... anticomunista,
por sua livre escolha
Embora a minha intenção inicial fosse outra, definitivamente não vou comentar em detalhe a incrível última crónica no Expresso da sempre preclara Clara Ferreira Alves intitulado «Anticomunista, obrigada!» (no sentido em que a isso, coitadinha, é obrigada). Em primeiro lugar, porque, para se responder a sério, é preciso gastar pelo menos o triplo do espaço que a autora gastou. Em segundo lugar, e sobretudo, porque cheguei à conclusão que com a idade que tenho e a vida que tive, não é justo ter de gastar os olhos e as meninges a arrasar tanta superficialidade, tanta soberba, tanto espírito de classe, tantos clichés velhos e bolorentos (o PCP como «Igreja», a «ditadura intelectual» do PCP no tempo do fascismo, por exemplo), tantas deturpações e fantasias concretas, tanta prosápia amancebada com vasta ignorância sobre o PCP.
Tudo visto, decido-me apenas por duas anotações:
- a primeira é que, a dado passo, C.F.A escreve este mimo: «Controlando as instituições, o PCP [???] resistiu a dar prémios a Saramago. Deu-os a outros e não a ele. Porquê ?» . E a seguir este:
É tão simples como isto: Cunhal não gostava de Saramago mas, antes de partir para Moscovo para uma problemática operação a um aneurismo da aorta, foi a Saramago que deixou uma carta (facto revelado pelo próprio Saramago) para ser lida caso as coisas corressem mal.
-a segunda, destina-se apenas a lembrar apenas que a «fama» de Clara Ferreira Alves (que também tem os seus méritos e talentos) já vem de longe. Na verdade, corria o mês de Dezembro de 1998 (há 17 anos, portanto) e, a contra-gosto, tive de escrever isto no Avante! :
Caprichos
de uma pluma
Ao
lermos, no último «Expresso», a crónica que Clara Ferreira Alves
escreveu sobre «os senhores deputados», demos connosco
a pensar que os autores de diatribes contra «a
Assembleia» ou «os deputados» escrevem
sempre, não apenas no pressuposto do sucesso fácil, mas sobretudo
na certeza da dificuldade de alguém poder fazer a «defesa»
da «Assembleia», isto é do órgão e de todas as suas
decisões ou atitudes ou dos «deputados», isto é, de
todos os deputados.
E isto porque a maior parte destes autores
gostam muito de esquecer que a Assembleia da República é o único
órgão de soberania de composição plural, pelo que, em geral, o
seu pior e o seu melhor se ficam a dever, não tanto à instituição
em si, mas às maiorias que nela se formam e às forças políticas
que nela intervêm.
Entre
outras coisas, pretexto à parte, o que impressiona na colecção de
«clichés» tranquilamente repetidos pela cultíssima Clara Ferreira
Alves é que ela não se tenha dado conta que quase tudo o que diz
sobre a AR, longe de resultar de um esforço sério para saber quem
faz o quê, como e em que circunstâncias, resulta sobretudo da
«imagem» produzida pelos critérios que os «media» usam na
cobertura dos trabalhos parlamentares.
E impressiona também que
CFA acuse o discurso parlamentar de não pretender «alcançar
mais do que o «soundbite» do telejornal e o subtítulo de
jornal» e, quatro linhas à frente, já esteja a perguntar
se «alguém se lembra, a propósito do aborto, da
regionalização ou da famosa Europa, de uma frase, um sentido de
voto,(...) determinados com clareza e sapiência na AR?», ou
seja, já esteja no fundo a pedir mais e melhores«soundbites».
CFA
nem sequer repara como seria cruel e injusto que alguém quisesse
julgar as suas crónicas, em geral de indiscutível qualidade, com
uma pergunta do género « alguém se lembra de alguma coisa
inesquecível que, em 1998, tenha sido escrita na "Pluma
Caprichosa"?»
Talvez
Clara Ferreira Alves nunca o perceba ou nunca o reconheça, mas a sua
crónica sobre «os senhores deputados» padece
afinal da mesma superficialidade, da mesma demagogia e da mesma
vacuidade que julga ter fustigado no que de pior ocorre de facto na
vida parlamentar.
É que nós conhecemos um grupo parlamentar que,
com apenas 13 deputados, consegue quase todos os anos ser o mais
activo e o que apresenta um maior número de iniciativas
legislativas. Nós conhecemos um grupo parlamentar, por sinal o
mesmo, que honestamente ninguém poderá acusar de mergulhado na
demagogia ou na «chalaça politiqueira» ou de
passar o tempo «chupando os dentes de fome de poder», porque
é incontestável que se alinha por assinaláveis padrões de
seriedade e sobriedade e é bem conhecido por, quando muito, afiar os
dentes por fome de justiça.
Conhecemos
mas não dizemos o seu nome. Porque ficamos à espera que seja Clara
Ferreira Alves a dizê-lo.
E se e quando o fizer, terá dado então
uma contribuição para punir o que merece ser punido e mudar o que
precisa de ser mudado na vida política e parlamentar do país mil
vezes superior à da sua cómoda crónica sobre «os
senhores deputados» e
à dos seus equivocados suspiros por «uma
revisão completa do sistema eleitoral». — Vítor
Dias
«Avante!» Nº 1307 - 17.Dezembro.1998