Eu podia «matar» este assunto relembrando apenas a expressão de sectarismo e de nenhuma abertura que, durante alguns anos, representou para o Bloco de Esquerda a sua autodefinição do «correr por fora». E também podia limitar-me a propôr a visita a este vídeo, referente à Convenção do BE de 2012, e sobretudo à declaração que nele Fernando Rosas faz.
Mas como este assunto tem um historial mais antigo e complexo, a quem interessar, aqui deixo dois extractos de duas crónicas minhas, respectivamente de 1999 e 2005:
8.10.1999
Legítima defesa
Artigo de Vitor Dias no «Semanário»
Entendeu Fernando Rosas que não podia usar a sua última coluna de opinião no "Público" antes da votação de domingo sem reincidir em mais uma das deturpações sobre a orientação, acção e objectivos do PCP que, em assinalável medida, têm sido a grande terraplanagem operada pelo Bloco de Esquerda para melhor exibir a sua alegada diferença e valia.
Com efeito, só porque o "Expresso" titulou uma entrevista de Carlos Carvalhas com a afirmação de que "para mudar o PS é preciso termos força", logo Fernando Rosas se apressou a dar o precipitado passo de gigante que foi daí concluir que a tanto se resume o projecto e os objectivos do PCP, apesar de qualquer pessoa séria e interessada ter muitas maneiras de comprovar que o PCP está enfatizando outras, e bem mais cruciais, razões de voto na CDU.
E, como não se pode acreditar que um intelectual com as responsabilidades de Fernando Rosas já só leia títulos e estruture comentários e juízos políticos sobre outras forças com base em títulos de entrevistas, cresce então uma terrível suspeita. A de que ele sabe perfeitamente, mas resolveu escondê-lo dos leitores, que a citada afirmação de Carlos Carvalhas foi feita no contexto de uma pergunta que inquiria das razões porque o PCP não tinha desafiado o PS para "uma aliança de governo". E também sabe perfeitamente que, na entrevista de Carvalhas ao "Expresso", há passagens que, embora com as limitações de desenvolvimento inerentes ao tipo de entrevista, distanciam claramente o PCP de concepções de meros "arranjos de cúpula" ou de "alianças entre partidos", antes evocam o papel dos movimentos sociais, sublinhando mesmo a ideia de que "é possível, certamente com tempo, que o avanço do movimento social permita uma recomposição política, com efeitos no interior dos partidos".
Mas há mais: F. Rosas conhece perfeitamente a densa reflexão do PCP, consagrada no seu último Congresso (1996) e já exposta com suficiente clareza num colóquio em F. Rosas também participou em Coimbra, sobre a complexa questão da construção de uma alternativa de esquerda ao rotativismo e alternância entre PS e PSD. Só que não resiste ao lamentável truque de, por um lado, absorver importantes componentes dessa reflexão e depois fazer de conta que o PCP não a tem e que, em lugar dela, tem orientações resumíveis ao objectivo de ser "flor de esquerda na lapela" da governação socialista ou uma "espécie de corrector apendicular das leis e das políticas do Governo" PS.
Aliás, a orientação do Bloco de Esquerda em certos aspectos é bastante confusa (ou talvez não) : desvalorizam manifestamente o perigo e as consequências de uma maioria absoluta do PS, não falam muito contra o PS, tem apoiantes que, como é publico, tem boa parte do seu coração no PS, parecem sobretudo preocupados em disputar influência a quem foi - combativamente, no duro, sem favores dos "media", e tanto no terreno social como parlamentar - a oposição de esquerda ao Governo do PS, e depois, numas linhas impressas, dão-se ares de radicalismo decretando, para a eternidade, um nulo lugar do PS em futuras soluções de esquerda. (...)»
4.2.2005 no «Semanário»
«(...) A segunda observação tem que ver com um enésimo testemunho de que alguns responsáveis do Bloco de Esquerda parecem ter caído em pequeninos no caldeirão da arrogância e da sensibilidade tipo flor de estufa. Com efeito, beneficiando de um privilégio que naquelas páginas não é concedido a qualquer comunista, Fernando Rosas, em artigo no “Público” (2/2) onde coloca o BE no centro do mundo, veio lamentar “esta opção do PCP acerca de quem são os adversários nesta disputa eleitoral, privilegiando os ataques ao PS e agora ao BE”. Por detrás desta falácia não está apenas que, sem especial admiração, Fernando Rodas reduza o discurso real dos dirigentes do PCP aos títulos ou temas que, em regra, a imprensa escolhe e, segundo os quais, parece que só o PCP sempre “ataca” alguém. Está também e sobretudo a ideia de que o BE é uma entidade política vocacionada para um estatuto singular de impunidade e intocabilidade que lhe permite tudo sobre os outros e que aos outros nada permite sobre o BE. É assim que o BE pode espalhar, num folheto de propaganda, que foi ele que inscreveu na agenda política a despenalização do aborto e que foi com ele que começou a reforma fiscal, a resposta à violência doméstica contra as mulheres, a consideração dos toxicodependentes como doentes em vez de serem presos e também que se fez frente às direitas no poder, mas já o PCP não pode lembrar que, em todas essas causas ou batalhas, o PCP teve ou um papel pioneiro ou fundamental que só por intrínseca desonestidade política se pode querer apagar ou menosprezar. (...)»
Gostei muito dos seus textos e concordo com o conteúdo.
ResponderEliminarFernando Rosas, fique descansado, que não o queremos no PCP.
