14 março 2016

E não é a primeira vez

Quem é o autor das frases 
«comunistas» sob fundo amarelo ?
«Porque não nos esquecemos que gastou uma década inteira a fazer invariavelmente uma perversa campanha contra “os políticos” e “a política” sempre protegido pela insistente rábula de que, na chefia do governo, era apenas um submisso escravo do interesse nacional e um economista e professor universitário que só o destino, o acaso ou o amor ao país tinham empurrado para a vida política.»

( V.D., em 2006, aqui)
___________________________
"Porque não nos esquecemos que, na década em que governou o país, se aplicaram centenas de milhões de contos oriundos de fundos comunitários em formação profissional e hoje ainda se continua a identificar como um sério problema a qualificação da mão-de-obra nacional."
( V.D., em 2006, aqui)
__________________________

__________________________________________________
(o PCP centenas de vezes) 
_________________________


__________________________________________________
(o PCP, centenas de vezes, desde 1998)
"Bem sabemos que nada disto é susceptível de ofuscar, cá dentro ou lá fora,  a cintilante «festa do euro». Nem mesmo a lembrança dos 20 milhões de desempregados ou dos mais de 50 milhões de pobres a quem as instâncias desta «construção europeia», de vez em quando, costumam dedicar uns relatórios, uns seminários e uma boas e santas palavras.

Sim, nada conseguirá estragar esta magnífica «festa do euro» nestes primeiros dias de Maio de 1998.
Afinal, os grandes oficiantes desta «festa» e os grandes interesses económicos e financeiros que a comandam sabem que, se muita coisa correr para o torto, não serão nem eles, nem as suas vidas, nem o seu trabalho a sofrer as consequências. Serão tão só os do costume."
 _V.D., no "Semanário" de 15.9.98__________________________

Resposta: 
nem mais menos que 


Também eu quero muita coisa

Cristas ou Cristo ?


12 março 2016

Sequelas do pós-4 de Outubro em Portugal

17 anos depois, o Expresso 
volta ao «Arquivo Mitrokhin»


Publicitada com grande espalhafato na sua primeira página, o Expresso dedica hoje grande da sua revista para remexer nos chamados «arquivos Mitrokhin» com o objectivo óbvio de difamar e enxovalhar o PCP e em que não faltam desde velhas estórias da carochinha como o «desvio de documentos da PIDE para Moscovo» (uma página inteira), os financiamentos ao PCP, a história já uma vez inventada por Zita Seabra de que o filho de Costa Gomes ( a mentiraZita disse mesmo que o Presidente Costa Gomes era membro do PCP) influenciava o pai a favor do PCP e da URSS) e tudo isto e mais com todos os ingredientes de sofismas, truques e falsidades que de há muito são genéticas nas provocações anticomunistas que o desfecho político-governativo pós- 4 de Outubro veio obviamente  agudizar.

Sobre esta operação, ainda com risco de cansar os leitores, quero  salientar selectivamente o seguinte:

Informação de base (fonte Wikipedia):«O Arquivo Mitrokhin é uma colecção de manuscritos copiados pelo major Vasili Nikitich Mitrokhin (1922 - 2004) durante os anos de serviços prestados como arquivista no KGB. Mitrokhin manteve os documentos secretos escondidos sob o soalho da sua datcha até 1992, quando fez contacto com o Serviço Secreto de Inteligência britânico para quem entregou as cópias. Os documentos foram transformados em livro pelo historiador Christopher Andrew, escritor e académico britânico.[ e colaborador do MI 6]


A primeira parte do livro f0i publicada no Reino Unido em 1999, e foi escrito por Christopher Andrew e Mitrokhin, A segunda parte do livro foi publicada em 2005, quando Mitrokhin já tinha morrido, produzindo finalmente o Arquivo Mitrokhin. Ao ser interrogado pelo Comité de Espionagem e Segurança do Reino Unido en 1999, Vasili Mitrokhin disse que não estava contente com  o modo como o livro tinha sido sido publicado, e disse que sentía que não tinha conseguido o propósito que tinha quando decidiu escrever as notas. Ele disse que tinha desejado ter tido «controlo completo sobre a utilização do seu material".


