18 julho 2014

A. Cunhal e a coligação PS-PCP em Lisboa em 1989

Só para que fique escrito


Num trabalho de duas páginas publicado na edição impressa (e só parcialmente na edição online) do Público de domingo, intitulada «Os acordos estão em aberto no futuro  do PS», a jornalista São José Almeida escreve a propósito da coligação PS-PCP para a Câmara de Lisboa em 1989 (sublinhados meus):

«Supervisionadas por Lopes Cardoso, pelo PS, e por Domingos Abrantes, pelo PCP, as negociações foram protagonizadas pelo comunista Luís Sá e pelo socialista Eduardo Ferro Rodrigues. E é do domínio dos bastidores da política que Álvaro Cunhal - ausente na União Soviética para ser operado a um aneurisma - não gostou da ideia e responsabilizou a coligação pela erosão eleitoral que os comunistas viriam a sofrer».

Sobre isto, só quero que fique escrito o seguinte:

1. Álvaro Cunhal regressou da União Soviética em 16 de Março de 1989, ou seja vários meses antes de se ter iniciado o processo negocial que conduziria à concretização daquela coligação e, portanto, a todo o tempo de o acompanhar de perto. Aliás, a primeira proposta de coligação é apresentada pelo PCP ao PS verifica-se em Janeiro de 1989 mas obviamente decidida com Álvaro Cunhal ainda em Portugal. Tendo sido recusada pelo PS, o Comité Central do PCP declarou em 14 de Março de 1989 que «considera encerrada a apresentação de propostas ao PS para coligações nas autarquias em que a direita está em maioria (...).O PS assume uma grande responsabilidade por ter recusado criar as melhores condições para enfrentar e derrotar a direita.»(Avante, 16/3/1989). E, em 18 de Março de 1989, em comício no  Pavilhão dos Desportos, Álvaro Cunhal sublinharia que  «Creio que o nosso povo tem fortes razões para lamentar a resposta do PS às nossas propostas tendo como linha de força o acordo e a convergência e abertas a soluções muito diversas a ponderar e a acordar.» Recorde-se ainda que a decisão de Jorge Sampaio de se candidatar no contexto de uma coligação com o PCP só ocorreu  em 6 de Julho de 1989, abrindo-se então o processo negocial com reuniões entre delegações dos dois partidos.


2. Para não me basear apenas nas minhas memórias desse tempo e processo e das muitas conversas que sobre o assunto mantive com o Luís Sá, consultei camaradas membros dos organismos executivos do CC do PCP na época e, como resultado disso, aqui venho afirmar que não tem qualquer fundamento a invocada ideia de reservas, críticas  ou oposição de Álvaro Cunhal à concretização dessa coligação

3. Por fim, apenas dois extractos de posteriores  declarações públicas de Álvaro Cunhal:
- em conferência de Imprensa  para
apresentação das conclusões do C.C.:

«Esta aliança abriu possibilidades de um muito maior intercâmbio de opinião entre Partidos democráticos e alianças com Partidos que se situam numa área indecisa.»Considerado «de alto valor» a constituição da coligação «Por Lisboa», Álvaro Cunhal comentou «as recentes e inteiramente falsas afirmações do Primeiro-Ministro no comício de Faro do PSD.» (Avante, 3/8/1989) 


- no discurso  na Festa do Avante !

«Cabe aqui saudar, como grande acontecimento político da actualidade, a constituição da coligação «Por Lisboa», coligação do Partido Comunista Português, do Partido Socialista, do Partido Ecologista Os Verdes e do MDP/CDE. O objectivo é libertar o municío da capital da desastrosa e atribiliária gestão PSD/CDS personaliza em Abecassis.»

(Avante!, 14/9/1989)

17 julho 2014

Dois documentário


a ler aqui



documentário integral aqui

A memória e os arquivos são uma chatice !