ResponderEliminarÉ estranho como Fernando Rosas dá a entrevista ao «i» que é um jornal de direita e provocador. Diz que o PCP ainda não matou o pai(?) É estranho. Usa um jornal de direita para ensaiar um discurso anti-comunista e, ainda mais, diz que o PCP deveria colaborar mais com a esquerda.
ResponderEliminarHá qualquer coisa de muito errado em Fernando Rosas.
Jorge
O debate de ideias é sempre benvindo, infelizmente ele por vezes reduza-se a bocas tipo candidata engraçadinha, ou os patrões comerem BE ao pequeno almoço, já para não referir que a esquerda internacionalista e solidaria não se deve imiscuir nos assuntos internos de Angola quando defende os presos políticos ....O BE e o PCP são partidos diferentes com histórias precursos e organização diferentes, até com soluções e prespectivas diferentes sobre o mundo e Portugal. Isso não tem impedido votações conjuntas na A. R. e o apoio dos dois partidos á actual solução governamental, e isso deve ser assinalado. Quanto ao resto muito haveria para dizer, mas volto e uma vez mais a relembrar que o PRIMEIRO Projecto de despanalização do aborto foi apresentado pelo Mario Tome deputado da UDP, é só um pormenor mas serve para não se rever a história. Augusto Pacheco
ResponderEliminarEu não disse nada em contrário. Mas lembro que O PRIMEIRO PROJECTO A SER LEVADO A VOTAÇÃO FOI O DO PCP.
EliminarEu gostava de saber é qual é o cordão umbilical do Bloco de Esquerda. Será que eles já mataram os 2 pais? Demagogia à parte, é tudo muito confuso e pronto a explodir de um momento para o outro. Esperemos que não porque eu por vezes até me entusiasmo ao os ouvir a defender causas que me são caras...
ResponderEliminarMonteiro
Fernando Rosas é anticomunista mas não é parvo! O que ele diz quanto à abertura, ele sabe muito bem que preferiria um PCP similar ao BE, pois assim aquele desapareceria. Mas o que lhe doí é que sem o PCP não haveria hoje, como não haveria no tempo do fascismo, qualquer resistência organizada. O BE é totalmente incapaz de organizar, porque desligado das massas populares, essa oposição. Daí que prefira os movimentos informais, daí que se tente meter neles para os capitalizar, ao contrário do PCP que tenta sempre organizar e elevar a luta e a capacidade de interpretar colectivamente o momento, para que daí saiam pessoas mais esclarecidas. Naturalmente que Fernando Rosas preferiria que o PCP deixasse o terreno livre para que ele e os seus amigos pusessem os ovos em tais "ninhos", quais cucos de ocasião. Mas aí só se o PCP fosse ingénuo é que o permitiria. E nada disto tira que existam problemas, visões sectárias aqui e ali, dificuldades, que nem sempre as análises são perfeitas, adequadas até. E quanto ao "socialismo real", para além dos problemas que deram origem a sua derrota, o historiador Fernando Rosas erra ou mente deliberadamente ao dizer expressamente que a URSS não estava sob ataque. Ora a verdade é que nunca deixou de estar sob ataque, mesmo quando sob a paz aparente da Guerra Fria. E os exemplos são inúmeros, concretos factuais e certificáveis, o que Fernando Rosas não pode ignorar como actor político e historiador! Daí a sua desonestidade intelectual!O que nada tem a ver com a afirmação dos problemas e contradicções existentes dentro da URSS, no espaço do COMECON, ainda não estudados com a devida profundidade, até porque de um trabalho gigantesco, multidisciplinar se trata. E para o qual só quem parta sem preconceitos mas armado de capacidade de análise marxista é que o poderá fazer! Quanto ao resto, quanto à abertura real, quem é que teve a visão de que o PAF poderia não governar? Quem é que deu o mote ao António Costa? A resposta é tão óbvia que nem Fernando Rosas a desmentirá: Jerónimo de Sousa na conferência de imprensa na Soeiro Pereira Gomes logo na noite das eleições! A terminar, sou militante do PCP há 2 meses, militei na CDE no Distrito de Braga no final dos anos 60 e na extrema-esquerda desde 1972 a 1978!
ResponderEliminarO PCP tem razões de sobra e de desculpa por não colaborar com o BE, devido a provocações rasteiras e anti-comunistas (nada de esquerda), como são as declarações vindas de Fernando Rosas no jornal de direita «i».
ResponderEliminarDeclarações como «O PCP ainda não matou o pai» e que «O PCP tem tiques de sectarismo» revêem-se em opiniões de direita, como as de Pedro Passos Coelho.
Por isso, a quem é que Fernando Rosas estará a tentar agradar, com um discurso destes?
Se em nada ajuda a um entendimento com o PCP, resta a ideia que o comentário de Fernando Rosas ajuda e reforça um futuro entendimento com a direita, até porque a direita gosta deste tipo de opinião: aquela que é essencialmente anti-comunista.
Em relação ao comentário acima de Augusto Pacheco, eu gostaria de ouvir alguma opinião do BE acerca do sistema político vivido na Coreia do Sul e as campanhas anti-comunistas primárias que são desenvolvidas naquele país. Infelizmente, as opiniões do BE sobre assuntos internacionais são quase iguais àquelas que são emitidas pelos orgãos de informação de direita no nosso país. Não vejo grandes diferenças de assinalar.
Jorge