 Importa desde logo chamar a atenção para que o «Arquivo Mitrokhin» não se sustenta em qualquer base documental autêntica pois apresenta-se como constituído por alegadas cópias manuscritas pelo próprio de milhares de documentos internos do KGB e que, depois do seu «negócio» com os serviços secretos britânicos, foram por estes traduzidas e dactilografadas. Ou seja, «negócio fechado», tanto Mitrokhin como os serviços secretos britànicos puderam muito bem inventar todas as fichas que lhes apeteceu ou consideraram útil para os seus fins. De registar que a peça do Expresso, confirmando que nas fichas de Mitrokhin só aprecem nomes de código, nunca nos explica como foi feita (e por quem) a sua conversão em nomes reais.

A propósito da fiabilidade desta documentação perguntava em Abril de 20o1 a American Historical Review :

« Mitrokhin si descrisse come un solitario con una crescente opinione anti-sovietica... Potrebbe forse un simile personaggio sospetto (dal punto di vista del KGB) realmente essere stato libero di trascrivere migliaia di documenti, contrabbandarli fuori dalle sedi del KGB, nasconderli sotto il suo letto, trasferirli nella sua casa di campagna, nasconderli nei contenitori del latte, fare numerose visite alle ambasciate Britanniche all'estero, fuggire in Gran Bretagna per poi tornare in Russia e trasportare tutti quei voluminosi documenti nuovamente in occidente, tutto questo senza destare l'interesse del KGB?... certo, potrebbe averlo fatto. Ma come possiamo saperlo?
Relata a Wikipédia que «In 2002 the Italian Parliament, then led by Silvio Berlusconi's right-wing coalition, the Casa delle Libertà, created a commission, presided over by Senator Paolo Guzzanti (Forza Italia) to investigate alleged KGB ties to opposition figures in Italian politics. The commission was shut down in 2006 without having developed any new concrete evidence beyond the original information in the Mitrokhin Archive. However, former FSB officer Alexander Litvinenko said that he had been informed by FSB deputy chief, General Anatoly Trofimov (who was shot dead in Moscow in 2005), that "Romano Prodi [???!!!] is our man [in Italy]". Sobre a Itália é ainda de referir que um dos visados foi o destacado dirigente do PCI Armando Cossuta que uma ficha de Mitrokhin revelava ter-se encontrado às tantas horas de tal dia com o Embaixador da URSS em Roma. Cossuta matou assunto declarando apenas qualquer coisa do género: «Extraordinária revelação e grande novidade essa de que me encontrei com o embaixador soviético !»

Sobre o alegado desvio - atribuido ao PCP por uma velha campanha então animada por Pacheco Pereira  - de documentos da PIDE para a URSS, para além de referir que o tema está tratado  entrevista de Álvaro Cunhal em 1994 ao Avante! que «linkarei» mais à frente não tenho outro remédio se não republicar o seguinte texto que publiquei no Avante! de 25.11.1999:

Os arquivos da Pide e de novo as provocações contra o PCP
Toneladas de
calúnia e provocação

