09 novembro 2015

O saber não ocupa lugar

Sou um chato, eu sei

Em muitas evocações e caracterizações sobre a solução política acordada entre PS, PCP, BE e Os Verdes,  não faltam referências aos «41 anos» de «divórcio» e também não poucas do género «o PCP é que nunca quis».

Entretanto, um pouco de rigor mal não fará e não embaciará a compreensível esperança que muito sentimos.

Por isso:

1. Aqui repito um post de 16 de Outubro deste ano que se reporta a 1978:

2. De igual modo, quero lembrar que, salvo erro ou omissão, nunca o PCP apresentou uma moção de rejeição a um programa de um governo minorítário do PS, desde o I de Mário Soares ao   de António Guterres e ao de Sócrates.

3. E ainda recordar que, nos pós-eleições,em períodos de formação de governo  nunca o PS (como fez agora) manifestou qualquer disponibilidade para discutir com o PCP um vasto conjunto de medidas como as agora acordadas.


Que bom ouvir os suspiros finais

Já que ele não disse,
eu repito outra vez




Tão sérios que eles são

Quando João Carlos Espada
(antigo director de «A Voz do Povo»
/UDP) 
apaga um ano



No Público de hoje, João Carlos Espada regouga o seguinte: «Se o PS se aliasse aos comunistas, ficando um seu eventual governo dependente do apoio destes, o centro-esquerda ficaria sem a voz autónoma que sempre teve desde a resistência à ditadura  - a voz da ASP/CEUD de Mário Soares e Maria Barroso, antes do 25 de Abril, a voz do PS de Mário Soares e  Maria Barroso, desde 1973 e depois durante os 41 anos da nossa democracia.

Deixando de lado as fantasmagóricas fantasias de Espada, a pensar nos mais novos, o que importa esclarecer é que :

1. Em 1969, a divisão, sem dúvida importante, CEUD-CDE apenas se verificou em Lisboa, Porto e Braga, concorrendo muitas socialistas sob a etiqueta CDE nos outros distritos, como foi o caso de Maria Barroso em Santarém.

2. João Carlos Espada escamoteia indecentemente a campanha eleitoral de Outubro de 1973 em que, na sequência da unidade consagrada em Abril no 3º Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro, comunistas e socialistas (e numerosas personalidades independentes) se apresentaram unidos sob a sigla CDE.

E pronto, já sabíamos que vale tudo até tirar olhos.

Em tempo !

Bilhete postal hoje
enviado a Cavaco Silva




07 novembro 2015

Clara Ferreira Alves ou...

... anticomunista,
por sua livre escolha


Embora a minha intenção inicial fosse outra, definitivamente não vou comentar em detalhe a incrível última crónica no Expresso da sempre preclara Clara Ferreira Alves intitulado «Anticomunista, obrigada!» (no sentido em que a isso, coitadinha, é obrigada). Em primeiro lugar, porque, para se responder a sério, é preciso gastar pelo menos o triplo do espaço que a autora gastou. Em segundo lugar, e sobretudo, porque cheguei à conclusão que com a  idade que tenho e a vida que tive, não é justo ter de gastar os olhos e as meninges a arrasar tanta superficialidade, tanta soberba, tanto espírito de classe, tantos clichés velhos e bolorentos (o PCP como «Igreja», a «ditadura intelectual» do PCP no tempo do fascismo, por exemplo), tantas deturpações e fantasias concretas, tanta prosápia amancebada com vasta ignorância sobre o PCP.

Tudo visto, decido-me apenas por duas anotações:

- a primeira é que, a dado passo, C.F.A escreve este mimo: «Controlando as instituições, o PCP [???] resistiu a dar prémios a Saramago. Deu-os a outros e não a ele. Porquê ?» . E a seguir este:

É tão simples como isto: Cunhal não gostava de Saramago mas, antes de partir para Moscovo para uma problemática operação a um aneurismo da aorta, foi a Saramago que deixou uma carta (facto revelado pelo próprio Saramago) para ser lida caso as coisas corressem mal.

-a segunda, destina-se apenas a lembrar apenas que a «fama» de Clara Ferreira Alves (que também  tem os seus méritos e talentos) já vem de longe. Na verdade, corria o mês de Dezembro de 1998 (há 17 anos, portanto) e, a contra-gosto, tive de escrever isto no Avante! :



Caprichos de uma pluma

Ao lermos, no último «Expresso», a crónica que Clara Ferreira Alves escreveu sobre «os senhores deputados», demos connosco a pensar que os autores de diatribes contra «a Assembleia» ou «os deputados» escrevem sempre, não apenas no pressuposto do sucesso fácil, mas sobretudo na certeza da dificuldade de alguém poder fazer a «defesa» da «Assembleia», isto é do órgão e de todas as suas decisões ou atitudes ou dos «deputados», isto é, de todos os deputados.
E isto porque a maior parte destes autores gostam muito de esquecer que a Assembleia da República é o único órgão de soberania de composição plural, pelo que, em geral, o seu pior e o seu melhor se ficam a dever, não tanto à instituição em si, mas às maiorias que nela se formam e às forças políticas que nela intervêm.

Entre outras coisas, pretexto à parte, o que impressiona na colecção de «clichés» tranquilamente repetidos pela cultíssima Clara Ferreira Alves é que ela não se tenha dado conta que quase tudo o que diz sobre a AR, longe de resultar de um esforço sério para saber quem faz o quê, como e em que circunstâncias, resulta sobretudo da «imagem» produzida pelos critérios que os «media» usam na cobertura dos trabalhos parlamentares.
E impressiona também que CFA acuse o discurso parlamentar de não pretender «alcançar mais do que o «soundbite» do telejornal e o subtítulo de jornal» e, quatro linhas à frente, já esteja a perguntar se «alguém se lembra, a propósito do aborto, da regionalização ou da famosa Europa, de uma frase, um sentido de voto,(...) determinados com clareza e sapiência na AR?», ou seja, já esteja no fundo a pedir mais e melhores«soundbites».
CFA nem sequer repara como seria cruel e injusto que alguém quisesse julgar as suas crónicas, em geral de indiscutível qualidade, com uma pergunta do género « alguém se lembra de alguma coisa inesquecível que, em 1998, tenha sido escrita na "Pluma Caprichosa"?»

Talvez Clara Ferreira Alves nunca o perceba ou nunca o reconheça, mas a sua crónica sobre «os senhores deputados» padece afinal da mesma superficialidade, da mesma demagogia e da mesma vacuidade que julga ter fustigado no que de pior ocorre de facto na vida parlamentar.
É que nós conhecemos um grupo parlamentar que, com apenas 13 deputados, consegue quase todos os anos ser o mais activo e o que apresenta um maior número de iniciativas legislativas. Nós conhecemos um grupo parlamentar, por sinal o mesmo, que honestamente ninguém poderá acusar de mergulhado na demagogia ou na «chalaça politiqueira» ou de passar o tempo «chupando os dentes de fome de poder», porque é incontestável que se alinha por assinaláveis padrões de seriedade e sobriedade e é bem conhecido por, quando muito, afiar os dentes por fome de justiça.


Conhecemos mas não dizemos o seu nome. Porque ficamos à espera que seja Clara Ferreira Alves a dizê-lo.
E se e quando o fizer, terá dado então uma contribuição para punir o que merece ser punido e mudar o que precisa de ser mudado na vida política e parlamentar do país mil vezes superior à da sua cómoda crónica sobre 
«os senhores deputados» e à dos seus equivocados suspiros por «uma revisão completa do sistema eleitoral». — Vítor Dias

«Avante!» Nº 1307 - 17.Dezembro.1998