Há 46 anos, o dia
vivido em Caxias
Há 46 anos, o 25 de Abril só chegou aos que estavam presos em Caxias cerca das 7 da manhã de dia 26. Não que não soubessem que algo de estranho se estava a passar. Com efeito, a seguir ao almoço, o meu companheiro de cela esmurrou a porta com violência para reclamar pela falta do «recreio» e chegou o chefe dos guardas que, em estado de grande nervosismo, comunicou quase gaguejando que recreio não havia. Depois vimos a patrulha da GNR que vigiava o morro traseiro ser reforçada com mais um elemento, agora todos de capacete (o que não era habitual) e dupla cartucheira. Eu até tinha recebido no final de Março a informação de que o movimento dos capitães , apesar do 16 de Março, continuava com os seus projectos e tinha também, recebido a informação essencial sobre os principais pontos do Programa do MFA. Mas nem isso me ajudava porque também sabia dos riscos de um golpe do Kaúlza de Arriaga. O resto dia até à noite foi passado com grande troca de palavras entre os presos de toda aquela ala. E já ao fim da noite é que o José Tengarrinha gritou que havia uma mensagem exterior de claxon (soube depois que era o Carvalhas e outro economista de nome Ferreira) que falava de «Governo» mas o resto ficou imperceptível. E assim chegou a pior noite da minha vida (a segunda foi em 28 de Setembro de 1974), dominada pelo terror de eventuais represálias da PIDE. O José Tengarrinha explicou uma vez que não se barricou porque não valia a pena dado que a porta da cela abria para fora. E era verdade mas, ainda assim, eu e o João Pedro barricámo-nos com o armário da cela. E, claro, o susto só terminou com a chegada de manhã cedo pelo lado exterior (voltado para o morro) da cela de dois fuzileiros. Aí não precisei de saber mais nada: com fuzileiros não podia ser golpe do Kaúlza. Era mesmo o 25 de Abril porque tinhamos lutado com o programa, mais coisa menos coisa. que me tinha sido comunicado. A liberdade definitiva e total só chegaria depois à uma damanhã de dia 27.
a