No «Público» de ontem
escreveu um não atlantista
Qual o custo/benefício da participação na NATO?
- Público - Edição Lisboa
- Francisco Sousa Fialho*«Lisboa recebeu há dias a visita do Sr. Mark Rutte, actual secretário-geral da NATO, que veio pressionar o Governo português para aumentar significativamente as despesas militares. Se é certo que em Julho de 2023 os membros da NATO acordaram aumentar até 2% do PIB nacional essas despesas, tendo Portugal previsto atingir esse valor em 2029, o Sr. Rutte considera que é insuficiente e, fazendo eco das pretensões do Sr. Donald Trump, aponta para a meta dos 5%, o que no caso português implicaria um montante anual superior a 15 mil milhões de euros, a alcançar o mais rapidamente possível. Entretanto, para abrir o apetite, a próxima cimeira da NATO, prevista para Junho, prepara-se para determinar um imediato aumento para 3%.
É evidente que um tal objectivo só seria possível com subtracções dramáticas nos gastos orçamentais, entre outros, na saúde, na educação e na segurança social. E é igualmente evidente que mais de 20% de tal despesa se destinaria a importações de equipamentos militares, sobretudo dos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido.
Tudo isto mereceria múltiplas considerações, mas atrevo-me a levantar uma questão primordial (e talvez iconoclasta) a montante, a saber: tem Portugal interesse em permanecer membro da NATO?
Tal questão não invalida a necessidade de o país se dotar de meios de defesa apropriados e proporcionais às suas capacidades, mas parece-me que, num momento em que o Estado-membro dominante da NATO, os Estados Unidos, vocaliza ambições expansionistas e patrocina agressões genocidas no Médio Oriente, é legítimo, se não mesmo oportuno, organizar esse debate e avaliar os custos e benefícios de nos mantermos obrigados, nos termos do tratado fundador da NATO, a socorrer este ou aquele membro aventureiro face a uma eventual resposta retaliatória de um terceiro que o dito “aliado” agrida.
O Sr. almirante Melo, ex-chefe do Estado-Maior da Armada, entende que os portugueses devem estar dispostos a ir morrer lá longe, se, por absurdo exemplo, uma das ilhas finlandesas Aland for ocupada pelos russos. É uma opinião. Que eu saiba, nunca a Rússia atacou ou planeia atacar qualquer país da NATO, embora o chamado Ocidente tenha violado todos os compromissos assumidos com a Rússia de não-alargamento da NATO aos países do Leste europeu. Dirão alguns que a participação portuguesa na NATO nos protege, todavia, de uma possível agressão, seja da Rússia, seja de um outro terceiro. Ora, a meu ver, a história ensina-nos que os nossos ditos aliados só nos ajudarão militarmente se isso corresponder aos seus respectivos interesses estratégicos ou económicos, pelo que o alegado mecanismo automático de defesa colectiva obedece a outras considerações mais pragmáticas.
Sejamos realistas: alguém imagina que os russos achem necessário iniciar um conflito atacando Portugal? O Sr. Rutte admite que sim, pois avisou-nos de que andam por aí uns
barcos russos a rondar as nossas costas, porventura a prepararem um desembarque em Peniche, pelo que deveríamos triplicar a nossa frota de tanques e reforçar o stock de mísseis, mesmo que isso implicasse encerrar uns tantos hospitais e escolas.
Assinalo, enfim, que países europeus como a Irlanda ou a Suíça não são membros da NATO e, ao que consta, não vêem vantagem em entrarem no clube. E relembro que, para todos os efeitos, o Tratado de Lisboa, que rege a União Europeia, já prevê no n.º 7 do seu artigo 42.° um mecanismo de defesa colectiva (“Se um Estado-membro vier a ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados-membros devem prestar-lhe auxílio e assistência por todos os meios ao seu alcance…”).
Não deixa de ser irónico que, depois de o Sr. Dijsselbloem ter cá vindo, no tempo da troika, impor políticas restritivas sobre uma população que no seu entender se comprazia em gastar o que não devia em vinho e mulheres, seja agora um seu compatriota a desembarcar na capital para nos exigir mais metralhadoras e submarinos. É para nos salvar, diz, pelo menos enquanto não adoecermos ou embrutecermos ou definharmos. Obrigadinho! Ou, se preferir um carinho: Dank je, mijn liefste!»
*Ex-membro do Serviço Jurídico da Comissão Europeia
Adenda
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