O primeiro golpe
privatizador na RTP
Os anos passam e as gerações sucedem-se e, por isso, deve hoje haver centenas de milhar de cidadãos portugueses que julgam que toda esta polémica em torno da privatização ou concessão da RTP surgiu quase do nada e não tem antecedentes. É pena que nenhum órgão de comunicação social resolva oferecer ao público uma história mais completa de toda esta, afinal velha, história, não deixando de mergulhar, como obrigatório seria, no imenso acervo de comunicados da Comissão de Trabalhadores da RTP ao longo destas décadas.
Na falta disso, o que está ao meu alcance é, por exemplo, relembrar o primeiro golpe privatizador na RTP ocorrido há 22 anos com um governo do PS e de Cavaco Silva e que há 10 anos evoquei retrospectivamente em crónica no Avante! de 23.5.2002.
«Alguém, há onze anos
No panorama das muitas abordagens e tomadas de posição que têm sido expressas em defesa do serviço público detelevisão, muitos
cidadãos terão encontrado, talvez pela primeira vez na vida,
alusões à retirada à RTP, decidida por um governo do PSD em 1990,
da propriedade e gestão da infra-estrutura técnica de transporte e
difusão de sinal televisivo bem como às consequências financeiras
dessa decisão.
Dado
que alguns exaltados apoiantes da dementada política governamental
que está em marcha, como é caso do director do «Público», até
fazem gala de demonstrar a sua coerência exibindo citações do que
escreveram ao longo de anos, também nós queremos lembrar um outro
tipo de coerência e a pertinência de avisos oportunamente feitos.
De
facto, no dia 3 de Janeiro de 1991, houve em Portugal alguém que
disse, em conferência de imprensa, que aquela decisão «vem
afinal viabilizar a existência de televisões à custa de vultuosos
investimentos públicos e da alienação sem contrapartidas
conhecidas de bens e recursos próprios da RTP» com
«o
risco (conhecida a prática do Governo do PSD nestas matérias) de
evolução para o controlo privado de um bem de importância
estratégica e que pertence inequivocamente ao domínio público do
Estado».
Nesse
dia, alguém disse que tal decisão «implica
forçosamente a transferência por parte da RTP a favor da sociedade
a criar de um vasto património constituído pela sua actual rede, em
vias de alargamento e expansão à expensas da própria empresa»
e advertiu
que
«não
está salvaguardado» o
«caracter efectivamente público» dessa
nova sociedade. [Actualização: a transferência foi feita inicialmente para a TDP integrada na PT, que logo depois seriam privatizadas, pelo que durante 20 anos a existência em Portugal da infra-estrutura técnica que garantia a emissão em sinal analógico passou a estar absurdamente nas mãos de privados].
Nesse
dia, alguém disse que a RTP «vai
ser forçada a enfrentar uma situação de concorrência em condições
de grande fragilidade: não foram asseguradas contrapartidas face ao
natural desaparecimento das receitas provenientes das taxas; não
estão a ser pagas as indemnizações compensatórias devidas pela
transmissão para as Regiões Autónomas; não está a ser feita a
justa avaliação da parte do seu património em risco de ser
transferido para outras entidades (...) a apresenta-se como
inevitável uma sensível redução das receitas de publicidade. Tudo
isto sem que da parte do Governo haja o compromisso solene de que o
serviço público de televisão possa enfrentar em condições de
igualdade a concorrência das televisões privadas».
Nesse
dia, alguém disse premonitoriamente que «uma
política que sacrifique o serviço público de televisão em nome da
viabilização de quaisquer canais privados é condenável e é
contrária aos interesses dos próprios telespectadores».
Esse
alguém falava contra a política do PSD e dos Morais Sarmentos da
época que então se davam pelo nome de Marques Mendes (sim, é o
mesmo!). Esse alguém era o PCP. »