03 maio 2016

Há 80 anos, na França











Há 10 anos, assinalei assim,
no «Público», os 70 anos da Frente Popular:

SEXTA-FEIRA, 2 DE JUNHO DE 2006

Descobrir o mar

Antecipando-me aos vastos e aprofundados dossiês que a comunicação social portuguesa certamente ainda vai dedicar aos 70 anos da Frente Popular em França, e por não me apetecer escrever sobre o tom autoritário e conflituoso com que o Governo vem abordando um conjunto de problemas nacionais (esquecido, por exemplo, que eram do PS os ministros da Educação entre Outubro de 1995 e Março de 2002), proponho-me evocar hoje essa grande efeméride na história do movimento operário europeu e das forças de esquerda, cujo significado essencial tem ainda valiosas projecções para o presente que vivemos.

Com efeito, completam-se no próximo domingo precisamente setenta anos sobre a tomada de posse do Governo da Frente Popular, presidido pelo socialista Leon Blum, na sequência da expressiva vitória nas eleições legislativas de 3 de Maio de 1936 do Rassemblement Populaire – aliança entre a SFIO, o Partido Radical e o PCF – que representou a concretização do apelo e iniciativa política lançados em Outubro de 1934 por Maurice Thorez, Secretário-geral do PCF.

Contrariamente ao que muitos julgarão, este Governo era apenas composto por 20 socialistas, 13 radicais e 2 republicanos socialistas, dele não fazendo parte qualquer ministro comunista, uma vez que o PCF, embora profundamente empenhado no êxito desta experiência e grande artífice da mobilização social que a enquadrava, decidiu nele não participar, tornando-se à época uma ideia corrente a de que tinha ficado com o “Ministério das massas”.
Mais do que uma mera curiosidade, é sem dúvida emblemático de uma nova atitude que este Governo da Frente Popular integrasse como ministras três mulheres (é justo lembrar os seus nomes: Suzanne Lacore, Cécile Brunschvicg e Irène Joliot-Curie) numa altura em que às mulheres francesas ainda não tinha sido reconhecido o direito ao voto, o que só viria a ser conquistado depois de 1945.

Entretanto, a mais forte e distintiva especificidade desta vitória eleitoral, da subsequente formação do Governo da Frente Popular e da sua acção marcadamente progressista nos seus primeiros meses de vida (a capa da edição de 27/4 do moderado Nouvel Observateur gritava “Há 70 anos - a Frente Popular – cem dias que mudaram as nossas vidas”), foi sem dúvida a sua imbricação e articulação com uma poderosa e combativa mobilização social que, por um lado, fazia frente ao crescente avanço das ligas fascistas e, por outro, se unia em torno de um importante conjunto de reivindicações de carácter social e económico orientadas para a conquista de uma nova dignidade para os trabalhadores.

E se há facto que só por si testemunha a intensidade da luta, a dimensão da movimentação social e a vasta capacidade de agregação das aspirações populares emergentes naquele período é sem dúvida a circunstância de, em vez de se esperar paciente e tranquilamente pela posse do novo Governo, uma semana antes desta ter ocorrido toda a França ter sido percorrida por um imenso movimento de greves (a que aderiram dois milhões de trabalhadores, com 12 mil fábricas e estabelecimentos paralisados e 9900 ocupados).

A este respeito, a filósofa Simone Weil (1909-1943) - não confundir com Simone Veil -,  que  antes tinha trabalhado como operária na Renault, viria a falar das “greves da alegria” invocando os bailes, os cursos de ginástica e outras actividades de lazer nas fábricas ocupadas, o apoio da população ao abastecimento dos grevistas, a solidariedade de cançonetistas que se deslocavam para junto dos grevistas e ai actuavam, enfim “a alegria de ouvir, em vez do barulho implacável das máquinas, a música, os cantares e os risos”.

E é assim, neste contexto simplificadamente descrito, que
 se pode compreender que,  apenas três dias depois da posse do Governo, ou seja a 7 e 8 de Junho de 1936, tenham sido celebrados os acordos de Matignon (envolvendo a confederação do patronato, a CGT e o Governo) que representaram um marco fundamental e uma mudança profunda nas condições de trabalho  e nos direitos da classe operária e dos outros trabalhadores, em alguns casos indo muito mais longe que o programa eleitoral do Rassemblement Populaire.
De entre as conquistas então obtidas, merecem especial destaque a liberdade de exercício dos direitos sindicais (com o fim dos “sindicatos amarelos” criados pelo patronato e com a eleição de delegados sindicais que não podiam ser despedidos sem autorização do inspector do trabalho), o aumento de salários (12 por cento em média, 15 por cento para os mais baixos e 7 por cento para os mais elevados), os contratos colectivos de trabalho, a semana de trabalho de 40 horas.

