16 abril 2019

Generalizações abusivas

Um dos meus muitos
combates perdidos

No editorial do «Público» de ontem, o director Manuel Carvalho escreveu sobre «O Parlamento à deriva», assinalando desde logo que «os deputados da comissão de transparência» depois de «mil dias sem aprovar qualquer diploma (...) assumiram finalmente o papel de regenerar por via de lei os defeitos dos deputados, a falta de decoro do governo ou a ausência de norte da oposição». E que «ao fazê-lo a reboque do clamor público, os representantes  da nação deram de si o bom sinal de que não vivem num mundo isolado; mas, ao legislar à pressa os deputados colaram ao Parlamento a sua própria inconstância, o seu nervosismo ou a sua irresponsabilidade.   E que «depois de o governo se assumir como um clã familiar, o PS (e os demais) lá se preparam a correr para apagar o fogo da indignação cidadã».

Entre milhares de outros exemplos ao longo de quatro décadas, ora aqui está mais um exemplo acabado e gritante  das generalizações abusivas.

Com efeito, a comissão de transparêncisa e a marcha dos seus trabalhos (ou ilusões) são obra do PS e PSD e o PCP não teve nada que ver com isso.

Por outro lado, o PCP, pela voz de António Filipe na RTP/1,  foi dos primeiros a salientar que questões de ética e de bom senso (como era o caso) dificilmente se poderiam resolver por via de uma nova lei.

Mais: o PCP opôs-se à legislação acordada entre PS e PSD sobre os lobbies e criticou veementemente o acordo  entre PS e PSD para anular as incompatibilidades de deputados que também são advogados.

Melhor do que ninguém sei que esta é uma batalha perdida. Mas isso não me pode impedir de denunciar pela milésima vez este truque, a modos de declaração para a acta.

Vão-se catar !
                             
    E permitam-me recordar
 que, sobre este tema,
espingardeando contra
Clara Ferreira Alves,
já há 21 anos eu escrevi isto:
Caprichos de uma pluma

Ao lermos, no último «Expresso», a crónica que Clara Ferreira Alves escreveu sobre «os senhores deputados», demos connosco a pensar que os autores de diatribes contra «a Assembleia» ou «os deputados» escrevem sempre, não apenas no pressuposto do sucesso fácil, mas sobretudo na certeza da dificuldade de alguém poder fazer a «defesa» da «Assembleia», isto é do órgão e de todas as suas decisões ou atitudes ou dos «deputados», isto é, de todos os deputados.
E isto porque a maior parte destes autores gostam muito de esquecer que a Assembleia da República é o único órgão de soberania de composição plural, pelo que, em geral, o seu pior e o seu melhor se ficam a dever, não tanto à instituição em si, mas às maiorias que nela se formam e às forças políticas que nela intervêm.
Entre outras coisas, pretexto à parte, o que impressiona na colecção de «clichés» tranquilamente repetidos pela cultíssima Clara Ferreira Alves é que ela não se tenha dado conta que quase tudo o que diz sobre a AR, longe de resultar de um esforço sério para saber quem faz o quê, como e em que circunstâncias, resulta sobretudo da «imagem» produzida pelos critérios que os «media» usam na cobertura dos trabalhos parlamentares.
E impressiona também que CFA acuse o discurso parlamentar de não pretender «alcançar mais do que o «soundbite» do telejornal e o subtítulo de jornal» e, quatro linhas à frente, já esteja a perguntar se «alguém se lembra, a propósito do aborto, da regionalização ou da famosa Europa, de uma frase, um sentido de voto,(...) determinados com clareza e sapiência na AR?», ou seja, já esteja no fundo a pedir mais e melhores«soundbites».
CFA nem sequer repara como seria cruel e injusto que alguém quisesse julgar as suas crónicas, em geral de indiscutível qualidade, com uma pergunta do género « alguém se lembra de alguma coisa inesquecível que, em 1998, tenha sido escrita na "Pluma Caprichosa"?»

Talvez Clara Ferreira Alves nunca o perceba ou nunca o reconheça, mas a sua crónica sobre «os senhores deputados» padece afinal da mesma superficialidade, da mesma demagogia e da mesma vacuidade que julga ter fustigado no que de pior ocorre de facto na vida parlamentar.
É que nós conhecemos um grupo parlamentar que, com apenas 13 deputados, consegue quase todos os anos ser o mais activo e o que apresenta um maior número de iniciativas legislativas. Nós conhecemos um grupo parlamentar, por sinal o mesmo, que honestamente ninguém poderá acusar de mergulhado na demagogia ou na «chalaça politiqueira» ou de passar o tempo «chupando os dentes de fome de poder», porque é incontestável que se alinha por assinaláveis padrões de seriedade e sobriedade e é bem conhecido por, quando muito, afiar os dentes por fome de justiça.

Conhecemos mas não dizemos o seu nome. Porque ficamos à espera que seja Clara Ferreira Alves a dizê-lo.
E se e quando o fizer, terá dado então uma contribuição para punir o que merece ser punido e mudar o que precisa de ser mudado na vida política e parlamentar do país mil vezes superior à da sua cómoda crónica sobre 
«os senhores deputados» e à dos seus equivocados suspiros por «uma revisão completa do sistema eleitoral». — Vítor Dias



«Avante!» Nº 1307 - 17.Dezembro.1998 

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