Os mentirosos do Chega
e os jornalistas distraídos
Carmo Afonso no «Público»
«Na última edição do jornal Expresso, uma notícia, dos jornalistas Hugo Franco e Raquel Moleiro, pedia atenção. Desde logo, pelo título: “Milhares de peregrinos não regressaram ao país de origem.” É uma informação que tem o potencial de inquietar alguns portugueses. Lança o alarme.
Vale então a pena analisar a notícia e perceber se a informação que fornece sustenta o título. E temos, desde logo, o início da peça para nos esclarecer: em primeiro lugar é dito que não existem números concretos e que o mais provável é que os números concretos nunca venham a existir. Só que alguém terá opinado: são “largas centenas ou mesmo milhares”. Uma coisa são centenas e outra, diferente, são milhares. A ligeireza com que este título foi escolhido espanta.
A noticiada existência de peregrinos que não regressaram ao país de origem assentou em opiniões de fontes que falaram em off, o que é grave. Falar em off é corretíssimo, mas opiniões em off não deveriam servir para construir uma peça jornalística. Das fontes apenas sabemos que pertencem a forças e serviços de segurança. Não sabemos das suas patentes ou de algum aspeto que pudesse ser relevante na sua credibilidade. Os jornalistas não acharam necessário.
Nada na comunicação do SEF, refiro-me à parte que foi parcialmente transcrita para a notícia do Expresso, permite concluir a existência de milhares de peregrinos que não regressaram aos seus países ou que estejamos perante um caso que mereça preocupação. Antes pelo contrário, o SEF desdramatizou a narrativa declarando que não adoptou quaisquer “medidas tendentes à sua localização e controlo” porque isso constituiria “uma interferência na liberdade de movimentação que lhes assiste”. Todas as restantes declarações do SEF (constantes na notícia) foram no mesmo sentido e estranha-se que, a partir delas, se tenha escrito um texto naquele tom.
Este título foi prontamente usado por André Ventura, que partilhou a notícia na rede social Twitter, agora X, e por várias contas ligadas ao Chega. Depois de ter divulgado notícias falsas com o grafismo do PÚBLICO e da Renascença, cruzando uma fronteira que nunca um político havia cruzado em Portugal, o líder do Chega tentou defender-se afirmando que afinal tinha razão no que tinha dito. Sabemos que quem não tem vergonha cavalga qualquer onda. Mas pergunta-se: como pôde o Expresso, e o jornalista Hugo Franco, oferecer uma boleia destas a Ventura publicando uma notícia alarmista sem a necessária fundamentação? Um jornal de referência e um jornalista sério e com muitas provas dadas. Mas no melhor pano cai a nódoa. O ditado popular confirma-se. São péssimas notícias.