A pandemia e os
 despedimentos selvagens
 
José Paulo Leitão, no «Público de 19/3agens
 
Estão neste momento a 
decorrer violações do direito laboral, que vão desde a sugestão ao 
trabalhador para este lograr obter baixa médica não estando doente, até 
ao despedimento selvagem e ao despedimento elegante, que é aquele que é 
comunicado por capatazes, como são as empresas de trabalho temporário. 
 
Não
 é necessário um grande esforço intelectual para compreender que a 
situação da pandemia que o nosso país atravessa deixa mais frágil e 
desprotegido quem já é fraco e tem pouca protecção legal, por só viver 
do seu trabalho. 
Os trabalhadores com relações de contrato de 
trabalho precário, designadamente os que estão vinculados por contratos a
 termo, bem como aqueles que se encontram com contratos de trabalho 
temporário com empresas de trabalho temporário, estão na linha da frente
 para serem despedidos, na modalidade de caducidade dos contratos. 
Também
 os trabalhadores independentes, que na verdade são dependentes, podem 
ter o mesmo destino que é o da cessação dos seus contratos de trabalho, 
alegadamente de prestação de serviços. E há muitos outros trabalhadores 
independentes, que não são dependentes de uma entidade empregadora, que 
só dependem do que eles próprios produzem e que vão ficar desprotegidos.
 
Lembro, por exemplo, o artista, o ilustrador, o designer e 
muitas outras profissões que deixam de vender as suas obras ou os seus 
produtos, mas que têm de continuar a pagar a renda de casa e as despesas
 domésticas e, obrigatoriamente, as contribuições da Segurança Social. 
Quando
 se pretende proteger o emprego, pode não se conseguir abranger todos 
aqueles que mais precisam e que deixaram de ter um rendimento com o qual
 organizaram a sua economia familiar. As regras de protecção social 
chegaram a um ponto de regulamentação e burocratização que também deixam
 escapar nas suas malhas muitos dos mais debilitados quanto a 
rendimentos do trabalho. 
Estão neste momento a decorrer violações
 do direito laboral, que vão desde a sugestão ao trabalhador para este 
lograr obter baixa médica não estando doente, até ao despedimento 
selvagem e ao despedimento elegante, que é aquele que é comunicado por 
capatazes, como são as empresas de trabalho temporário.  
Os 
utilizadores do trabalho temporário só têm de comunicar à empresa de 
trabalho temporário para esta, por seu lado, comunicar ao trabalhador 
que os contratos de trabalho caducaram porque o utilizador já não 
precisa deles.  
Como a realidade da vida está sempre à frente do 
Direito que a enquadra, também despontam as engenharias jurídicas 
imaginativas, sem enquadramento legal, mas que podem também não ser 
ilegais. 
São sempre descobertas, provenientes da imaginação dos 
juristas das empresas que nos surpreendem, como é o caso da empresa que,
 presentemente, se encontra a incentivar trabalhadores a pedirem 
licenças sem vencimento mantendo determinados direitos que lhes são 
propostos. 
A licença sem vencimento, face ao previsto no Código 
do Trabalho, é pedida por iniciativa do trabalhador e suspende o 
contrato de trabalho sem perda de antiguidade, mas só confere os 
direitos que não pressupõem a efectiva prestação de trabalho. Neste 
caso, que está em curso, quem incentiva o pedido de licença é a empresa 
que também oferece direitos que a lei não prevê. 
Sabemos que a 
necessidade de elaborar Códigos de Ética e de responsabilidade social só
 aparece nas empresas quando se perde a noção da ética e da decência. E 
também sabemos que a responsabilidade dos gerentes e dos administradores
 que prosseguem com os despedimentos, por força da situação de força 
maior que o país vive, é diluída na responsabilidade limitada das 
sociedades. 
Naturalmente que parte dos trabalhadores despedidos 
terão direito ao subsídio de desemprego mas, em muitas dessas 
circunstâncias, é a Segurança Social quem fica com o ónus do pagamento 
de um rendimento que cínica e irresponsavelmente lhe é transmitido por 
alguns empregadores. 
Está ao alcance do Governo não aparar estas 
condutas reprováveis e tomar medidas de excepção, que poderão passar 
pela responsabilização, em circunstâncias concretamente definidas, dos 
administradores e gerentes por tais condutas, o que pode não ser muito 
amável. 
Vai ser tão mais fácil despedir agora trabalhadores, 
dependentes e independentes, seja através do despedimento colectivo seja
 por extinção dos postos de trabalho, pois a fundamentação que já não 
era difícil de construir, com pouca engenharia jurídica, agora já nem 
sequer precisa dessa engenharia.  
Se temos a obrigação de ser 
solidários com as nossas famílias e amigos num momento tão excepcional 
como o que estamos a viver, também é exigível que os empresários 
protejam, pelo menos até ao limite do razoável, os seus trabalhadores. 
Estamos
 numa fase em que o trabalhador deixou de ser colaborador e passou 
novamente a trabalhador, por causa da pandemia. Afinal há trabalhadores.
 Finalmente...