeis uns aos outros.

Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior.

Não só vos comeis uns aos outros,

senão que os grandes comem os pequenos.

Se fora pelo contrário, era menos mal.

Se os pequenos comeram os grandes,

Bastara um grande para muitos pequenos;

mas como os grandes comem os pequenos,

não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande
Padre António Vieira, Sermão de S. António aos peixes,

S. Luis do Maranhão, Brasil, Junho de 1654

(...)

VI. ATRIDAS OU SÍSIFO?

Há várias razões que me levariam a preferir a invocação de Sísifo, essa outra lenda também muito lembrada pelos juristas do trabalho, à de Atreu, ou dos seus ascendentes Tântalo ou Pélopes, todos, afinal, descendentes de Zeus e todos eles elos de uma cadeia de sucessivas vinganças familiares.

Por um lado, porque é menos sangrenta, menos bárbara… Embora também cruel, a condenação de Sísifo não tem o odor do sangue que tão compulsiva e fatalmente perseguia os Atridas[51].

Depois porque Sísifo, ao contrário de Tântalo ou de Atreu ou de outros que lhes sucederam nesta cadeia de trágicas vinganças familiares, não teve a arrogância de desafiar a omnisciência dos deuses.

Ainda e, talvez, sobretudo porque as razões da sua condenação tornam o seu carrasco merecedor do castigo a que Sísifo deveria ter sido poupado: afinal, Sísifo foi apenas leal e solidário com um amigo, desafiando, é certo, a ira de Zeus quando contou a Asopo que a sua bela filha Egina havia sido raptada por Zeus disfarçado de uma poderosa águia que ele mesmo vira a sobrevoar a cidade.

Além disso, porque a recompensa que Sísifo reclamou nem sequer respeitava a um bem pessoal, mas a um bem da comunidade: ele só solicitou uma fonte de água para a sua cidade, que viria a receber com o nome de Pirene.

Finalmente porque Sísifo e, como sugere U. Romagnoli, ou não, sempre deixa a esperança de um dia ser capaz de cortar as amarras que o acorrentam à rocha.

Foi, porém, a condenação, e não propriamente os seus fundamentos ou a sua história, que tornou conhecida a lenda de Sísifo: a da subida de uma montanha, acorrentado a uma grande rocha, que, chegado ao cume, o faria rolar, inelutavelmente, pela encosta abaixo, repetindo Sísifo esta ingrata tarefa por toda a eternidade. Ingrata até porque inútil…

Ajudemos então Sísifo a cortar as correntes e a libertar-se de uma condenação tão ingrata quanto inútil.

Da reforma do RDL. 3/2012, de 10 de febrero, escreveu Palomeque-Lopez, que «se inscribe decididamente dentro de la serie de políticas laborales de “flexibilización” o “adaptación” del ordenamiento jurídico de las relaciones de trabajo a la situación general de la economía que han acaparado de modo intermitente las tres décadas de nuestro desarrollo constitucional. Buen escaparate ofrecen, sin duda, la economía y sus crisis cíclicas, con ser la que ahora padecemos de una gravedad inusitada, para la observación del modo como el Derecho del trabajo cumple su función fisiológica de facilitación de las relaciones de producción, al propio tiempo que, de modo inescindible y mediante el equilibrio buscado del conjunto, de legitimación política y social del sistema económico de referencia, a través de un ordenamiento de compensación parcial de las desigualdades instaladas en las relaciones económicas. Es el caso, así pues, de las transformaciones normativas experimentadas por nuestro ordenamiento laboral de la mano de lo que he venido llamando desde hace tiempo la “reforma laboral permanente”[52][53].

O mesmo se poderá dizer da Lei 23/2012, inequivocamente inscrita num itinerário de idêntico sentido, o que, pensa-se, explica, ou até justifica, as reservas e oposições que suscita, sobretudo se não esquecermos, como salienta De La Villa, que «o núcleo verdadeiro do Direito do trabalho, o centro de imputação da totalidade dos seus conceitos, instituições e normas, se encontra na figura do trabalhador, essa pessoa física que trabalha para um empregador voluntária e retribuidamente em condições de alienidade e dependência …»[54].

É a consideração devida a essa figura que, acrescente-se, vive do rendimento da «única propriedade de que é titular», a «esse ser peregrino» em permanente procura da felicidade, que ajudará, espera-se, a melhor compreender o desacordo com o itinerário que tem vindo a ser percorrido com esse conjunto de medidas que não só o empobrecem materialmente como o desqualificam social e humanamente. E, contudo, na pessoa que ele é reside a dignidade a dignidade que todos gostam de invocar.



Ajudemos então Sísifo a libertar-se das grilhetas dessa função –a que ultimamente foi injustamente condenado e que vem executando– de frio instrumento de gestão empresarial.

Sem comentários:

Enviar um comentário