A montanha pariu um gato mal cheiroso
Estava-se mesmo a ver: uma comissão nomeada pelo governo para elaborar um relatório sobre o serviço público de informação, com a composição que lhe foi definida e presidida por um economista - João Duque - que deve perceber tanto de comunicação social como eu percebo de física quântica, descontado o paleio intercalar dfa ordem só podia chegar onde chegou: uma visão absolutamente neoliberal das questões da comunicaçao social, um mal disfarçada hostilidade a respondabilidades nesse domínio, a retirada de publicidade à RTP (mas, ó senhores tão defensores do «mercado», se «os mercados» lá querem anunciar porquê impedi-los disso ?), a entrega da RTP-Açores e RTP-Madeira aos respectivos governos regionais, a transformação da RTP/África e da RTP/Internacional num braço informativo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, a redução drástica da componente de informação da RTP, a defesa da extinção da Entidade Reguladora da Comunicação Social (mas quem lhes encomendou o sermão ?). Dito isto, honra para Felisbela Lopes, Saarsfield Cabral e João Amaral que se demitiram deste grupo de trabalho e shame para os que ficaram (entre os quais, com pena o digo, Manuel Villaverde Cabral).
P.S.: E, por fim, apenas a pensar nos cidadãos que possam porventura pensar que esta história começou há pouco tempo uma crónica minha de 23.5.2002 que, por sua vez, remetia para palavras ditas 3.1.1991.
Alguém, há onze anos
No panorama das muitas abordagens e tomadas de posição que têm sido expressas em defesa do serviço público de televisão, muitos cidadãos terão encontrado, talvez pela primeira vez na vida, alusões à retirada à RTP, decidida por um governo do PSD em 1990, da propriedade e gestão da infra-estrutura técnica de transporte e difusão de sinal televisivo bem como às consequências financeiras dessa decisão.
Dado que alguns exaltados apoiantes da dementada política governamental que está em marcha, como é caso do director do «Público», até fazem gala de demonstrar a sua coerência exibindo citações do que escreveram ao longo de anos, também nós queremos lembrar um outro tipo de coerência e a pertinência de avisos oportunamente feitos.
De facto, no dia 3 de Janeiro de 1991, houve em Portugal alguém que disse, em conferência de imprensa, que aquela decisão «vem afinal viabilizar a existência de televisões à custa de vultuosos investimentos públicos e da alienação sem contrapartidas conhecidas de bens e recursos próprios da RTP» com «o risco (conhecida a prática do Governo do PSD nestas matérias) de evolução para o controlo privado de um bem de importância estratégica e que pertence inequivocamente ao domínio público do Estado».
Nesse dia, alguém disse que tal decisão «implica forçosamente a transferência por parte da RTP a favor da sociedade a criar de um vasto património constituído pela sua actual rede, em vias de alargamento e expansão à expensas da própria empresa» e advertiu que «não está salvaguardado» o «caracter efectivamente público» dessa nova sociedade.
Nesse dia, alguém disse que a RTP «vai ser forçada a enfrentar uma situação de concorrência em condições de grande fragilidade: não foram asseguradas contrapartidas face ao natural desaparecimento das receitas provenientes das taxas; não estão a ser pagas as indemnizações compensatórias devidas pela transmissão para as Regiões Autónomas; não está a ser feita a justa avaliação da parte do seu património em risco de ser transferido para outras entidades (...) a apresenta-se como inevitável uma sensível redução das receitas de publicidade. Tudo isto sem que da parte do Governo haja o compromisso solene de que o serviço público de televisão possa enfrentar em condições de igualdade a concorrência das televisões privadas».
Nesse dia, alguém disse premonitoriamente que «uma política que sacrifique o serviço público de televisão em nome da viabilização de quaisquer canais privados é condenável e é contrária aos interesses dos próprios telespectadores».
Esse alguém falava contra a política do PSD e dos Morais Sarmentos da época que então se davam pelo nome de Marques Mendes (sim, é o mesmo!). Esse alguém era o PCP.»
(in Avante!)