Porque já escrevi de sobra a respeito desse fenómeno persistente e recorrente dos apelos à «convergência das esquerdas» que planam sobre dolorosas realidades e graves divergências e tendem quase sempre a comodamente amalgamar responsabilidades e porque o manifesto ontem divulgado, embora invocando esse santo e essa senha, o que mais substancialmente desenha é um projecto ou tentativa (naturalmente legítimos) de resolver problemas de representação eleitoral no Parlamento Europeu de uma limitada e heterógenea área da esquerda, não tencionava escrever, pelo menos por agora, nada sobre o assunto.
Mas quando a apresentação de uma iniciativa deste tipo já parece incluir uma piada ou remoques a terceiros também solidamente da esquerda, o caso muda de figura.
De facto foi com algum espanto que li (se tiver havido distorção jornalística, já cá não está quem falou) no Público (sublinhados meus) que « o ex-secretário de Estado do Ensino Superior do último governo Guterres, José Reis, sintetizou a ideia ao afirmar que "a esquerda se deve unir onde tem estado dividida" e que "diminuirão a esquerda os que forem sozinhos».
E, assim, começa que se devia saber que o uso da expressão «os que forem sozinhos», usada num contexto em que muito se falou de eleições europeias, pode permitir a interpretação de que se estaria a defender que a famosa «convergência» de todas as forças de esquerda se devia exprimir numa coligação nas eleições para o P.E.
Prefiro porém ainda acreditar que o Prof. José Reis não partilhará da visão simplista e esquemática que associasse a «convergência» a coligações, ainda por cima para o PE onde existe um círculo único e onde, salvo surpresa, a banhada que a coligação PSD-CDS vai apanhar se verá pelo seu resultado e pela soma dos resultados dos partidos da oposição ( a meu ver, certamente superior ao que obteriam se (por absurdo, dado ser a temática europeia uma das matérias de mais estruturantes divergências) fossem coligados.
Embora o «forem sozinhos» aí não faça grande sentido semântico, quero pois admitir que o Prof. José Reis não estava a falar de coligações mas sim das divisões políticas e programáticas que, grosso modo, têm separado PS, de um lado, e PCP e BE, do outro. Nesse caso, dado que o Prof. José Reis enfatizou que «a esquerda se deve unir onde tem estado dividida», fico a aguardar que, já que o manifesto ontem divulgado afirma uma justa posição contra o Tratado Orçamental, nos seja explicado como é que os estimáveis promotores deste manifesto julgam possível superar essa sua «divisão» com o PS que aprovou esse perigosíssimo Tratado e dele continua a ser um firme defensor.