28 maio 2021

Alexandre Abreu no «Expresso diário»

O melhor
balanço do MEL


«A terceira convenção do Movimento Europa e Liberdade que se realizou nos últimos dias foi excelente para separar o essencial do acessório. À primeira vista, estiveram lá representados projetos políticos com diferenças importantes entre si: do liberalismo na economia e nos costumes ao reacionarismo saudosista do Estado Novo e do passado colonial, da democracia cristã ao novo radicalismo trauliteiro. Na prática, porém, uma e só uma preocupação animou esta convenção: o regresso da direita ao poder. Para isso, ninguém como Camilo Lourenço para chamar a atenção para a plataforma comum que a todos anima: privatizações (não que restem muitas por fazer…), redução dos impostos, redução da despesa social, negócios privados à sombra do Estado. Que não haja dúvidas: independentemente das diferenças mais ou menos superficiais em torno de outras questões, é mais o que une do que o que separa. E o que une é a sua natureza de classe: menos redistribuição do rendimento e mais abertura de mais esferas da vida social (saúde, educação, pensões,…) à rendibilidade privada.

Neste sentido, é sintomático que a sensibilidade de direita que mais se apresentou em extinção neste congresso tenha sido a democracia cristã, com as suas influências da doutrina social da Igreja e a sua combinação de conservadorismo político e cultural com uma política económica com preocupações sociais. Os tempos não estão para isso: do ponto de vista da direita contemporânea, a democracia cristã erra em toda a linha, sacrificando o essencial e retendo o supérfluo. É também por isto que o CDS, representante original da democracia cristã portuguesa no período democrático, está hoje moribundo e é também por isto que a democracia cristã está praticamente extinta mesmo dentro do CDS. Os estados de alma do “manifesto dos 54” estão por isso condenados a perder para o pragmatismo das alianças que se mostrarem necessárias, como Rui Rio já deixou abundantemente claro. Foi Ventura e não Poiares Maduro quem empolgou esta convenção, porque é o primeiro e não o segundo quem permite vislumbrar uma via de regresso ao poder. As direitas divergirão no que calhar mas estarão de acordo no que se impuser, como exemplificado pela perfeita sintonia das propostas da Iniciativa Liberal e do Chega em matéria fiscal: redução máxima da progressividade no limite da constitucionalidade, beneficiando ao máximo os mais ricos e desprovendo o Estado dos recursos necessários para os serviços públicos e apoios sociais.

Exasperada com o afastamento do poder, não chega à direita que o PS se encarregue de salvaguardar os seus interesses em aspetos tão cruciais como a legislação laboral, ou que a integração europeia (da mesma Europa que o MEL sabiamente saúda na sua designação) inviabilize políticas mais progressistas em múltiplos domínios. Isso não chega porque a direita e os interesses que esta defende querem mais: mais redução dos impostos que limitam a desigualdade, mais desmantelamento da regulação que protege a parte mais fraca na relação laboral, mais recursos públicos ao serviço dos lucros privados na educação e na saúde.

Tudo na convenção do MEL foi sintomático. A sua organização por destacados representantes da direita dos negócios. A participação dos costumeiros representantes da direita do PS. A mitificação sebastianista de um Pedro Passos Coelho que, sem que sequer disso se apercebam, é o principal responsável pela erosão eleitoral da direita na última década. Mas acima de tudo o facto de, sempre que necessário, a direita tirar as luvas e unir-se em torno da sua matriz fundamental: a salvaguarda e aprofundamento do privilégio.




26 maio 2021

Última hora

 Chicão vai mudar
 o nome do seu partido

No «congresso das direitas (MEL) o  líder do CDS faz um discurso inflamado contra o «centrismo». Aguarda-se agora que corra a alterar no Tribunal Constitucional a designação do seu partido que é Centro Democrático e Social. Coisas que acontecem àqueles que, na hora de escolher o nome dos seus partidos, escolheram um que disfarçasse o que realmente eram.

25 maio 2021

É a vida !

 Pouca gente foi
ao MEL. Parece que é amargo

Pela imagens que vi na televisão no «congresso das direitas» promovido pelo MEL havia uma dúzia de gatos pingados.

