Multinacionais e ditaduras
Brasil - quando Volkswagen
colaborava com a ditadura
Sem reconhecer a sua própria responsabilidade,
a construtora alemã aceitou entregar
«doações» a antigos empregados"
(artigo traduzido da revista francesa "L´Express" de 12.11.2020)
«Durante muito tempo tudo aquilo esteve-lhe «atravessado na garganta». Mas hoje Neide Plagge diz-se «aliviada»: Volkswagen vai finalmente pagar por Heinrich, seu marido, vítima da colaboração do construtor alemão com a ditadura militar do Brasil, que durou de 1964 a 1985.
Em 8 de Agosto de 1972, Heinrich Plagge, filho de imigrantes alemães, encarregado de controlo de qualidade na fábrica de S. Bernardo do Campo, foi convocado pelo seu superior. No gabinete do seu chefe esperam-no dois homens da polícia política. Seis membros da célula comunista, à qual pertencia, e ele serão presos. Detido e torturado, Heinrich Plagge é libertado quatro meses mais tarde e depois despedido sem indemnização. Colocado numa lista de individuos «subversivos», ele nunca mais encontrou trabalho., denuncia hoje a sua viúva. Quase meio século depois, em 23 de Setembro último, a filial brasileira de Volkswagen (que não quis responder às nossas solicitações) comprometeu-se a conceder reparações individuais e colectivas, em troca do arquivamento do inquérito sobre o seu papel durante a ditadura. Cerca de 60% do envelope anunciado, 50 milhões de euros no total, irão para as vítimas ou familiares que a isso tenham direito. O resto financiará iniciativas como o trabalho de identificação de ossadas de dissidentes desaparecidos ou a criação de um memorial da resistência operária, a grande esquecida da época da ditadura.
É o resultado de uma dificil negociação de 32 meses com a Procuradoria brasileira.(...) Em 2014, a Comissão Nacional de Verdade - CNV (com a missão de fazer luz sobre os anos de chumbo) publica as suas conclusões e levanta o véu sobre um aspecto desconhecido da ditadura: a cumplicidade entre o regime e as empresas, juntos mobilizados contra o «perigo comunista», com o patronato funcionando como denunciante por conta dos militares. A mecânica está bem oleada. De um lado, a junta militar abole o direito à greve e comprime os salários, de outro as empresas denunciam, despedem e estabelecem a lista negra dos assalariados empenhados numa actividade política ou sindical. A fábrica torna-se um campo privilegiado de repressão(...).
Segundo a CNV, certas multinacionais, entre as quais Johnson & Johnson, Pfizer e Pirelli, assim como empresas barsileiras oferecem o sei apoio logístico ao Exército na altura do goçpe de Estado de 31 de Março de 1964. Outras contribuiram para o financiamento de um dos principais xcentros de interrogatórios e torturas.: Ford, General Motors, Mercedes Benz, Siemens, Nestlé, General Electric. Mas é sobre o caso Volkswagen cuja cooperação com o aparelho policial «é atestado por uma profusão de documentos» que se demora o relatório final da CNV- (...)
Quado uma queixa foi apresentada na Procuradoria em 2015,a marca alemã que se apresenta agora como «a primeira empresa estrangeira a defrontar o seu passado sob a ditadura» parecia de inicio pouco empenhada em colaborar. (...)Mais tarde, em 2018, finalmente a Volkswagen do Brasil não reconhece «responsabilidades próprias» nem «dos seus dirigentes ou empregados» , comprometendo-se porém a dar não «reparações» mas «doações». «A ausência de reconhecimento de culpas visa evitar futuras acções judiciais, nomeadamente no estrangeiro » - desvenda o advogado Habib Nassar, especialista de justiça transicional junto da ONG Impunity Watch , sediada em Haia. (...) O acordo entre a Procuradoria brasileira e a Volkswagené uma maneira de contornar este obstáculo [ a lei de aministia de 1979, ainda em vigor » ].