[Ver Adenda ao post «Quem vê eleições não vê o depois»]

Há 18 anos (*), o que eu
ouvia era «lá estão eles
com a cassete»


Agora, por causa do que se sabe (e ainda não se sabe tudo), têm aparecido alguns artigos que, embora evitando em regra abranger as ligações deste grupo com o fascismo, recordam e recapitulam as suas profundas articulações e promiscuidades com sucessivos governos rosa ou laranja pós-25 de Abril. Mas andava tudo muito distraído quando, por mero exemplo, em 1996, o PCP escrevia na Resolução do seu XVI Congresso (*):

«No período que decorreu desde o XIV Congresso acentuou-se a política de direita, prosseguida primeiro pelo Governo do PSD e, mais recentemente, pelo actual Governo do PS, de reconstituição, restauração e institucionalização do capitalismo monopolista de Estado como sistema socioeconómico e sua associação ao capital estrangeiro.
Este processo, em desenvolvimento desde 1976, encontra-se em fase avançada, embora não concluído, e caminha a par de transformações profundas do regime político, do agravamento da exploração dos trabalhadores e de atentados contra os seus direitos e liberdades, de limitações da soberania e independência nacionais.
Apoiados e incentivados através da concessão de benesses e privilégios e de fraudulentos processos de privatização talhados à sua medida, formaram-se e consolidaram-se novos grupos económicos, ressurgiram velhos e poderosos grupos dos tempos do fascismo (Champalimaud, Mello, Espírito Santo, entre outros) que não só reforçaram o seu poder económico como recuperaram poder político, e reconstituiu-se a propriedade de extensão latifundiária no Sul do País com a destruição da Reforma Agrária.
A acentuação da política económica de centralização e concentração capitalista e do primado da esfera financeira esteve associada à ausência de uma estratégia de desenvolvimento económico e social adequada às realidades e necessidades da economia portuguesa.
O reforço do poder do grande capital sobre a economia portuguesa tem tido como principais instrumentos um poder político submetido aos seus interesses, o nefasto processo de privatizações, com o desmantelamento do sector público da economia e a entrega de sectores-chave ao grande capital (nacional e estrangeiro), a distribuição privilegiada dos fundos estruturais (comunitários e nacionais), uma política fiscal de benefício descarado das grandes empresas e das actividades financeiras e especulativas, a crescente desregulamentação da economia, o agravamento da exploração dos trabalhadores e a degradação dos seus direitos.
O primado da esfera financeira e a ausência de uma estratégia nacional de desenvolvimento tornaram-se um corolário lógico da completa submissão da política económica portuguesa ao objectivo da participação de Portugal na moeda única europeia em 1999.
Como consequência destas orientações básicas, persistiu o agravamento dos desequilíbrios estruturais da economia nacional, acelerou-se a desindustrialização e a desertificação agrícola do País, acentuaram-se as assimetrias regionais, a periferização, a dependência e as vulnerabilidades da economia portuguesa.
(...)
A subordinação do poder político ao poder económico do grande capital nacional e também, crescentemente, transnacional, constitui um dos traços mais negativos da evolução política nos últimos anos e que condiciona de forma mais significativa o funcionamento do Estado e do próprio regime democrático.»
aqui

(*) Escrevo «18 anos» e cito o Congresso do PCP em 1996 mas apenas não vou mais atrás porque os volumes dos anteriores Congressos do PCP não estão online e não são fáceis de encontrar agora aqui na desarrumação da minha biblioteca. 

16 julho 2014

Tempo de autocrítica

Afinal, Cavaco, tinhas razão
quando inventaste aquela do
Portugal no «pelotão da frente»!



Peso da riqueza dos 1% mais ricos

EUA - 34
Alemanha - 24
Áustria -23
Portugal- 21
França - 18
Espanha -  15
Itália - 14
Bélgica - 12
Finlândia- 12
Holanda - 9
(no Público)




estudo completo aqui

A outra ««not selfie»

Quem vê eleições
não vê o depois



 DN
Público

Adicionar legenda

Adenda em 17/7: Francisco Assis hoje no Público : «o PSOE elegeu um novo líder e este iniciou funções da pior forma: inictando os eurodeputados socialistas espanhóis a votarem contra a eleição de Juncker para a presidência da Comissão Europeia. O argumento invocado é ridiculo e revela demasiado sectarismo: resume-se à lembrança das discrepâncias verificadas na campanha eleitoral.  O caso é em si mesmo grave porque porquanto demonstra que um grande partido da família do socialismo democrático pode sucumbir à tentação da irresponsabilidade populista. Esperemos que em Portugal, em tempos de intensa disputa interna,  ninguém soçobre a um apelo dessa natureza. Pelo menos ninguém com verdadeira importância e prestígio. Seria muito mau que isso acontecesse.»

A não perder

“La música es mi cielo,
tierra, mar, sol, alegría y razón”


Aqui, no último Babelia de El País, duas páginas de texto e entrevista com a grande  Omara Portuondo, em vésperas de, aos 84 anos, iniciar uma última digressão mundial com o Buena Vista Social Club.