Não apenas por falta de espaço mas sobretudo porque seria emporcalhar as páginas deste jornal, poupamo-nos a aqui reproduzir os recentes títulos e ilustrações de primeira página em torno do tema geral «O PCP ajudante do KGB» que, só por si, bastariam para evidenciar que aí está outra vez na imprensa portuguesa um fétido refogado de velhas calúnias e provocações contra o PCP e onde avultam aquelas torpes e ignóbeis qualificações individualizadas das quais, com razão, se costuma dizer que não ofendem quem querem porque só desonram e degradam os seus autores.
E é assim que, desta vez a pretexto de umas fantasias constantes do livro de um ex-arquivista do KGB que resolveu fazer-se pagar-se em dólares ou libras pela sua conversão, aí está a reposição no essencial da revoada de caluniosas acusações contra o PCP e os comunistas portugueses que, para não ir mais atrás, tiveram largo curso mediático no Outono de 1994, então em torno das alegadas «revelações» contidas no livro do espião Oleg Kaluguin, também ele convertido em assalariado das campanhas anticomunistas.
E é assim que é ressuscitada a calúnia do envolvimento do PCP na alegada entrega ao KGB dos «arquivos da PIDE» ( na versão de 94 exigindo o recurso a um camião e, na de 99, identificados rigorosamente pelo peso - «474 quilos») bem como de outra vastíssima documentação, umas vezes identificada como «planos militares da NATO» e outras vezes reportada às relações da PIDE com serviços secretos ocidentais.
Aos animadores portugueses desta campanha (entre os quais a revista «Visão» dirigida por Cáceres Monteiro que, se bem nos lembramos, há uns anos arrumou expeditamente na prateleira do «já sabido» e das inutilidades o explosivo livro de Rui Mateus sobre o PS), nada importa a não ser o manter viva a calúnia, a suspeição e a provocação contra o PCP.
Sem memória, nem escrúpulos nem ponta de seriedade, pouco lhes importa reter, entre muitos outros exemplos de ridícula efabulação, que, na operação de 94, o Sr. Kaluguin até se gabou de ter obtido «a lista dos agentes portugueses da PIDE» e de ter sido o «Expresso» (8.10.94) a cometer a infinita maldade de lembrar que essa lista tinha sido editada em Abril de 1975... pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda!
Pouco lhes importa a forma muito céptica ou incrédula, quando não frontalmente discordante  como responsáveis militares pela Comissão de Extinção da PIDE-DGS [como o Cor. Sousa e Castro] sempre negaram uma tal «entrega» de «arquivos» tão volumosa e a natureza que lhes é atribuída nas «notícias« divulgadas.
Pouco lhes importa que tenha sido o insuspeitíssimo General Pedro Cardoso a contar, em artigo em separata da revista «Nação e Defesa», que «Em Agosto de 1974, o membro da Junta de Salvação Nacional responsável pela Comissão de Extinção da PIDE/DGS inquiria à 2ª Divisão do Estado Maior General das Forças Armadas se haveria algum interesse no ficheiro ou arquivo daquela organização, tendo ficado esclarecido que a únicas coisa que teria interesse , e que deveria ser objecto de um tratamento muito especial, eram os documentos respeitantes aos contactos estabelecidos pela Direcção-Geral de Segurança com as polícias e serviços similares estrangeiros, que a lei aliás previa. Tal documentação passou a partir desta altura a beneficiar de um tratamento adequado.»

