06 dezembro 2020

O mau leilão de bens públicos

Quando os arquivos falam


E, de repente, num domingo sombrio, deu-me para fazer uma viagem aos arquivos à procura de outra coisa e saltou-me este artigo de há 16 anos sobre a privatização da GALP. É certo que agora já não há muito para privatizar mas talvez não faça mal lembrar uma pequena parte de uma grande história criminosa de assalto aos bens públicos.

Roubo - uma palavra com cinco letras

«A direcção do Independente, que não é certamente suspeita de ser inimiga das privatizações, até resolveu dar honras de chamada de primeira página ao assunto, mas o que se seguiu foi um silêncio sepulcral que talvez fale exuberantemente sobre as acomodações existentes e os interesses instalados.
Essa chamada de primeira página informava que «Citigroup e Finantia avaliaram há um ano a área do petróleo da Galp em 3,7 e 3,3 mil milhões de euros» e que «o negócio fez-se por 2,1 mil milhões».
Por sua vez, a respectiva notícia, inserida no caderno «Economia» daquele semanário, arrancava com a afirmação peremptória de que «o Estado perdeu pelo menos 650 milhões de euros ao vender os 40,79% do capital da Galp à Petrocer por um valor cerca de 50% abaixo das avaliações realizadas pelo banco Finantia e pelo Citigroup, as duas instituições a que a Galp encomendou há um ano relatórios de avaliação». A notícia explicava de seguida que o negócio acabou por se fazer na base do valor de 2,1 mil milhões de euros indicado como preço de referência pelo «adviser» técnico-financeiro do Governo, a Goldman Sachs e esclarecia ainda que este valor era muito inferior ao valor mínimo apontado quer pelo Finantia (2,7 mil milhões) quer pelo Citigroup (2,9). Para já não falar dos valores máximos apontados por aquelas empresas (4 mil milhões e 4,7 mil milhões).
Já calculamos que sobre isto alguns dirão que o mais provável é que esta notícia seja inspirada pela ciumeira de algum grupo concorrente à privatização da Galp que tenha sido preterido, que a avaliação de empresas e ramos de negócio não é uma ciência exacta e que o preço era apenas um dos 13 critérios fixados para a análise comparativa das propostas.
A tudo isso só diremos «pois, pois», acrescentando que todos os ignominiosos antecedentes dos processos de privatização em geral e da Galp em particular (em que têm estado entusiasticamente envolvidos tanto Governos do PS como do PSD) legitimam perfeitamente a fundada suspeita de que alguém fez o Estado e o interesse público perderem pelo menos 130 milhões de contos e que alguém os fez entrar ilegitimamente no património de grupos privados.
E se, em vez de 130 milhões, fossem apenas 10 milhões de contos, seria ainda com as mesmas cinco letras – as que compõem a palavra «roubo» – que descreveríamos este «negócio» que nunca levará ninguém à cadeia e, daqui por três anos de nojo legal, bem poderá levar algum ministro ao conselho de administração do grupo privado que comprou a posição do Estado na Galp.»
in «Avante!» de 4.11.2004

Um estudo de Eugénio Rosa

 Dados que falam
 como um livro aberto


(clicar para aumentar)
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05 dezembro 2020

Dever de memória

 Pois, pois, mas certas
companhias não abonavam nada


No lado direito da fotografia, ao lado de Sá Carneiro, está Ramiro Moreira, destacado operacional da rede bombista e dos seus homicidios. Também há uma foto de Freitas do Amaral a ser conduzido num automóvel por José Esteves, outro destacado operacional de uma organização terrorista chamada CODECO. O artigo de São José Almeida não nos lembra o (mal) chamado «Golpe Palma Carlos» (julho de 1974 ) de que Sá Carneiro foi participante activo e que visava, primeiro que tudo, eleger Spínola Presidente da República, liquidar o MFA, adiar as eleições para a Assembleia Constituinte e instituir um regime presidencialista muito musculado. 

Porque hoje é sábado ( )

 

Phoebe Bridgers


04 dezembro 2020

Sá Carneiro e Soares Carneiro

 A minha recordação
 de há 40 anos

Sá Carneiro ao lado do candidato presidencial da AD por si escolhido, nem mais nem menos que o General Soares Carneiro, como muitos de lembrarão um democrata de fina cepa que, apesar da transmissão em directo pela RTP (presidida por Proença de Carvalho) durante horas do dia de reflexão do funeral de Sá Carneiro viria a ser derrotado logo na 1ª volta das presidenciais de 7 de Dezembro de 1980 pelo general Ramalho Eanes com uma contribuição determinante da indicação de voto do PCP. E sem o apoio de Mário Soares.

