08 agosto 2022

A não perder

 O escândalo da arbitragem

(...) +Assim, o escândalo continua. Que os privados possam recorrer a meios alternativos de resolução de litígios que os envolvam, recorrendo à arbitragem para dirimir conflitos entre si, é um problema entre privados que podemos aceitar sem dificuldade.

Coisa muito diferente é ser o próprio Estado a não resolver a situação caótica dos tribunais administrativos e fiscais e depois aceitar submeter os diferendos entre si e grandes grupos económicos a uma arbitragem blindada, secreta, mas em que o campo parece sempre inclinado contra os interesses do Estado e a favor dos interesses privados dos litigantes e porventura dos próprios árbitros.

Em nome da mais elementar decência na gestão dos recursos públicos é preciso acabar com este escândalo. Não é admissível que alguém afirme a sua vontade política de combater a corrupção e feche os olhos perante o verdadeiro esbulho de recursos públicos que representa a admissibilidade do recurso à arbitragem para dirimir litígios decorrentes da contratação pública.Em nome dessa decência, deveria ser o próprio Governo a proibir todas as entidades sob sua tutela de assumir compromissos arbitrais. Poderia e deveria fazê-lo, mas independentemente disso, a Assembleia da República tem a obrigação de legislar sobre esta matéria. Assim todos assumam as suas responsabilidades.(...)`

António Filipe aqui no Expresso`


01 agosto 2022

A verdade sobre uma campanha vergonhosa

"Quem não gosta da Festa,
bom sujeito não é"

Quem não gosta do samba/bom sujeito não é
ou é ruim da cabeça/ou doente do pé

Dorival Caymmi ("Samba da minha terra")

«(...) Neste ano de 2022, a campanha contra a Festa tem uma nova faceta e, diria eu, que às vezes ainda sou ingénuo, impensável, que é o autêntico bullying, e até ameaças diretas, de que são vítimas os artistas que vão participar, o que obrigou alguns deles, muito justamente, a defender-se publicamente e outros a aceitar submeter-se a entrevistas em modo de interrogatório policial de quem já vai condenado à partida. Claro que não faltaram, para animar a narrativa, artistas que não foram convidados a dizer que não participariam se tivessem sido, ao modo da fábula da raposa que, por não chegar às uvas, dizia, “são verdes e não prestam”.

Tudo visto e ponderado, o que move os detratores da Festa? É haver música sinfónica? É haver centenas de artistas, dos mais aos menos consagrados, a participar em vários palcos? É o teatro, o cinema, os livros e os discos? É o desporto ou a Ciência? É a gastronomia? Nada disso. Ao atacar a Festa atacam quem nela participa e o que nela se faz. Não hesitam em atacar e denegrir grandes músicos e cantores. Não hesitam em atacar a Cultura, a Ciência, o Desporto que tenha presença na Festa. Mas o móbil é o ódio.

O que de mal tem a Festa para os seus detratores é ser a Festa do Avante. É ser uma grande realização construída pelo PCP, não apenas para os seus, mas para todos os que nela queiram participar e a um preço relativamente acessível. Num tempo em que o espaço público e mediático se instala um discurso de ódio e o anticomunismo faz parte do livro de estilo, a Festa do Avante é um inimigo a abater, e tanto mais poderoso que não se deixa abater. (...)»

António Filipe aqui no «Expresso»

30 julho 2022

Protecção e encobrimento

 O que esta frase quer dizer


Não há volta a dar-lhe: o que D. Manuel Clemente nos vem dizer é que, face a casos de abusos sexuais sobre crianças e jovens praticados  no seio da Igreja, o padrão antigo era a ocultação, o silêncio cúmplice e um espírito de protecção próprio de seitas. Estamos conversados. E ainda por cima temos um Presidente da República que logo se apressa a pôr as mãos no fogo por quem afinal assim veio revelar que também ele se terá guiado pelos padrões antigos.

23 julho 2022

A propósito de um crápula


Carmo Afonso dá^
 uma liçao a Milhazes

«/(.)Retirar consequências políticas da presença no cartaz, e num tema tão polarizador como a guerra, não é sério e não é justo. Milhazes quer rebaixar o PCP à categoria de partido repulsivo e faz campanha pública nesse sentido. Sucede que, se fosse bem sucedido nessa demanda, não era a Rússia ou Putin que ficariam a perder; seriam os trabalhadores portugueses, a esquerda de um modo geral e a própria democracia.

Não se deve levar a mal porque estes episódios já são a festa. Aconteceu também no ano passado, mas com a pandemia. Houve o terrível escândalo de se atreverem a realizar o evento e de terem autorização para o efeito. Muita tinta correu. Recorde-se que fizeram tudo de forma organizada e exemplar. E que não houve notícia de qualquer surto. Recorde-se também que havia pessoas de grupos de risco a participar. Ou seja: recorde-se que, no fim, deram uma lição de como fazer as coisas bem feitas.(...)» ( No «Público»)

Coragem e lucidez

 Miguel Sousa Tavares
no último «Expresso»

«O problema do pensamento único imposto a tudo o que respeita à guerra na Ucrânia — incluindo a informação reportada e a que é escamoteada, a unilateralidade da cobertura da guerra e a falta de contraditório de cada vez que há alguém importante à frente de um microfone — é que ele não apenas distorce necessariamente a verdade dos factos, em Lisboa como em Moscovo, como também pode prestar um mau serviço à causa que se quer servir. Vou dar apenas dois exemplos.

Em Mariupol, na fábrica Azovstal, durante dois meses relatou-se que 2 mil civis estavam encurralados dentro das instalações porque os russos, que cercavam a fábrica, impediam a sua saída em segurança — o que estes negavam. Mas bastou que António Guterres fosse a Moscovo falar com Putin e a seguir mandasse uma delegação da ONU a Mariupol e, em dois dias, todos os civis saíram em segurança para a Ucrânia. Afinal, e como era fácil de adivinhar, estavam, sim, reféns dos combatentes ucranianos do Batalhão Azov, entrincheirados dentro da fábrica e que só os deixavam sair utilizando-os como escudos, para não terem de se render aos russos. Agora a cena repetiu-se com as toneladas de cereais ucranianos retidos no porto de Odessa, porque, segundo os relatos do lado ucraniano e “nosso”, os russos não os deixavam exportar, “utilizando a fome como arma de guerra” — coisa que, como garantiu um exaltado político ocidental, decerto absolutamente ignorante de História, nunca antes tinha sido vista. Mas bastou que a ONU entrasse mais uma vez em cena, que os turcos se oferecessem como mediadores e que todas as partes garantissem aos russos que os navios que irão buscar os cereais não levarão na ida armas para os ucranianos para um acordo estar iminente. Afinal, os russos negoceiam, mesmo que o acordo apenas interesse à Ucrânia e mesmo que, entretanto, a brava Lituânia, invocando as sanções europeias à Rússia, tenha ameaçado pôr tudo em causa, boicotando a passagem pelo seu território de mercadorias provenientes da Rússia para o seu enclave de Kaliningrado — ou seja, da Rússia para… a Rússia!»

Em ambos os casos, no mínimo, perdeu-se tempo e acumularam-se danos, não resolvendo situações que se poderiam ter resolvido antes se a prioridade não fosse fazer passar por verdade a propaganda que interessava.