24 maio 2021

Na morte de Carlos Santos Pereira

 Morreu um jornalista de política internacional como já não há


Nazismo e estalinismo : um debate viciado

A resolução do Parlamento Europeu que há dez anos criou o Dia da Memória das Vítimas do Estalinismo e do Nazismo veio dar uma nova dimensão a uma polémica que se arrasta há décadas, ao apadrinhar as teses que equiparam os dois regimes como expressão do mesmo fenómeno político.

A controvérsia tem um marco fundador na publicação, em 1952, de The Origins of Totalitarism, em que Hannah Arendt identifica os regimes de Adolfo Hitler e de José Estaline como expressão acabada de uma realidade política inteiramente nova e distinta de outros tipos de despotismo ou ditadura: o “totalitarismo".Entre os elementos que identificam o fenómeno totalitário Arendt sublinha a emergência de um líder absoluto e alvo de um culto da personalidade, a propaganda em larga escala para mobilizar e doutrinar as massas, o recurso sistemático à violência, ao terror e em particular aos campos de concentração.

A obra transformou-se numa referência ética e política incontornável e estabeleceu os parâmetros do debate. O conceito de “totalitarismo” formulado por Arendt suscitou uma acesa polémica nos meios políticos, intelectuais e académicos. Arendt foi acusada de ignorar as circunstâncias históricas em que se inscreve o fenómeno totalitário e de centrar toda a sua análise nas semelhanças entre os dois regimes, ignorando ao mesmo tempo as diferenças substanciais que os distinguem.

Boa parte dos traços comuns apontados aos dois regimes corresponderá fundamentalmente aos efeitos da evolução das tecnologias do poder, da propaganda e da guerra no dealbar do século XX e à disponibilidade de novos instrumentos de mobilização e de controlo das massas e da acção das polícias secretas.Os regimes de Hitler e de Estaline conformam fenómenos políticos distintos. Surgem em contextos históricos e condições políticas, sociais e económicas totalmente distintas e obedecem a princípios filosóficos e referências ideológicas diversas — e mesmo em confronto absoluto.

O regime estalinista afirma-se no quadro de um processo revolucionário em plena consolidação e que desenvolve estruturas burocráticas e repressivas manipuladas por Estaline numa estratégia pessoal de poder e em nome de um projecto de transformação económica e social brutal e impiedoso. A liderança de Hitler é um fenómeno de poder absoluto em nome de um projecto de expansão e de afirmação da superioridade de uma raça.

Estaline dirige um projecto de transformação radical da sociedade que pretende ter um carácter universal e apela aos trabalhadores de todo o mundo. O nazismo mobiliza uma nação e uma raça, a Herrenvolk, destinada pela sua supremacia a impor a sua vontade a todas as outras.

A liderança de Estaline inscreve-se na estrutura burocrático-partidária e ideológica saída da revolução bolchevique. Hitler é um chefe carismático, um Führer, criador e líder absoluto do ideário e dos objectivos do nazismo.

O recurso ao terror e à violência assumem lógicas e objectivos diferentes nos dois regimes. As detenções, execuções e depurações em massa decretadas por Estaline destinavam-se a eliminar adversários políticos, a manter a disciplina pelo terror e a arregimentar mão-de-obra forçada nos campos do Gulag, e atingiram todos os sectores da sociedade soviética, dos mais altos quadros do partido aos camponeses.

No regime hitleriano a violência servia a repressão política — que atingiu antes de mais os comunistas alemães —, a purga da sociedade de elementos “associais” e, acima de tudo, os objectivos raciais e expansionistas — da perseguição aos judeus ao projecto de exterminar as populações eslavas do Leste da Europa de modo a desbravar terreno para a colonização alemã.

Estaline argumentava que os julgamentos e as condenações respeitavam sempre uma estrita legalidade e que o regime obedecia fielmente às práticas da “democracia soviética” e proclamava-se um defensor da paz. Hitler assumia abertamente a repressão e a violência, considerava a guerra um instrumento justificado pelos superiores interesses do Reich e defendia a legitimidade da expansão como meio de conquistar um Lebensraum, um “espaço vital” para a nação alemã.