E, por fim mas não em último lugar, um direito que hoje nos parece tão natural como o ar que respiramos mas que ao tempo representou uma “revolução” e que, em termos legislativos, foi descrito nestas simples 27 palavras: “todo o trabalhador, empregado ou aprendiz tem direito, após um ano de serviços contínuos num estabelecimento, a férias anuais contínuas com uma duração mínima de quinze dias”.

O historiador Antoine Prost, sublinhando que os empregados da banca, do comércio e de escritório já tinham este direito, relembra que os operários eram então pagos quinzenalmente e à hora e que este pagamento à hora “conduz a pensar que se não se trabalha, não se é pago. À época, a ideia de ser pago para não fazer nada era incrível e paradoxal”. A verdade porém é que, beneficiando de bilhetes a preço reduzido que foram criados, logo nesse ano, 600.000 trabalhadores partiram para férias fora da sua residência e que, no ano seguinte, o seu número subiu para 1.800.000.

E para o lugar que as férias pagas vieram a ocupar no imaginário colectivo e no património de esquerda teve sem dúvida a sua importância o facto tocante e comovente de, com elas, pela primeira vez nas suas vidas muitas centenas de milhar de franceses terem descoberto e visto o mar (o que, embora em menor escala, também aconteceu em Portugal em 1974 e 1975), num dos muitos momentos de alegria colectiva que, entre outros, fotógrafos como Robert Capa e Henri Cartier-Bresson e cineastas como Jean Renoir souberam fixar com inesquecível sensibilidade.

É claro que, na evocação dos 70 anos da Frente Popular e das suas principais conquistas, há quem prefira falar de “mitos”, de “grande ilusão” e de “fogo de artifício social”, ou então das posteriores desilusões, fracassos e traições.

Por mim, prefiro escrever que, mesmo sem o terem pensado, os milhões de franceses que, em Março e Abril deste ano, encheram as ruas contra o Contrato de Primeiro Emprego prestaram a mais bela homenagem que podia ser prestada às lutas e aos lutadores que construíram na França os luminosos dias de Junho de 1936.

E prefiro concluir afirmando que, como já alguém disse, tal como se conseguiu em Junho de 1936 na França, também aqui em Portugal, setenta anos depois, é preciso continuar a lutar para fazer recuar as fronteiras do possível.

Não lembra ao diabo

É tudo muito "amigável" desde
que se faça o que eles querem



manchete do Público

02 maio 2016

Na capa do «Público»

Como todo o respeito pelo cidadão
escolhido, porquê uma foto assim ...




...  e, por exemplo, não uma
assim (mas mais nítida) ...



... ou então assim ?



Há muitos anos, em incontornável artigo no Avante! sobre a fotografia como arma política, Ruben de Carvalho ilustrava o seu texto com duas capas da Time: a primeira a preto e branco e solarizada de Patty Hearst quando foi presa e a segunda quando foi absolvida:


É claro que, máxima sinceridade minha, isto nada tem a ver com o editorial do Público de hoje onde se afirmam coisas destas, a primeira na sequência de uma referência às lutas e reivindicações anunciadas:


(...)

Sobre isto apenas duas curtíssimas perguntas:


- num país que já deu catrefas de milhões de euros para salvar bancos e que está afogado em escândalos financeiros e histórias dos Panamá Papers, vem o Público falar de «clientelas sindicais» ?

- estará mesmo o Público convencido de que sempre nos 1º de Maio após o 25 de Abril sempre se gritou «Governo para a rua» (para castigo deles não me dou ao trabalho de explicar) ?

01 maio 2016

Recebido de um amigo

Ai, Expresso, Expresso…



Expresso de hoje [ontem] sobre visita do PR a Moçambique (p.6 do primeiro caderno).
Que Marcelo tem revelado capacidades inesperadas é um facto. Que vá encontrar-se com Malangatana já me parece magia a mais.
Malangatana morreu em Portugal, em 2011. 
É esta a imprensa de "referência" em Portugal.

1º de Maio

















30 abril 2016

Tristes memórias

Quando o racismo nem
nas guerras fazia intervalo



ler aqui

World War II

During World War II, African-American enlistment was at an all time high, with more than 1 million serving in the armed forces.[3] However, the U.S. military was still heavily segregated. The air force and the marines had no blacks enlisted in their ranks, and the navy only accepted blacks as cooks and waiters. The army had only five African-American officers.[3] In addition, no African-American would receive the Medal of Honor during the war, and their tasks in the war were largely reserved to noncombat units. Black soldiers had to sometimes give up their seats in trains to the Nazi prisoners of war.[3]
It would take over 50 years and a presidential order before the U.S. Army reviewed their records in order to award any Medals of Honor to black soldiers. This war marked the end of segregation in the U.S. military. In 1948 President Truman signed Executive Order 9981, officially ending segregation and racial inequality in the military.

