... honra lhe seja feita
«Esta semana, a chamada Marcha
Nacional A Força do Povo, feita em nome da CDU, mas na realidade feita
pelo PCP, juntou muitos milhares de pessoas em Lisboa. O assunto foi
tratado de passagem nas televisões, sem grandes meios e cobertura apenas
de circunstância, e na maioria dos casos "existiu" nas páginas
interiores dos jornais, também quase por obrigação de agenda.
Eu
conheço os argumentos de muitos jornalistas para não darem importância
nenhuma (e por isso não noticiarem a não ser por obrigação, ou seja,
mal) às manifestações do PCP, mas não me convencem. Não tem novidade, é o
que é esperado, é sempre a mesma coisa, já sabemos que o PCP tem esta
capacidade única de levar pessoas para a rua. Vêm de todo o País, vêm em
centenas de autocarros, são os comunistas convencidos e mais umas
franjas, não alteram nada da vida política. Atenção a este último
argumento – não alteram nada – porque aí começamos a tocar no lado
sensível e ideológico do objectivo desprezo com que estas manifestações
são tratadas pela comunicação social. E não é o resultado de uma
conspiração dos grandes interesses na comunicação social, muito colados à
"situação" (também é, principalmente pelas escolhas das chefias), mas
algo que vem das próprias redacções. Uma pequena iniciativa cultural na
moda, que nem uma centena de pessoas junta, é muito mais bem tratada.
Há
muitas razões de ordem geracional, cultural, de vida, de mentalidade do
meio, da precariedade que se vive nas redacções para justificar esta
falta de interesse. Mas que o mundo que desfila em Lisboa, à torreira do
sol, feito de gente com causas bizarras como os baldios, não interesse a
uma jornalista de vinte e poucos anos, saída de uma escola de
comunicação social, estagiária, mas na prática desempregada, que não
sabe o que é um sindicato, detesta greves e do mundo conhece o que vem
na Time Out, percebe-se. O que não se percebe é que na sua
redacção não se vá mais longe e se perceba que "aquilo" no Portugal dos
dias de hoje é mais excepcional do que parece, "aquilo" implica mais
esforço e cidadania do que andar horas a discutir a migração de
treinadores entre clubes, como se o mundo estivesse parado nessa
logomaquia futebolística.
"Aquilo" é o outro Portugal que não
tem nada a ver com os salamaleques do "meu caro Pedro", "meu caro
Paulo", muito mais bem tratados do que a vida de centenas de milhares de
pessoas invisíveis porque não são o "arco da governação certo", do País
"europeísta", da classe social certa. "Aquilo" é uma parte da sociedade
portuguesa que existe e que protesta, e que se não protestasse não
existia para ninguém. Eles são parte da economia expendable dos
nossos tecnocratas, a mesma que impede a jovem jornalista de conhecer
mais mundo, ter sido mais bem preparada na escola, e ter um emprego
conforme as suas qualificações. Um emprego e não um estágio. E que, a
seu tempo, pode precisar do seu sindicato e, imagine-se, ter de fazer
greve e protestar. Nesse dia, ela perceberá melhor a condição das
pessoas que ali estão a protestar, podendo até ela ser… do PSD, do PS ou
de nada. »