A data escolhida pelo Parlamento Europeu em memória das vítimas do nazismo e do estalinismo é o dia 23 de Agosto, aniversário da assinatura do Pacto Molotov-Ribbentropp, considerando que o tratado germano-soviético de não-agressão de 1939 “abriu caminho à eclosão da II Guerra Mundial” e aponta o famoso “protocolo secreto” como prova de uma alegada cumplicidade geopolítica entre os dois regimes.

O Pacto Molotov-Ribbentrop surge no contexto de uma densa trama de cálculos, manobras de diversão e jogos de sombras — ainda com muitos pontos obscuros, aliás — em que todas as partes se envolveram nesse período dramático entre a Primavera de 1938 e o ataque alemão à Polónia, em Setembro de 1939.

O acordo celebrado em Munique a 30 de Setembro de 1938 por britânicos, franceses e germânicos (mas com a exclusão dos soviéticos) — e que abriu caminho a Hitler para a anexação da Checoslováquia no final de 1938 —, as negociações tripartidas entre a França, a Inglaterra e a URSS, entre Março e Julho de 1939, para tentar constituir uma frente comum face a Hitler, e os contactos secretos da diplomacia alemã com Moscovo ocorrem num clima de profunda desconfiança de todas as partes, e num momento em que se adivinhava cada vez mais inevitável uma guerra com a Alemanha nazi.

Nessa perspectiva, a política de appeasement seguida pela França e pela Inglaterra, o acordo de Munique, ou, já em 1936, o fechar de olhos à brutal intervenção da Itália fascista e da Alemanha nazi ao lado de Franco contra a II República espanhola poderão ter encorajado tanto o avanço de Hitler como o Pacto Molotov-Ribbentrop.

A polémica do nazismo e do estalinismo está viciada desde o início por jogos políticos e ideológicos, manobras propagandísticas, processos de manipulação da memória e ensaios de revisão da História.

A posição assumida pelo Parlamento Europeu gerou fortes reacções. Entre os mais críticos alerta-se que tentativas de equiparação dos regimes de Hitler e de Estaline correspondem de facto a uma banalização — ou mesmo reabilitação — do nazismo, que se vê afinal transformado tão só numa espécie de “mal do século”.

Sublinha-se, por outro lado, o facto de o texto da resolução do Parlamento Europeu utilizar indiscriminadamente os termos “estalinismo” e “comunismo”, um lapsus linguae que contamina, de resto, todo o debate. Outros observam ainda que os deputados de Estrasburgo nunca se mostraram particularmente incomodados com a herança ustasa assumida pela Croácia de Tudjman ou pelo peso da extrema-direita nas cúpulas políticas e militares da Ucrânia.

A Declaração sobre a Consciência Europeia e o Comunismo, emitida em Praga em 2008, é ainda mais categórica na equiparação entre nazismo e comunismo. A Declaração de Praga ilustra a particular sensibilidade da questão no centro e no Leste da Europa, onde se inscreve na batalha das memórias, dos arquivos e dos ajustes de contas com o passado e — denunciam alguns — tem sido amplamente manipulada para fazer tentativas de reabilitação de antigos colaboracionistas com os nazis.

Face ao crescendo da tensão entre a Rússia e o Ocidente, o duelo das memórias inflama-se de novo. O Parlamento de Estrasburgo insiste nas responsabilidades conjuntas de Hitler e Estaline e acusa o governo e as elites políticas da Rússia de tentar “branquear os crimes do regime totalitário soviético”, provocando reacções indignadas em Moscovo. Putin responde reforçando o aparato das celebrações do Dia da Vitória e recordando o papel decisivo e o gigantesco preço humano pago pela União Soviética na derrota da Alemanha nazi.

Ao conferir chancela institucional a uma equiparação mais do que questionável, o Parlamento Europeu assume acima de tudo uma posição política. Não hesita para isso em recorrer a atropelos históricos e políticos grosseiros, e que jogam mal com o objectivo proclamado de mobilizar a “memória comum” em prol da “resiliência contra as ameaças modernas à democracia”. Sobretudo no momento em que se assiste ao recrudescer da extrema-direita em vários países europeus. E em que o desenvolvimento de tecnologias e estratégias políticas e económicas de controlo do cidadão impõe uma reflexão renovada sobre a ameaça totalitária…