Sobre a questão dos financiamentos ao PCP é verdadeiramente chover no molhado quando é sabido que, também numa entrevista ao Avante! (não disponível online, portanto anterior a 1996) Álvaro Cunhal assumiu honrada e frontalmente que o PCP, (tal como outros partidos de outras fontes, é ler «Os Contos Proibidos do PS» de Rui Mateus)), tinha recebido também depois do 25 de Abril solidariedade material e financeira de alguns partidos comunistas no poder, acrescentando porém que só revelaria os detalhes quando os outros partidos também o fizessem.
Verdadeiramente significativo é que haja centenas de prosas dando corda total ao arquivo Mitrohkin, sem que ninguém se lembre de lhe dar algum desconto devido ao facto, humanamente compreensível, de os espiões colocados ou a agir noutros países precisarem de «mostrar serviço» a quem lhes paga.
Sobre o ponto que mais pretende ferir e agredir a honra e a dignidade do PCP e dos comunistas portugueses, ou seja, a colaboração com serviços secretos estrangeiros, basta-me deixar aqui as palavras firmes, frontais e esclarecedoras com que Álvaro Cunhal abordou o assunto na já citada entrevista ao Avante! em 1994:
O Partido e serviços de informação
«Avante!» - Não é a primeira campanha de calúnias que se desenvolve contra o PCP. Nem é a primeira vez que se diz que os comunistas estão ao serviço do estrangeiro. Era o que diziam os fascistas antes do 25 de Abril e o que também dizem outros actualmente. Na actual campanha, há porém um elemento novo. A referência directa ao KGB (com o depoimento de um seu antigo dirigente, agora afastado e ligado aos Estados Unidos) e a supostas ligações do PCP a serviços de informação. Já disseste que não responderás directamente a afirmações provocatórias. Mas não queres fazer nenhum comentário sobre esta questão?
Álvaro Cunhal - Naturalmente que quero. Não é uma questão menor. Pelo contrário. Relações com serviços de informação é uma questão importante que se coloca a todos os partidos e naturalmente também ao nosso. Em termos de princípios, de orientação e de prática. No PCP essa questão foi e continua a ser inteiramente clara. Pode resumir-se em dois pontos fundamentais. O primeiro: o PCP nunca admitiu quaisquer contactos com serviços de informação, seja de que país forem. O segundo: a ligação, informação ou compromisso com qualquer serviço de informação é incompatível com a qualidade de membro do PCP.
«Avante!» - O Partido soube ou desconfiou alguma vez de que um militante estava ligado a um serviço de informação? No caso afirmativo, que atitude tomou?
Álvaro Cunhal - Com conhecimento comprovado, os casos foram raros. A medida foi a imediata expulsão do Partido. Mesmo em casos de forte e justificada desconfiança a decisão foi a mesma de maneira mais ou menos formal.
«Avante!» - É possível dares exemplos concretos?
Álvaro Cunhal - Esta orientação não é de hoje, Vem de muito longe. Assim, no fim da 2ª Guerra Mundial, em 1945, com a vitória da aliança da URSS-Estados Unidos-Inglaterra-França sobre o fascismo hitleriano, geraram-se ilusões acerca do papel progressista que os Estados Unidos poderiam desde então desempenhar no mundo. Nos próprios Estados Unidos o Secretário-geral do Partido Comunista, Browder, defendeu uma tal orientação e pretendeu impô-la ao partido. No nosso próprio partido, numa reunião do Comité Central em Maio de 1945, um camarada defendeu o browderismo. Tais ilusões abriram condições favoráveis aos serviços de informação dos Estados Unidos (tal como aos da Grã-Bretanha) para procurarem recrutar informadores ou agentes seus entre pessoas de esquerda, nomeadamente em membros do Partido, apesar de o Partido se encontrar na clandestinidade. E conseguiram-no embora em casos raros. Tenho comigo exemplares do boletim do PCP «O Militante» publicado clandestinamente. Nos números de Setembro de 1946 e Janeiro de 1947 podem ler-se resoluções do Secretariado do CC decidindo a expulsão de dois membros do Partido que (por pretenderem aliciar outros) se soube terem tomado tais ligações e compromissos.
«Avante!» - Tratava-se nesse caso de serviços de informação de um país imperialista. O que se questiona por razões óbvias é a eventual ligação ou compromisso com serviços de informação da União Soviética e outros países socialistas.
Álvaro Cunhal - A orientação era a mesma em relação à URSS e outros países socialistas. Antes e depois do 25 de Abril. E continua a ser a mesma. Nós sempre comunicámos a nossa atitude aos partidos comunistas nesses países. Solicitámos mais que uma vez que, estando como estavam no poder, dessem indicações concretas para que os serviços de informações respectivos se abstivessem de procurar informações ou tentar recrutamentos junto de membros do nosso Partido. Naturalmente que o essencial é que um camarada, se detecta junto de si diligências desse tipo, frontalmente as repudie. Mas é bom evitar qualquer contacto, mesmo que ocasional, com pessoas com tais actividades.
Relações com embaixadas
«Avante!» - Essa questão levanta uma outra. O PCP tem relações com missões diplomáticas em Lisboa. Ora estas, pelo menos os grandes países, têm, entre o seu pessoal diplomático, representantes dos serviços de informação cuja missão é obter informações e recrutar informadores e agentes. Tendo o PCP relações com tantas missões diplomáticas em Lisboa, não oferecem tais relações o perigo de serem estabelecidos contactos, mesmo involuntários, com esses serviços de informação?

