do «mercado» já não gostam
que seja o «mercado» a decidir
Por esta notícia no Público fica-se a saber que o governo terá recusado aumentar os limites de publicidade na RTP porque prefere impor-nos a todos um considerável agravamento da taxa do audiovisual cobrada dentro da factura da luz. E só para que não se pense que tudo isto é novo, lembrei-me de reproduzir hoje (sobretudo por causa da parte sublinhada que é a verdadeira moral da história) o que escrevi no Semanário de 17 de Maio de 2002, ou seja, há 11 anos:
«(...) A segunda observação é para abordar a questão da publicidade no serviço público de televisão, começando logo por dizer que ficamos verdadeiramente comovidos quando vemos representantes do PSD e do CDS-PP a proclamar que a existência de publicidade gera a luta por ela, que esta gera por sua vez a luta pelas audiências, e que esta gera por fim a inevitável degradação da programação.
Do nosso ponto de vista, não se trata tanto de negar os nexos possíveis entre os fenómenos descritos mas de assinalar o simplismo e esquematismo da tese. Para quem, como nós, sustenta simultaneamente que o serviço público de televisão não deve participar numa luta dementada pela conquista de audiências a qualquer preço mas também não deve desistir de ter a significativa audiência que é essencial à sua própria missão, o problema tem de ser resolvido ao nível de uma cuidada e firme orientação e não através do fim da publicidade.
Lembramos a este propósito que a RTP/2 não era seguramente participante da luta pelas audiências e, no entanto, havia empresas que lá colocavam publicidade até ao dia em que, administrativamente, o Governo do PS a proibiu, ao mesmo tempo que impunha maiores restrições quantitativas à publicidade na RTP/1.
Mas, nesta matéria, o que é mesmo curioso é ver partidos e personalidades que, em quase tudo o mais, andam sempre a defender o excelso "mercado" e as suas famosas "leis", quando se trata de publicidade na televisão já quererem que seja o famigerado Estado a decidir a favor de uns - os canais privados - e contra outros - os canais públicos, oferecendo por via legislativa ou regulamentar aos primeiros a vitória total sobre os segundos que não conseguiram no "mercado".
E porque há pequenas coisas que falam mais do que as grandes, registamos que foi sob o interrogado título "O fim do saque à RTP?" e para aplaudir "a vontade que o Governo manifesta de encarar de frente os problemas da RTP" que o desinteressado "Expresso" inaugurou, no passado sábado, a publicação de uma nota-editorial logo na primeira página, neste caso conveniente realçada por um fundo de azul.
E para a pequena história desta questão da publicidade, talvez deva ficar ainda como exemplo de autismo perante a realidade e de dogmático acantonamento em torno de "princípios" ou aspirações abstractas, a defesa pelo Bloco de Esquerda ( consagrada em projecto de lei que apresentou) do fim da publicidade nos canais de serviço público de televisão, como se fosse possível fugir à evidência de que isso significaria inevitavelmente dar um generoso brinde aos canais privados, aumentar os encargos do Estado e, com isto, dar alimento a maiores pressões futuras para a privatização ou liquidação da RTP. (...)» [aqui ]