Quando uma crónica de 1997
responde a parvoíces actuais
Pululam como cogumelos nos media dezenas e dezenas de apreciações sobranceiras ou chocarreiras sobre a campanha eleitoral em curso, as mais das vezes ancoradas nos frames e extractos que os próprios media seleccionam, ninguém se dando ao trabalho de ir, por exemplo, ler alguns dos discursos integrais de Jerónimo de Sousa que estão disponíveis em www.cdu.pt.
Para dar só um exemplo, hoje no Público, Nuno Ribeiro sentencia que "Já lá vão os tempos em que os partidos procuravam no medo cénico de uma manifestação ruidosa ou na rendição de uma casa cheia a imagem de pujança que as eleições não confirmavam. Como se os eleitores se tivessem esfumado à boca das urnas. Aprenderam esta lição. Em Setembro de 2015, longe das didácticas sessões de esclarecimento de outrora, os comícios são repastos. Ou os almoços e jantares são acompanhados pelos discursos. Como aperitivo ou à digestão. E a tradicional carne assada foi substituída pelo portuguesíssimo arroz de pato." E, lampeiro, remata a terminar que « O sucesso de uma iniciativa partidária pode deixar de medir-se pela afluência e considerar o tamanho das febras, ou fêveras na versão nortenha. São, assim, os novos comícios.»
Tudo visto, eu podia arrumar esta crónica de Nuno Ribeiro na galeria das parvoíces, salientando apenas que estou farto de ver nas televisões reais comícios sem fêbras ou arroz de pato. Mas como o assunto merece mais, aqui ressuscito uma crónica minha que, embora sendo sobre as autárquicas de 1997, me parece manter roda a actualidade.
Mata e esfola
Servindo como exemplos de toda uma vaga de comentários e opiniões, na passada segunda-feira, os editoriais do «Público» e do «DN» juntaram-se os dois à esquina, não a tocar a concertina, mas a arrasar a campanha autárquica.
Dentro da sequência mata e esfola, um sentenciava que «o espectáculo dado por candidatos, governantes e dirigentes da oposição nesta campanha eleitoral é pobre de ideias, rico de insultos e branqueador sobre o papel do poder local». E outro falava de «uma classe política que, neste ambiente pré-eleitoral, tem dado de si uma assustadora imagem de mediocridade» e opinava que «o grau de reflexão entre os partidos(...) sobre a forma como se vive nas áreas metropolitanas, nas cidades e vilas deste país, é um zero absoluto».
Para além do velho truque das generalizações abusivas e do premeditado assassinato das diferenças, o que mais impressiona neste tipo de comentários são os três equívocos básicos que os sustentam e explicam.
Na verdade, como bem se calcula, os autores destes juízos tão severos e definitivos apenas sabem da campanha o que lêem nos jornais, ouvem nas rádios e vêem nas televisões.
Mas, primeiro equívoco, não têm a humildade de admitir e assumir que os «media» estão muito longe de ser um espelho da realidade e que, por isso, quando emitem as suas sentenças globais sobre a campanha, em rigor o que estão a comentar são tão só os aspectos da campanha e o escasso número de protagonistas eleitorais que os «media» decidiram seleccionar ou privilegiar.
O segundo equívoco decorre naturalmente do primeiro e corresponde a exilar e segregar do balanço global da campanha a acção generosa e civicamente relevante de milhares de candidatos que, longe dos holofotes das televisões e do interesse dos outros «media», estão prestando contas do trabalho desenvolvido, debatendo os reais problemas das populações e apresentando propostas fundamentadas e em muitos casos inovadoras para a gestão autárquica.
Finalmente, o terceiro equívoco é o de, nestes termos, não quererem perceber que o que também devia entrar nestes balanços globais da campanha, não era apenas o que for da estrita responsabilidade de «candidatos, governantes e dirigentes da oposição» (mas quais?) mas também o que é insofismável responsabilidade de meios de comunicação social que, em regra, acham que uma bofetada, dois incidentes, três insultos, quatro «frases assassinas» e cinco tiradas demagógicas interessam incomparavelmente mais do que quaisquer propostas programáticas e quaisquer reflexões sérias sobre os reais problemas das populações.
Entendamo-nos: não se trata de negar, proteger ou absolver aspectos de degradação da vida política que somos os primeiros a combater e de que somos os primeiros a querer marcar uma distância e uma diferença que a generalidade dos «media» não quer ver mas que os eleitores podem e devem premiar.
Face a algum atrevimento e arrogância circulantes, do que se trata é de lembrar que boa parte dessa degradação não teria um curso tão grande se os critérios dominantes nos «media» a não tivesse erigido como a verdadeira e a única «política» que interessa ao público. — Vítor Dias
«Avante!» Nº 1254 - 11.Dezembro.97