25 dezembro 2011

Poemas

Dia de Natal

de António Gedeão


Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas


Poema de Natal


de Vinicius de Morais




Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

24 dezembro 2011

21 imagens

O Natal visto
pelas câmaras da Magnum


Nova Iorque, 1990- um pai Natal consulta
o mapa do metro.
(Foto de Erich Hartmann. Slideshow aqui.)

Noite de Natal



1ª página do Público de hoje
... e a sua contribuição para a
ceia de Natal dos desempregados.

Porque hoje é sábado (316)

Miguel Zenon


A sugestão musical deste sábado destaca
o sax alto porto-riquenho
Miguel Zenon


Esta Plena

Olas y Arenas aqui

23 dezembro 2011

Porque tristezas não esticam salário nem encurtam mês

Regresso ao Bucha e Estica

O canal ARTE oferece até 1 de Janeiro cerca de 15 filmes de Laurel & Hardy talvez em pró-memória da nossa meninice.

Baixos salários e competitividade

Onde está boa parte deles ?


Não me custa admitir nem me choca nada que possa haver leitores deste blogue a quem já enjoe a minha insistência em coisas que têm que ver com alguma memória. Paciência, prefiro de longe que isso aconteça do que entrar no grupo daqueles para quem cada dia é um dia, cada semana é uma semana, cada mês é um mês e tudo sem nexos ou correlações.

Vem esta arenga a propósito de que, se bem me lembro, desde há pelo menos 20 anos, deixando de parte eventuais reservas mentais, era extraordinariamente díficil senão quase impossível encontrar um governante ou economista de qualquer quadrante que tivesse a coragem de sustentar que a vantagem, o futuro e a utilidade de Portugal permanecer num modelo de desenvolvimento e competitividade da economia baseado nos baixos salários.

E agora que à redução de salários se junta o aumento da jornada de trabalho e agravadas condições de vida, é caso para perguntar sem dó nem piedade: por onde anda boa parte dos governantes e economistas que então integravam pacificamente o consenso enunciado no segundo parágrafo ? Meteram a viola no saco e andam a morder a língua ?

22 dezembro 2011

Reformas em metade em 2020 ?

A última (se fosse mesmo a última não
me importava tanto) de Passos Coelho




Outros já disseram -e bem - sobre quanto é inadmissível a declaração de Passos Coelho de que em 202o as reformas estarão em metade e em como uma tal afirmação é deliberadamente promotora de medo e insegurança, limitando-me eu a acrescentar que também visa empurrar cidadãos para os sistemas privados de segurança social.

E também quero acrescentar que estas previsões da falência da segurança social pública são velhas e relhas, sem qualquer fundamento sério, e que curiosamente os que as debitam nunca quiseram levar a sério as propostas do PCP de, de forma gradual e ponderada, criar novas fontes de financiamento baseadas no Valor Acrescentado criado pelas empresas em vez de baseada apenas no número de trabalhadores.

Mas, admitindo por absurdo, que a previsão-ameaça do primeiro-ministro tivesse algum fundamento, caberia perguntar a respeito de duas coisas que são da directa responsabilidade do seu governo. A saber: a crescente e exponencial despesa com os subsidios de desemprego (pagos pelo Orçamento da  segurança social) e a bomba de retardador que é a transferência dos fundos de pensões da banca para a segurança social não têm nada que ver com cenário que a sua irresponsabilidade criou ?.

Atrevo-me entretanto a pensar que há muito tempo que não tinhamos um primeiro-ministro tão ligeiro, tão de plástico e tão marioneta do que, em cada momento, Relvas, Gaspares e Álvaros lhe sopram aos ouvidos.

Tocando "Prelude #1" de H. Villalobos

Milos Karadaglic

21 dezembro 2011

Novas da cruzada pelo federalismo

Uma proposta para
Paulo Rangel levar ao PSD


Em artigo de opinião no Público de ontem, Paulo Rangel, deputado do PSD ao PE, prosseguia a sua litania sobre o fim das soberanias nacionais e a excelência do federalismo europeu, salientando designadamente: «Ora, esta insistência na vontade democrática dos povos, apurada unicamente no quadro das fronteiras estatais, em que cada povo se toma por soberano, está largamente desajustada da realidade política global dos nossos dias (...)Num universo político com estas feições, o peso e o sentido do voto dos cidadãos - do voto de um povo - no quadro da sua colectividade estatal, perdeu efectividade, perdeu relevância, perdeu poder.(...)».

Não, não e não, desta vez não venho lembrar como seriam excelentes os pináculos federalistas em que a mais pequena transformação progressista em cada país da UE ficaria dependente da simultânea vontade eleitoral de mais de metade de 500 milhões de eleitores. Nem venho manifestar a esperança que alguns só voltem a descobrir o gravíssimo problema da distância entre os cidadãos e os centros europeus de poder efectivo quando proximamente Marine Le Pen tiver entre 15 e 2o% nas próximas presidenciais francesas.

Não, nada disso. Venho só sugerir que Paulo Rangel seja coerente até ao fim e se bata com denodo para que estas suas ideias, e todas as suas consequências, venham a ser o núcleo central do discurso e da campanha eleitoral do PSD em próximas eleições legislativas.

É que me estava a apetecer assistir a um funeral eleitoral assim.

De novo Rui Tavares

O império da ligeireza




Na sua crónica no Público de hoje, Rui Tavares, escreve a dado passo (sublinhados meus): «Aqui chegámos, pois. Mas ainda há poucos meses, com uma maioria de esquerda no Parlamento e  meio mandato para cumprir, não houve um partido de esquerda que tenha decidido dizer aos outros partidos de esquerda ao menos isto : "Meus caros, há diferenças enormes entre nós, mas numa coisa podemos concordar: não queremos Portugal nas mãos da troika. Proponho uma coisa muito simples, que nenhum Merkozy pode impedir : vamos falar diretamente com os credores".

Face a esta tirada nada ponderada, e deixando de lado o rigor daquela referência à «maioria de esquerda», observemos então os factos passados:

1. Tanto o PCP e o BE, quer na pré-campanha quer na última campanha eleitoral, pronunciaram- se claramente contra a vinda da troika e defenderam a renegociação da dívida;

2. Neste contexto, devia saltar à vista de toda a gente de boa-fé que essa renegociação era e só podia ser com os credores;


3. Mesmo que PCP e BE tivessem explicitado, como só agora sugere Rui Tavares, que a renegociação era directamente com os credores não se vê em que é que isso teria comovido ou demovido um PS absolutamente virado para a troika e primeiro interlocutor desta.

Lamento dizê-lo a respeito de uma pessoa como Rui Tavares mas uma prosa assim não pode deixar de me parecer uma daqueles exercícios de conveniente mas lamentável equidistância entre os verdadeiros responsáveis e os que o não foram.