Que grande desarrincanço

Que ninguém me chame pateta...

na 1ª página do i

...quando em Setembro eu escrever que num Benfica-Porto estiveram muitíssimas mais pessoas do que nasceram  crianças em Portugal,

15 julho 2014

Quem te avisa ou antes ...

... uma inocente sequência antológica


 aqui
 Hollande, no comício de Bourget,
em campanha eleitoral

 Michel Sapin, ministro de Hollande, há dias
(Ver aqui)

Acreditem, este é um post escrito com mágoa

Um conselho filho de simpatia
e estima: para férias, já !


Alguém (para o efeito que pretendo o nome não interessa nada) acaba de declarar o que se lê em cima. Face à frase, contrariando o meu impulso mais forte, eu poderia fazer um esforço para explicar como é tarefa fácil  partidos menos influentes  puxarem o PS para a esquerda. Poderia também ocupar-me a desvendar a manifesta contradição entre os dois termos principais da frase dos quais resulta essa coisa espantosa que é haver indisponibilidade do PS para isso mas manter-se em primeiro lugar a incapacidade de a esquerda à esquerda do PS o trazer para a esquerda. Mas, sinceramente, não estou com ânimo físico e disposição intelectual para isso. Prefiro antes deixar dois exemplos de frases alternativas, uma mais ditada pelo rigor e outra mais ditada pela ironia. Assim:

14 julho 2014

A respeito da matriz genética do BE

Um chato e longuíssimo post
sobre a reescrita de uma história


Esclarecendo que estou tão a milhas das discrepâncias dentro do Bloco de Esquerda como do confronto Seguro-Costa no PS, porque nestas coisas sobra sempre alguma coisa sobre terceiros, há coisas para que tenho de chamar a atenção, em respeito pelo que eu julgo ser a verdade histórica.

É assim que não posso deixar de registar que a corrente Manifesto do BE acaba de escrever o seguinte (sublinhados meus):


Lido isto, uma vez que sobre «o PCP indisponível para a governação» já respondi aqui (e esse post aplica-se perfeitamente ao simplismo da crónica de Rui Tavares hoje no Público), tenho de dizer que ou estamos perante um patente caso de amnésia política ou perante um caso de conveniente reescrita da história, pois, na minha opinião,  no tempo da fundação e nos primeiros anos de vida do Bloco a «construção de pontes» ou «o diálogo entre as esquerdas» ou as disponibildades para responsabilidades governativas eram quase zero, vingando sim a linha de orientação consagrada na fórmula «correr por fora». E aqui chamo a atenção para que o «correr por fora» não é invenção minha, como se comprova por esta passagem  escrita há não muito tempo por Daniel Oliveira no «arrastão».


Aqui chegado, eu poderia tentar fazer um resumo do que nos anos iniciais era de facto a orientação táctica e estratégica do Bloco mas, para não se perderem certos elementos mais vivos e factuais da época o que proponho a quem tiver paciência para tanto é uma viagem pelas partes sublinhadas em  três crónicas minhas sobre o BE publicadas em 1999, 2002 e 2004 e que creio mostrarem insofismávelmente que «o compromisso matricial» do Bloco agora tão invocado é uma construção dos dias de hoje. É muito longo e chato mas mais longo seria proceder aqui a uma antologia de declarações de dirigentes do PE que com algum trabalho poderia reunir.

Começar mal
(Avante! de 21.1.1999)
Por ocasião do lançamento, no último fim de semana, da tentativa de mais uma experiência de agregação eleitoral na área da UDP, do PSR e da Política XXI, alguns dirigentes do PSR e da UDP produziram declarações relativas ao PCP que se arriscam a ficar como um lamentável indício de qual poderá ser o seu verdadeiro desígnio eleitoral e dos tristes métodos que se dispõem a usar para o atingir.

Com efeito, e só para citar algumas frases mais significativas, Alberto Matos (UDP) invocou as «ambiguidades» do PCP face ao PS e falou das « «colagem do PCP ao Governo à espera de uns lugares». Luís Fazenda (UDP) referiu que o país não precisa de «uma oposição que num dia proteste e no dia seguinte esteja a tentar um negócio de poder», reclamando de seguida que «o PCP que se defina». E, para abreviar a lista, acrescente-se que Heitor de Sousa, no Congresso do PSR, terá também acusado o PCP de ter uma posição de compromisso com a política de direita assim induzindo uma postura conformista e rotineira do movimento operário.