Porque hoje é sábado ( )

Ane Brun

A sugestão musical deste sábado propõe-vos
a voz e a música da cantora norueguesa Ane Brun.




29 abril 2016

A palhaçada da direita já passou mas...

... por favor, não
continuem com as confusões !



É que na Assembleia da República hoje não foi votado qualquer Programa de Estabilidade, apenas foram votados (e chumbados) projectos de resolução [tecnicamente, meras recomendações ao Governo] do PSD e do CDS.

Não ponho as mãos no fogo por ninguém mas...

... aqui ficam um título e 15 linhas no
Público (impresso) que dizem muito



«(...)A Rússia propôs ainda que o Conselho de Segurança da ONU ponha na lista negra das organizações terroristas dois grupos rebeldes sírios, o Jaish al-Islam e o Ahrar al-Sham, acusando-os de terem ligações à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico. Se nenhum membro do Conselho de Segurança se opuser até às 19h TMG de 11 de Maio, estas formações serão adicionadas à lista de sanções, disse uma pouco satisfeita fonte diplomática à Reuters. Este passo “não ajuda nada. Está apenas a tentar dividir a oposição”

28 abril 2016

Ainda sobre o «impeachment» no Brasil

Não é demais insistir 



No Público de hoje

«(...) É aqui, portanto, que situo a atual crise política vivida no Brasil, da qual podemos sair mais ou menos fortalecidos do ponto de vista do progresso de uma democracia que ainda não comemorou a terceira década. Dessa crise, pode derivar a destituição de uma Presidente da República, sem que ela tenha cometido qualquer crime de responsabilidade, pressuposto situado nas entranhas da Constituição, sem o qual o processo de impeachment se reveste de grave atentado ao documento que inaugurou entre nós um estado democrático de direito. Sem argumento convincente, a ponto de o saber jurídico nacional estar fraturado, tentam enquadrar, na categoria de tais crimes, duas posturas de Dilma Rousseff que não representam qualquer atentado ao ordenamento jurídico brasileiro, porque não possuem a necessária previsão legal: as ditas pedaladas fiscais e a assinatura de decretos de suplementação orçamentária.
Ambas as condutas, constantes da denúncia assinada por três juristas, e aceita por Eduardo Cunha, um presidente da Câmara enredado em escândalos de corrupção, são práticas corriqueiras na Administração Pública do Brasil: governadores e prefeitos recorrem a elas todos os dias, sem contar que todos os anteriores presidentes da república as cometeram ao longo de seus respectivos mandatos. Só agora, num gesto de franco atentado à segurança jurídica prevista na mesma Constituição, um conjunto de forças políticas, judiciais e mediáticas resolveu transmutar em crime de responsabilidade o que era e continua a ser visto, em Estados e municípios, como conduta habitual. E o pior: recorrem ao texto constitucional para respaldar algo que o próprio texto repudia. Trata-se de inominável esquizofrenia.
Um exemplo, apenas, para que entendamos com clareza o que se passa: Dilma Rousseff é acusada de ter cometido crime por ter assinado seis decretos de crédito suplementar, que — é bom que se diga — não aumentaram os gastos do governo. Por sua vez, em prática exatamente igual, o governador de São Paulo, do mesmo PSDB que agora pede a saída de Rousseff, assinou, no ano passado, mais de três dezenas de decretos com o mesmo teor. Na São Paulo de Geraldo Alckmin, sim; na Brasília de Dilma Rousseff, não. Não é demais recordar que o atual vice-presidente, Michel Temer, também autorizou decretos semelhantes em vários momentos em que assumiu interinamente a presidência durante as viagens de Dilma ao exterior. Nem Alckmin, nem Temer foram questionados em suas condutas. Não é crime de responsabilidade. O mesmo não se diz em relação a Rousseff. Como se vê, falta ao atual processo de impedimento a luz radiante da legalidade, sem a qual cairemos, indefesos, no pântano da insegurança jurídica e do arbítrio. (...)

(O autor é Doutorando em Comunicação da Universidade de Brasília. Investigador do Núcleo de Estudos em Mídia e Política da Universidade de Brasília (NEMP-UnB) e do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra (CEIS20/UC)