Daniel Oliveira em imitação
serôdia de Guterres em 1996
No Expresso online e no «arrastão», Daniel Oliveira, com um artigo intitulado «Vodka laranja» [expressão cujo copyright pertence ao PS] e outras aberrações» resolveu juntar o seu nome e as suas opiniões à campanha dominantemente ignorante, idiota, esquemática e preconceituosa que por aí vai e que, significativamente, só ganhou essa expressão e categoria por causa da atribuição em Loures pela CDU (que está em maioria relativa) de pelouros a vereadores do PSD.
Sobre a questão de fundo já escrevi muito nos últimos 30 anos e, por isso, quero apenas referir três pontos:
- o primeiro é que, no caso do PCP, a orientação que admite a possibilidade de, em casos de maioria apenas relativa, a CDU (e antes a FEPU e a APU) atribuir pelouros a vereadores de outros partidos ou aceitar pelouros atribuídos pela força maioritária, numa avaliação caso a caso de condições de trabalho útil ao serviço das populações e de salvagurada da sua indepência política releva de uma concepção formulada e apurada na fundação em 1976 do poder local democrático.
- o segundo é que, exactamente ao contrário do que agora vem defender Daniel Oliveira, essa concepção do PCP sempre significou uma assumida rejeição de uma transposição ou decalque mecânicos do funcionamento do Parlamento e da sua relação com o governo do país para o poder local democrático, com base no entendimento de que neste plano local pode haver margens de entendimento, convergência ou compromisso muito superiores às do plano político nacional, convindo aqui lembrar que, na generalidade dos casos, as deliberações municipais são aprovadas com 80 ou 9o% dos votos nas vereações.
- o terceiro é que, nas opiniões de Daniel Oliveira, há uma tão pouco séria generalização de defeitos e vícios destes compromissos que, entre tantos outros exemplos constitui uma chocante ofensa a eleitos da CDU que, durante vários anos, exerceram pelouros em Câmaras com maioria PS ou PSD, como foi o caso de Ilda Figueiredo e Rui Sá no Porto ou Lino Paulo em Sintra e que, salvo as críticas sectárias do Bloco, sempre foram alvo de um grande reconhecimento pela qualidade do seu trabalho.
Mas, à parte isto, o que mais me interessa de momento é que, honra lhe seja feita, Daniel Oliveira neste seu texto não imita a legião de tontos que anda para aí a criticar a atitude da CDU em Loures mas, nunca por nunca ser, adianta o que acha que devia ser feito para superar a situação de maioria apenas relativa.
Na verdade, sobre isso, escreve Daniel Oliveira: «A alternativa a isto não é o monolitismo político. São assembleias
municipais com muitíssimo mais poder do que hoje, onde a oposição possa
exercer a sua função e onde se constituam as maiorias que suportam o
executivo, dirigido pelo presidente eleito. Com algumas diferenças,
deveria ser como acontece no governo do País. Há governo e oposição e
eles não se confundem.»
Ora, a este respeito, importa salientar o seguinte:
1. Como não é possível estabelecer um sistema só para situações de maioria relativa, o que esta proposta de Daniel Oliveira significa é que ele se vêm, a meu ver escandalosamente, encostar-se à proposta do PS então dirigido por António Guterres, velha já de 17 anos, de acabar com a eleição directa da Câmara Municipal, de formação de executivos monocolores a partir da Assembleia Municipal, que retirariam aos cidadãos o direito que têm desde 1976 de escolher os vereadores que os representem na Câmara Municipal mesmo que venham só a exercer funções de fiscalização e não o exercício de pelouros.
2. O que é verdadeiramente extraordinário é que Daniel Oliveira acabe assim por conceber a Assembleia Municipal como uma espécie de instância purificadora ou «o omo que lava mais branco». Ou seja, nas negociações directas entre partidos para resolver o problema da governabilidade das câmaras, ele vê os piores negócios e as mais detestáveis consequências, mas tudo isso feito nos bastidores ou à luz do dia das Assembleias Municipais já seria um oceano de decência, inocência e isenção.
E, por fim, só quero anotar que Daniel Oliveira, no truque injustamente generalizador, escreve também que «O sistema atual promove a traficância de cargos, o
silenciamento de divergências, a diluição de responsabilidades
políticas, a inexistência de controlo democrático e, porque não dizê-lo,
a promoção da mais desbragada prostituição política.»
Também aqui o encosto a afirmações antigas de Guterres é tão grande que, em grande medida, a minha resposta a Daniel Oliveira, está de algum modo ímplicita na crónica que escrevi no Avante! em 25 de Maio de 2000 e que rezava assim:
Diga
quem são
Talvez
alguns
leitores possam achar que as coisas já estão claras, e que não
vale a pena bater mais na malfadada proposta do PS de alteração do
sistema eleitoral para as autarquias.
Mas
como, nesta matéria, o Secretário-geral do PS anda numa verdadeira
cruzada em que, de cada vez que abre a boca, não responde seriamente
a nenhuma das críticas e sempre adianta mais umas desavergonhadas
mistificações, talvez seja mais prudente pensar que só se perdem
as que caírem no chão.
Com
efeito, António Guterres declarou
no passado domingo que «o
actual sistema de gestão municipal gera uma grande perversão e
promiscuidade, com vereadores da oposição com pelouros e mandatos
remunerados, o que os leva a não fiscalizar a acção da Câmara,
porque estão comprometidos com o poder» e
que, em consequência,
«estas maiorias não são claras nem transparentes».
Ora
a primeira observação que este juízo absolutamente temerário
impõe é que, estando A. Guterres a falar de «maiorias
que não são claras»,,
só pode estar a referir-se às situações de maioria relativa de um
partido, as quais apenas se verificam em 10% dos municípios
existentes, o que, só por si, circunscreve consideravelmente a
alegada gravidade do problema por si agitado e põe em evidência o
absurdo de, por causa de supostas situações muito localizadas,
dinamitar completamente um sistema que, globalmente, tem funcionado
bem, desde há 24 anos.
Por
outro lado,
talvez o Secretário-geral do PS não tinha medido de forma precisa e
sensata as consequências do que afirmou. É que das duas três : ou
o PS, onde detém a maioria, compra vereadores de outras forças
políticas com pelouros e mandatos remunerados, ou vereadores do PS
deixam-se comprar pelos partidos maioritários noutros lados, ou
ambas as coisas.
Em
qualquer caso, o que seria útil, construtivo, transparente e
muitíssimo mais moralizador que a sua proposta de lei era que o Eng.
Guterres, em vez de disfarçar de Zorro em luta contra a «perversão»
e a «promiscuidade»,
nos contasse quem são, com nomes de pessoas e de concelhos, os
eleitos do PS que, politicamente, corrompem outros ou por outros se
deixam corromper.
E
se não fosse pedir de mais ao Eng. Guterres, o que ele
verdadeiramente teria de explicar é porque é que, mesmo admitindo
que pudesse haver situações como a que descreve em que vereadores
da oposição não fiscalizam devidamente, a grande solução estaria
num novo sistema em que os muitos que hoje fiscalizam seriam
impiedosamente corridos das vereações municipais, onde - a bem de
uma combativa fiscalização, como é bom de ver - só ficariam
vereadores da mesma cor política, aí sim a praticarem em família
as outras mais rendosas perversões e promiscuidades que bem se sabe.