Álvaro Cunhal - O que dizeis é exacto e esse perigo existiria se não houvesse uma orientação muito clara e firme. Se alguns desses elementos representam oficialmente em Portugal, nas relações com o Governo, os referidos serviços e são geralmente conhecidos, outros ocultam as suas funções. Aparecem como secretários ou adidos militares, culturais ou comerciais. O disfarce não consegue entretanto evitar que muitos acabem por ser conhecidos pelo que são.
Depois do 25 de Abril, o Partido estabeleceu relações com numerosas embaixadas. Dezenas. A da URSS e as de outros países socialistas, mas também as da Grã-Bretanha, França, Alemanha, Suíça, de países africanos, americanos e asiáticos. Convidam para recepções. Houve sempre e continua a haver encontros de dirigentes do Partido com embaixadores. A Secção Internacional do nosso Partido tem contactos mais ou menos regulares com as missões diplomáticas. A nossa orientação é porém rigorosa e cumprida.
«Avante!» - Isso não evita que essas pessoas com funções especiais procurem também tocar gente do Partido.
Álvaro Cunhal - Naturalmente que procuram. Conhecemos muitas tentativas desse tipo. Pela iniciativa de contactos em recepções. Por convites para uma conversa ou refeição. Pela pretensão de estabelecer contactos pessoais sob os mais variados pretextos. Tem havido casos, aliás geralmente conhecidos, de alguns serem muito atrevidos e operativos, como uma jovem atraente de uma certa embaixada, um oficial muito condecorado e sociável de outra embaixada, e numa terceira, um adido de imprensa cujo comportamente precipitado e grotesco era só por si um cartão de identidade. Não sei se os outros partidos têm a mesma atitude e a mesma cautela.
«Avante!» - É muito provável que as explicações que acabas de dar não impeçam que a campanha continue. Para concluir, queres adiantar mais alguma ideia?
Álvaro Cunhal - Só uma: o PCP tem uma orientação clara e segura e a consciência tranquila.

aqui


P.S. : excerto de uma entrevista do Cor. Sousa e Castro aqui :


Porque hoje é sábado (...)

Matt Elliott




A sugestão musical deste sábado vai para
 o guitarrista e cantor britânico Matt Elliot


11 março 2016

Está provado

Os media não têm arquivos !



Em 2006 e 2011 foi assim e  não houve nos media um centésimo do «escândalo» e barulheira que houve agora, nem sequer um editorial do Público. Conclusão óbvia e necessária : as estranhezas e indignações recentes dos media (é só deles que falo) não têm que ver com questões de protocolo ou de boa educação, antes só têm a ver com a sua maior simpatia por Marcelo Rebelo de Sousa.

Elísio Estanque (*) no «Público»

Tudo o que raposões
e raposinhos jamais entenderão


«Estamos em 1960 (ou talvez 1962), no Verão tórrido de um Alentejo desprezado pelo poder salazarista. Abril estava ainda fora daquele horizonte, aberto e amplo mas a vários títulos asfixiante. Uma calma que apenas estremecia à passagem esporádica de um ou outro automóvel com os pneus a guinchar na curva apertada após uma longa reta. Os sons das cigarras rompiam o silêncio e a monotonia daquele território árido, onde o amarelado da paisagem, o restolho seco, era apenas rasgado pelo tapete negro de alcatrão cintilante quase a derreter-se ao Sol abrasador. Mas na berma da estrada começava a vislumbrar-se, ao longe, uma poeira anormal em redor de duas silhuetas que se erguiam lado a lado com alguma coisa por trás. No início poderiam confundir-se com miragens em pleno “deserto” alentejano. Mas não. Eram bem reais. No seu movimento compassado percebi pouco depois que eram cavalos, trazendo atrás de si um homem acorrentado. Cavalos montados por aquela guarda, de farda cinzenta e botas altas, que aterrorizava crianças e ainda mais os adultos, pelo menos os mais conscientes das razões da sua miséria e do sufoco da sua liberdade. Do alto dos seus cavalos brancos estas figuras altivas eram a personificação do poder, em absoluto contraste com o ser miserável, com as mãos acorrentadas, curvado e maltrapilho, a desfalecer de sede. Deram-lhe água, mas só depois de saciar os cavalos no fontanário à beira da estrada. (...)

Aqui


(*) Como será sabido, não poucas vezes tenho discordado de opiniões do sociólogo Elísio Estanque. Mas hoje assinaria opor baixo o seu texto.

10 março 2016

Ora bem

A questão dos aplausos fica
para os unanimistas, eu dou
mais importância a isto




08 março 2016

Há 10 anos, no «Público»

Como "saudei" a chegada
de Cavaco Silva à Presidência
da República 




« (...)E é por isso que queremos escrever preto no branco e claro como a água que não nos sentimos nada felizes nem reconfortados, bem pelo contrário, por ver chegar à Presidência da República uma personalidade como Aníbal Cavaco Silva.