01 dezembro 2020

Há espíritos muito retorcidos

 Olhe que não, 
olhe que não


«(...) Se o país resistir ao pós-pandemia e a esquerda ganhar em 2023, o PCP pode ser premiado pela fidelidade ao PS – e assim continuar a exibir ao mundo o incrível milagre da sua existência. »                            

(...) Claro que Jerónimo de Sousa não o disse assim, de forma tão explícita, até porque o PCP adora ver-se a si próprio como –são palavras suas – “força de oposição”. Mas disse-o de forma implícita ao declarar que o PCP “não faltará, como nunca faltou, a nenhuma solução que dê resposta aos problemas, não desperdiçará nenhuma oportunidade para garantir direitos e melhores condições de vida”.

Feitas estas generosas citações de João Miguel Tavares hoje no «Público», e deixando de lado as insolências do autor, é tempo de salientar:

1.  J.M.T. jamais terá inteligência e a seriedade intelectual para ser capaz de perceber  que não só há mais vida para além do Orçamento como que é possível um partido que se absteve mover oposição a orientações e medidas fora do Orçamento e até a medidas que ficaram no Orçamento. 
        
2. J.M.T. fala de «fidelidade» do PCP ao PS mas, talvez consequência do seu status socio-económico, é incapaz  de perceber que a única fidelidade do PCP é a todas as centenas de milhar de portugueses que, por  exemplo, vão beneficiar das medidas constantes do Orçamento graças às propostas do PCP.

3. A citação que J.M.T. faz de Jerónimo de Sousa não autoriza (até pode desmentir) a conclusão que o escriba levou a titulo do seu artigo. Com efeito, até parece que para acautelar as ridiculas inferências de J.M.T,. Jerónimo de Sousa devia ter antes declarado que o PCP «“ faltará, como sempre devia ter faltado, a soluções   que dêem resposta aos problemas, e desprezará todas as oportunidades para garantir direitos e melhores condições de vida».

4. J.M.T talvez ainda vá a tempo de perceber que o PCP diz o que faz e faz o que diz. Nem mais nem menos.

30 novembro 2020

Congresso do PCP e «critérios jornalísticos»

 A ânsia de «novidades»
 de braço dado com
 a distância da vida real

Li David Pontes no «Pùblico» a sentenciar que não se ouviu nada no XXI Congresso do PCP que não pudesse ter sido ouvido no XX e também li São Jose Almeida a decretar no mesmo jornal que o PCP está «auto-sitiado». Efiquei então com vontade de escrever sobre a impossibilidade de tantos jornalistas olharem o PCP fora da caixa férrea de que olham os outros partidos. Mas não vale a pena porque Pedro Tadeu  (DN/TSF) já o fez e muito melhor do que eu faria. Escreveu ele :

« Tal como muitos outros jornalistas, passei o fim de semana a acompanhar o XXI congresso do Partido Comunista Português. O foco editorial da maioria das notícias, das reportagens, das análises e dos comentários que li, vi, ouvi e participei distribuiu-se pela polémica sobre a realização da iniciativa comunista durante o estado de emergência, a possível substituição de Jerónimo de Sousa como secretário-geral do partido e se o PCP iria permitir que o PS continuasse a governar o país.

No final daqueles três dias, para ser franco, pareceu-me que o congresso que vi relatado nos melhores horários das televisões e das rádios, ou contado nos principais títulos e peças dos jornais, padecia de uma distorção em relação ao que vi acontecer no Pavilhão Paz e Amizade.

A distorção é esta: aquilo que para nós, jornalistas, parece ser mais importante dizer ao país sobre o congresso do PCP parece não ser, para os congressistas do PCP, o mais importante do que acontece no país.

Contei 92 intervenções, feitas ao longo dos três dias de trabalhos. Nenhuma, que me recorde, abordou o tema da substituição de Jerónimo Sousa, que ficou para a parte fechada à imprensa. Quanto aos outros dois assuntos mais tratados jornalisticamente - a polémica com a realização do congresso e a posição futura do PCP em relação ao Governo - foram referidos por dirigentes nacionais do partido, incluindo o líder, mas ocuparam um espaço muito minoritário no total de intervenções feitas.