Deixando-nos de punhos de renda, é caso para dizer que os autores destas declarações, proclamam querer «começar de novo», mas começam é mal.
Porque começam por deturpar, falsificar e amesquinhar a indiscutível realidade de que o PCP tem sido a grande força de oposição de esquerda ao Governo do PS, agindo em todos os planos da vida nacional com rigorosa autonomia política e estratégica e desempenhando um papel incontornável não apenas na defesa de interesses populares imediatos mas também na luta por valores, por uma política e por um projecto alternativo de esquerda.

Porque começam dando objectivamente continuidade à operação lançada pelo PSD, e especialmente acarinhada pelo «Expresso», para apresentar o PCP como «muleta do PS», precisamente para fazer esquecer que, nesta legislatura e nas matérias fundamentais e decisivas, os grandes aliados do PS têm sido o PSD e o PP.
Porque começam com o truque de, olhando o campo da esquerda, precisarem de decretar que é um deserto para melhor se apresentarem a si próprios como uma miragem do desejado oásis.

Éisto que, para já, não deixamos passar em claro.

(...)

Colo, doce colo
(Avante! de 14.3.2002)
Pelos vistos, a campanha não podia terminar sem que responsáveis do Bloco de Esquerda dessem mais um testemunho da sua peculiar «nova forma» de fazer política que consiste em deturpar, fria e premeditadamente, as posições do PCP.

Com efeito, discursando na Aula Magna e depois de se referir à orientação do CDS-PP, Miguel Portas sentenciou que «o problema do Partido Comunista nesta disputa eleitoral é que a sua proposta é, no fundo, simétrica, obviamente diferente, mas é simétrica [à do CDS-PP]. O PS é péssimo, horroroso, mas desde que o PCP esteja no Governo, a coisa obviamente que é outra».
A questão é apenas esta: Miguel Portas sabe perfeitamente que o que o PCP anunciou e reiterou, para depois de 17 de Março, foi a sua disponibilidade «para examinar com as outras forças democráticas as possibilidades de definição de uma política de esquerda (que signifique um ruptura com a política até seguida) e de concretizaçao de uma solução governativa capaz de a respeitar, garantir e aplicar». Logo acrescentando que, para isto, o que mais conta é o reforço da votação da CDU.
Confundir a precisa, rigorosa e importante substância desta posição  com qualquer propósito de ir para o governo a qualquer preço e, ainda por cima,  com o efeito automático de transformar o «péssimo» em óptimo e o «horroroso» em exaltante é uma pura e lamentável desonestidade, bem representativa  das mais velhas e bafientas formas de fazer política, à esquerda ou à direita.
Acresce que esta autoproclamada «esquerda moderna» também parece não ter grande apreço pela coerência. Em entrevista a F. Louçã (28/2), uma  jornalista do «Público», em ostensiva deturpação, aludiu a que para o PCP «o PS e o PSD são a mesma coisa». Louçã aproveitou gulosamente a boleia e logo desancou no «discurso simplista do PCP, como se todos os gatos fossem pardos em noite de lua nova». O problema é que se, neste âmbito, não existissem dezenas de outras afirmações de dirigentes do Bloco de brutal amálgama entre  o PS e o PSD (como o PCP nunca fez), aí estaria a recente afirmação de Louçã no mesmo comício de que PS e PSD eram irmãos «absolutamente siameses» para se saber em que cabeças passeiam gatos pardos e quem é que debita um «discurso simplista».
Os responsáveis do Bloco andam manifestamente felizes por, nesta campanha, serem positivamente levados ao colo pela maior parte dos órgãos de comunicação social que, como é sabido, suspiram por uma política radicalmente de esquerda.  -
Felizes podem estar, apesar do bonito serviço que em Dezembro prestaram à cidade de Lisboa. Mas deviam saber que impunidade política é coisa que, se não a reclamamos para nós, também não a concedemos a ninguém.

No Avante" de 23.12.2004
Para quem compreensivelmente se tenha perdido pelo caminho, é só reparar, para além de outras diferenças, que onde hoje há supostamente «um PCP indisponível para a governação», há 15 ou 10 anos havia um PCP sobre o qual se lançava a suspeição de que querer fazer «um negócio de poder» com o PS.