Dois excelentes artigos
«(...) Com
a proibição de qualquer veleidade keynesiana pelo Tratado, os
socialistas perderam autonomia e sofreram derrotas sobre derrotas, mesmo
quando “ganharam” como Hollande, porque entre uma imitação e a “real thing”
os eleitores preferem a “realidade”. O preço desta quebra da
“alternativa” foi a crise preocupante de representação nas democracias
europeias, o crescimento da abstenção, o afastamento dos partidos no
poder da população, e o crescimento à esquerda e à direita de partidos e
movimentos anti-europeus e anti-sistema. Na “realidade” paga-se sempre o
preço da realidade.
Em segundo lugar, existe uma enorme confusão
entre a “realidade” do “fim da história” e o poder. Aquilo que os gregos
encontraram à sua frente não foi o muro da “realidade”, foi o muro do
poder. O poder no sentido weberiano, a possibilidade de alguém obrigar
outrem a proceder contra a sua vontade. Uma das grandes aquisições da
crise grega para a consciência europeia, foi a revelação às claras, sem
ambiguidade, sem disfarces, da brutalidade do exercício de um poder. Nos
nossos dias isto não é desejado pelos poderosos, que gostam de
disfarçar o seu poder na discrição e no segredo, onde ele é sempre
maior. Ao revelar o poder, enfraqueceu-o. Dos alemães aos parceiros
menores como Passos Coelho, saber-se o que fizeram, saber-se o que
impediram e vetaram, saber-se o que disseram, nas portas fechadas do
Eurogrupo, e perceber-se que o resultado foi uma imposição punitiva de
uma política em que ninguém acredita a um governo e a um povo, cria uma
situação sem retorno. (...)»
«(...) Podemos regressar a outra Europa? Um grande número daqueles que se mantêm fiéis à ideia (eu diria ilusão)
de que a construção europeia foi, desde os anos 50, outra coisa muito
diferente deste autoritarismo tecnocrático dos nossos dias, cujo preço é
pago essencialmente pelos países do Sul, estão cada vez mais incómodos
com esta nova ordem imposta por Berlim e Bruxelas, por
Merkel/Schäuble, Djisselbloem e Juncker. Falo essencialmente de setores
da socialdemocracia que já não sabem o que pensar da forma como os
Hollande, os Gabriel, os Renzi (ou os Sócrates e os Papandreou) adotaram
sem reservas as várias componentes (económicas, mas também políticas e
culturais) do There Is No Alternative thatcheriano, sabendo bem
que as partilham com toda a direita de que se dizem alternativa... Numa
parte considerável da sociedade (sobretudo nessa classe média que se
imagina cidadã de uma Europa laica, democrática e respeitadora dos
Direitos Humanos), defende-se o regresso a um projeto europeu perdido,
como se Schäuble fosse (e não é) a antítese de tecnocratas como Schuman
(o partidário de Pétain em 1940) e Monnet (horrorizado com o controlo
parlamentar da política económica). Há que fazer uma reavaliação muito
crítica dessa génese profundamente elitista da construção europeia,
feita de despotismo esclarecido, e desta conceção e gestão das políticas europeias sempre cheia de preconceito tecnocrático que entende como populista toda a crítica ao europeísmo
rançoso e dogmático, que reivindica a soberania democrática onde ela,
mal ou bem, ainda se se tem a sensação de se exercer: à escala nacional... (...)»