Porque, contra a corrente da amnésia e do relativismo político e para além de cruciais razões de futuro, não nos esquecemos de que, há 21 anos, a sua ascensão a líder do PSD e depois a Primeiro-Ministro se alicerçou no truque de fazer crer que um “novo PSD” tinha começado com ele e que para trás não havia nem história nem responsabilidades do seu partido e na suprema mistificação de ainda haver ministros do PSD no Governo do Bloco Central e, em simultâneo, conseguir fazer uma campanha eleitoral de crítica devastadora à acção desse governo mesmo quando os ministros em exercício do PSD estavam a seu lado nos palcos dos comícios.

Porque não nos esquecemos que gastou uma década inteira a fazer invariavelmente uma perversa campanha contra “os políticos” e “a política” sempre protegido pela insistente rábula de que, na chefia do governo, era apenas um submisso escravo do interesse nacional e um economista e professor universitário que só o destino, o acaso ou o amor ao país tinham empurrado para a vida política.

Porque não nos esquecemos que, debaixo dessa pose de não-político, não houve campanha eleitoral em que participasse, entre 1985 e 1995, que não fosse marcada por alguns dos vícios mais politiqueiros, desde o frenesim das inaugurações eleitoralistas às distribuições de cheques do Estado por caciques e candidatos do PSD, passando pelas tremendas catástrofes que sempre anunciava caso perdesse, como aconteceu, por exemplo em 1991, quando chegou ao requinte de proclamar que a vitória dos seus adversários teria como uma das muitas nefastas consequências que os portugueses já não poderiam comprar frigoríficos.

Porque não nos esquecemos que, sendo pessoalmente incorruptível, beneficiou vastas e gulosas clientelas, favoreceu o enriquecimento ilegítimo de muitos fiéis e apoiantes, deu um impulso decisivo à reconstituição dos grandes grupos económicos. designadamente através das famosas OPV (contra as quais o insuspeito Francisco Sousa Tavares escreveu em “A Capital” um texto de extraordinária violência) e dos subsequentes avanços das privatizações.

Porque não nos esquecemos que foi com Cavaco Silva no cargo de Primeiro-Ministro que os compradores do Totta em apenas três anos tiveram os lucros suficientes para compensar o que tinham pago pela aquisição daquele banco nacionalizado e também não esquecemos o caso do “acordo secreto” com António Champalimaud em que esteve especialmente envolvido o Secretário de Estado Elias da Costa.

Porque não nos esquecemos que, por volta de 1991, foi Cavaco Silva quem proclamou que “com mais alguns anos de estabilidade governativa” (nesse tempo já era um valor em si mesma) seria possível “agarrar o pelotão da frente” dos países mais avançados da Comunidade Europeia, embora como economista não pudesse deixar de saber que estar no “pelotão da frente” do cumprimento dos critérios de Maastricht era uma coisa e outra bem diferente seria estar no “pelotão da frente” em padrões de desenvolvimento e bem-estar, tarefa esta, segundo abalizadas opiniões, para 40 ou 60 anos, consoante os cenários.

Porque não nos esquecemos que, na década em que governou o país, se aplicaram centenas de milhões de contos oriundos de fundos comunitários em formação profissional e hoje ainda se continua a identificar como um sério problema a qualificação da mão-de-obra nacional.

Porque, entre outras coisas miúdas e muitas mais graúdas, não nos esquecemos nem da despudorada instrumentalização em tempos de antena do PSD da vitória dos juniores portugueses num Mundial de futebol, nem da atitude de Cavaco Silva e do seu Governo face aos incidentes na Ponte 25 de Abril, nem das suas ridículas pretensões de forjar um “novo português”, nem do facto de uma RTP telecomandada por Marques Mendes ter chegado ao ponto de mudar o nome de uma telenovela brasileira (de “O salvador da pátria” para um ensosso “Sassá Mutema”) com medo das incómodas associações de ideias que poderia gerar, em época já de ocaso político de Cavaco Silva. (...)»

Aqui em 17 de Março de 2006