«ARTES PLÁSTICAS - No
ano em que se realiza a 20.ª bienal, também a exposição de José Araújo,
que entre muitos outros ofícios foi gráfico do Avante! desde Maio de
1974 até finais da primeira década do século XXI, promete surpreender.»
«A
exposição é composta por cerca de 40 obras que têm a colagem como
elemento central. Mas como revela Francisco Palma, um dos responsáveis
pelo espaço das artes plásticas na Festa do Avante!, os vários
trabalhos, organizados por séries, remetem para diferentes técnicas e
abordagens: do informalismo ao surrealismo, da arte pop ao
expressionismo e ao dadaísmo. Em comum a todos eles, acrescenta, o olhar
atento e crítico do artista ao mundo que o rodeia: «praticamente todas
as obras têm um elemento, por vezes quase subliminar, de profundo
conteúdo, que remete para temas como a arte, a política ou a religião.»
O
autor, por seu lado, realça que as obras que estarão em exposição (como
tantas outras que produziu ao longo de décadas) resultam do hábito de
aproveitar as pausas entre trabalhos e os tempos mortos para criar, a
partir de suportes e materiais «que estão ali à mão», e como forma de
aliviar a tensão – outros, lembra, fumavam ou iam ao café... O estirador
é o local onde tudo nasce e pelo menos desde O Século, para onde foi trabalhar em 1965, que assim é. A escala dos trabalhos é a do próprio estirador.
Nessa
altura, lembra, era nos intervalos entre a paginação do jornal e a
produção de folhetos publicitários (e também de alguma propaganda
clandestina ou semi-clandestina) que surgia o impulso criador, entre
jornais e revistas, canetas e tintas, tesouras e cola.
E
assim se manteve a seguir ao 25 de Abril, e durante muitos anos, já na
redacção do Avante!. Mudou a intensidade da vida e a multiplicidade das
tarefas, às quais se somou a concepção de inúmeras capas de livros e
cartazes políticos. Num momento em que tudo era feito à mão, em folhas
de papel e mesas de luz, era nos materiais sobrantes de todos os
trabalhos que realizava que José Araújo encontrava a matéria-prima das
suas criações.
Hoje,
muito embora domine os programas informáticos, que utiliza para os
trabalhos gráficos que recorrentemente lhe solicitam, continua a ser no
estirador (que permanece tão desarrumado e cheio de potencialidades como
antes, confessa) que José Araújo dá asas à sua criatividade e continua a
observar o mundo com o seu olhar crítico e transformador.
Um feliz acasoA
exposição de José Araújo que estará patente no espaço das Artes
Plásticas, junto à bienal, nasceu por acaso. O caso conta-se em breves
palavras e é revelador da personalidade do artista. Há dois anos, em
plena campanha de fundos para a aquisição da Quinta do Cabo, José Araújo
entregou ao Partido várias obras para que fossem vendidas na banca da
Festa do Avante! e dessa forma permitissem angariar algum dinheiro. Na
sua maioria, esses trabalhos foram realizados nas semanas e meses
anteriores, durante a concepção dos vários materiais que ainda hoje
produz para a Festa.
Quem
não esteve pelos ajustes foi o grupo de trabalho das artes plásticas,
que se apercebeu da qualidade artística dos trabalhos que tinha entre
mãos. «Não podíamos deixar que aquelas obras fossem vendidas, pelo menos
sem que antes as mostrássemos», afirmou Francisco Palma. O próprio
autor só soube da intenção de se organizar uma exposição das suas obras
algum tempo depois e por telefone.
Para
além desta mostra, José Araújo já participou em várias edições da
Bienal da Festa do Avante!, sempre recorrendo a pseudónimos que nem a
própria organização do certame conhece. Tal como nessas ocasiões, José
Araújo também não quer receber nada por eventuais vendas das obras
patentes nesta exposição em nome próprio. Por uma questão de princípio,
desde logo, mas também porque foi sua intenção desde o início que elas
contribuíssem para a recolha de fundos para o Partido.
Da criança que «fazia bonecos» ao mestre gráfico
Desde
criança que José Araújo revelou especial talento e apetência para as
artes. Dele diziam, na escola, que «não sabe fazer nada, só faz
bonecos». A preocupação dos pais e a sensibilidade de um professor
levam-no à António Arroio, à data a única escola mista de Lisboa, onde
se cruzavam não apenas rapazes e raparigas, mas também jovens de origens
sociais muito diversas: «Havia de tudo, da rapariga que ia para a
escola no Cadillac do pai aos filhos dos proletas», recorda.
Na
escola foi várias vezes recrutado para trabalhar em exposições – «as
letras nos expositores eram feitas à mão e eram os putos da António
Arroio que as pintavam» – e uma vez terminada a escolaridade trabalhou
dois anos no Parque Mayer e depois numa oficina gráfica. Foi aqui que,
pela primeira vez, leu o Avante! clandestino, escondido dentro do jornal
desportivo que normalmente se encontrava na casa de banho.
A guerra colonial interrompeu-lhe a carreira, que prosseguiria mais tarde no prestigiado jornal O Século e na revista O Século Ilustrado.
Paralelamente funda, juntamente com o amigo de infância e companheiro
de ofício Luís Filipe da Conceição, o Centro Gráfico Maria Machado,
criado em 1969 pela necessidade de se assumir a paternidade de um cartaz
da Comissão Democrática Eleitoral/CDE, da autoria de ambos.
Se
em todos os locais onde trabalhou recolheu ensinamentos essenciais para
o seu trabalho, José Araújo procurou também passá-los a outros, mais
jovens. Para todos ficou conhecido por Mestre Araújo – como um dia lhe chamou um quadro de uma empresa de artes gráficas, que o reconheceu décadas depois da sua passagem pelo jornal O Século como
aprendiz: «sou o Pedrinho», afirmou, procurando (com sucesso) apelar à
memória do seu antigo mestre. Esta passagem de ensinamentos entre
gerações e a ligação ao trabalho concreto e aos protagonistas dos vários
ofícios foram elementos centrais da sua formação como profissional e
artista.
José Araújo fez parte da equipa que editou o primeiro Avante! legal,
lançado a 17 de Maio de 1974 e que vendeu meio milhão de exemplares.
Nem o próprio saberia então como a sua vida ficaria tão marcadamente
ligada ao órgão central do Partido Comunista Português, do qual foi não
apenas um destacado obreiro como empenhado mestre dos que desde então
desempenham o ofício que era seu.» (aqui)
Os membros do Centro Gráfico Maria Machado : Baltazar, José Araújo e Luís Filipe da Conceição.