24 fevereiro 2016

Fantasiar é um mau começo

Francamente, não entendo


Antes de comentar breve e limitadamente algumas ideias expostas hoje no Público por Elísio Estanque e Hermes Augusto Costa, investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, em torno do 13º Congresso da CGTP, desejo esclarecer que considero  que o movimento sindical unitário não pode e não deve ter (e creio que não tem) qualquer preconceito em relação às contribuições que os cientistas sociais dêem para a reflexão, revigoramento e sucesso da acção dos sindicatos face aos complexos  (e, por vezes, terríveis, diria eu) problemas que enfrentam.

Mas devo, ao mesmo tempo e com toda a franqueza, assinalar  que considero que, frequentemente, apesar dos diálogos que se sabe terem com dirigentes sindicais, muitos cientistas sociais (e também muitos cientistas políticos no que toca as suas análises sobre os partidos), não poucas vezes escrevem e falam de uma forma que  parece revelar um grande desconhecimento ou desconsideração pelas concretas exigências e dificuldades práticas e organizativas que a acção sindical, dia a dia, enfrenta.

Embora no artigo em causa  não faltem outras opiniões que me suscitam sérias  diversas divergências, opto de momento por concentrar-me em duas passagens que,  desde logo, envenenam um debate intelectualmente séria sobre estas questões. São as seguintes:

«(...) A precariedade generalizada de hoje corresponde à “quebra do contrato” fundado no compromisso de classes da Europa do pós-guerra, que abriu caminho ao período mais “glorioso” das conquistas sociais dos trabalhadores. Num tempo de implosão e desaparecimento da velha classe operária, a atual geração de trabalhadores “proletarizados” – cada vez mais qualificada e cujas subjetividades e modos de vida replicam expectativas e “habitus” com marcas de classe média – já não adere, nem entende, uma retórica sindical que se limite a reproduzir os velhos slogans da “vanguarda operária” dos tempos de Marx e Lenine.
(...)
Os nossos sindicalistas “de classe” têm dificuldade em compreender que os operários industriais apenas foram maioria da população ativa neste país durante um par de anos a seguir ao 25 de abril. A terciarização da economia arrastou consigo códigos e referências que, ao longo de quatro décadas de democracia, forjaram um universo cognitivo típico de classe média, e isso afastou a maioria da força de trabalho de um discurso gasto e desajustado. Paradoxalmente foram principalmente esses setores profissionais (professores, funcionários públicos, médicos, bancários, profissões estáveis e qualificadas) que mais se sindicalizaram. E fizeram-no porque perceberam que a narrativa em nome da classe operária já não tinha correspondência prática com uma ação coletiva tipicamente corporativista e materialista (prevalecente nesses setores).»

A este propósito, quero apenas deixar as seguintes perguntas e desabafos :

1. Desafio estes dois cientistas sociais a demonstrarem documentalmente onde é que no discurso e documentos da CGTP se pode encontrar  uma concepção redutoramente «operária» no plano doutrinal, das reivindicações e das iniciativas e acção e designadamente algo que se assemelhe aos « os velhos slogans da “vanguarda operária” dos tempos de Marx e Lenine» e a uma «narrativa em nome da classe operária».

2. Aliás, como poderia realisticamente a CGTP ter um tal discurso e orientação se é de longe a mais representativa, por exemplo, de professores e trabalhadores dos serviços e da Administração Pública (onde, não sei se estes cientistas sociais o sabem, também há operários) ?

3. Como é possível que dois cientistas sociais não saibam ou não percebam que o «sindicalismo de classe» de que a CGTP se reivindica não é estreita e redutoramente reportado à classe operária mas sim aos «trabalhadores» ?

4. Finalmente, quanto à sacrossanta e enésima referência à «colagem» da CGTP ao PCP, eu preferia de longe, a bem do próprio debate, que estes dois cientistas sociais nos contassem de que reivindicações e objectivos de luta da CGTP discordam.

3 comentários:

  1. Eu escrevo "cientistas" com aspas quando se trata de matérias subjectivas, não cientificas e facilmente a roçarem o obscurantismo e o confusionismo.
    Monteiro

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  2. Isto não são críticas: são justificativas. É que este Elísio Estanque faz parte desse "coro das velhas" que julgava que a luta de classes era coisa do passado e que o consenso social-democrata e que era uma festa. Agora e porque como sempre nestas coisas vão tendo acesso aos melhores palcos, lá repetem o discurso, cada vez mais oco, vazio e sem qualquer correspondência com a realidade. Basta entendê-los que o resto percebe-se por acréscimo.

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  3. o objectivo é sempre o mesmo. combater, denegrir, deformar o sindicalismo de classe. curiosamente o sindicalismo amarelo nunca lhes suscita criticas porque ele foi concebido apoiado pelo mesmo capital que paga a estas pessoas para com ares de sábios e com um rótulo de catedráticos de tudo, combaterem a única organização de classe que defende os trabalhadores de todos os sectores de actividade.

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