Faço, então, uma pergunta: depois de Jerónimo de Sousa abrir os trabalhos do congresso do PCP, na sexta-feira, qual foi o tema da primeira intervenção feita pelos delegados?...

Bem, foi a do militante João Norte, que explicou como andava a dirigir uma célula de trabalhadores comunistas no setor dos moldes e metalúrgicos da Marinha Grande. João Norte subiu à tribuna para comunicar o seguinte:

"Foi-me colocada a tarefa de ser responsável da célula e, com os camaradas do setor, lançámos mãos ao trabalho. Foram muitos contactos, consultas de ficheiros e reuniões para pôr a célula a funcionar.

Criou-se um boletim que intitulámos "O Postiço", nome familiar a todos os trabalhadores do setor, para que se identificassem rapidamente com o seu conteúdo.

Na primeira edição, escrevemos sobre a precariedade, as horas extra semanais sem remuneração e ao fim de semana pagas ao preço de hora normal. Os horários desregulados, entrar às 5h da manhã e sair às 10h da noite. Os escassos transportes públicos. A situação dos comerciais, que, depois de jantar, ainda têm de estar em contacto telefónico com clientes, o teletrabalho sem horário de saída e com despesas acrescidas, enquanto o salário se mantém igual."

Intervenções como esta foram às dúzias e falaram sobre passes sociais, distribuição de água, despedimentos coletivos, lutas em fábricas e muitas outras coisas quotidianas, eventualmente pequenas para o mundo em geral, mas enormes para o mundo das pessoas envolvidas.

Para a maioria dos jornalistas que cobriram o Congresso do PCP, discursos como este não têm importância alguma, serão, quanto muito, curiosos e um pouco chatos, porque escasseiam de significado político profundo e aparentam não ter impacto direto nas decisões da liderança do partido ou nas relações deste com os outros partidos.

Em contrapartida, para os militantes comunistas, como eu, intervenções como as daquele operário são o fundo político não só da realização do congresso, mas uma das razões para a própria existência do PCP e a base de onde partem as suas posições políticas, gerais ou setoriais.

E, realmente, qual é o partido político que leva ao seu congresso uma intervenção sobre a situação dos trabalhadores da indústria de moldes na Marinha Grande?

Qual é o partido que equipara em dignidade e espaço tribunício o relato sobre o conteúdo do boletim "O Postiço" com reflexões sobre as novas tecnologias na indústria, a crise na União Europeia ou a estratégia de alianças para o ciclo político seguinte?

Creio que nenhum outro partido em Portugal faz isto, tirando o PCP.

Talvez seja esta originalidade, esta raridade, este modo diferente de estudar e debater o país que leva o jornalismo político, como o que eu fiz este fim de semana, a não conseguir enquadrar inteiramente no seu cânone editorial o que se passa num congresso comunista - para quem está treinado a destacar, noticiar e analisar a luta pelo poder das cúpulas e das elites do país, aquilo, no PCP, aparenta ser real, mas parece ser de outro planeta.»

Adenda da minha lavra

Uma coisa é a incapacidade de alguns jornalistas sairem de esquemas preé-cponcebidos na análise do PCP mas outra coisa é a deturpação pura e simples. No «Público», São José Almeida escreveu que «logo na sexta-feira, o histórico dirigente e guardião da ideologia do PCP Albano Nunes garantiu que o "Rumo à Vitória"continua válido como projecto político.»

A afirmação não tem o mais pequeno fundamento. O que Albano Nunes referiu foi que «A aplicação criativa do marxismo-leninismo à análise da realidade portuguesa que, entre outras obras de Álvaro Cunhal tem no “Rumo à Vitória” uma brilhante expressão - apontando ao povo português o caminho de uma revolução original, democrática e nacional, que o processo da Revolução de Abril veio confirmar – constitui um notável exemplo da contribuição do PCP para o enriquecimento da ideologia da classe operária».

Assim não vale.

Já não engana ninguém

 A Bonifácio a assinar
 contrato com o Chega.
 Por cinco épocas.

« Chega, se conquistar a necessária credibilidade, talvez ajude a criar um espaço de discurso público isento dos constrangimentos e dos tabus que têm impedido a livre expressão de quem não se revê no socialismo. O desnorte político e intelectual criado pela sua aparição parece-me um fenómeno de bom agoiro

- Fátima Bonifácio no «Público» de hoje