Distracção ou coisa pior ?
Em artigo de opinião hoje no Público a jornalista São José Almeida escreve designadamente o seguinte: «Nomeadamente, no que diz respeito aos alinhamentos e ao discurso
sobre questões sobre as quais o PCP já foi claro no passado. Como é o
caso da forma como matiza a demarcação em relação às críticas ao que
foram os regimes comunistas de Leste, em particular na União Soviética.
Mas também na interpretação que faz dos regimes autodenominados
socialistas ou comunistas que existem hoje, de Cuba à China, não
esquecendo a Coreia do Norte.
Reduzir a solidariedade que
manifesta para com estas ditaduras ao facto de elas estarem cercadas
pelo imperialismo capitalista é quase uma argumentação pueril, que
esquece o totalitarismo e a opressão nesses países. E entra em
contradição profunda com a garantia, que as Teses juram e que Jerónimo
de Sousa reafirma na entrevista, de que o PCP não concebe um socialismo
que não tenha como característica estrutural e essencial a democracia.
Deixando no ar a dúvida sobre se o PCP tem vergonha de criticar os
poucos países que se dizem comunistas que restam ou se não é sincero
nas suas convicções democráticas.»
Sobre isto, e procurando deliberadamente a sobriedade, apenas dois pontos:
A autora destas afirmações que por sinal até assina hoje no jornal uma peça intitulada «As Teses de A a Z» pelos vistos não conseguiu tropeçar neste ponto 1.3.15 das Teses/projecto de Resolução Política do XX Congresso do PCP que reza :
«Os países que afirmam como orientação e objectivo a construção de sociedades socialistas – China, República Popular Democrática da Coreia, Cuba, Laos e Vietname –constituem, na sua grande diversidade de situações quanto ao grau de desenvolvimento económico e social e modelos sócio-políticos, um importante factor de contenção aos objectivos de domínio mundial do imperialismo. É hoje ainda mais claro que estes países são alvo de um conjunto de manobras de pressão económica e financeira, de desestabilização e ingerência, de ofensiva ideológica e de cerco geoestratégico que condicionam, a par com os efeitos da crise do capitalismo a que não estão imunes, o seu próprio desenvolvimento e opções de política económica e relações internacionais. Simultaneamente, e numa relação dialéctica entre questões internas e condições externas, os países que afirmam como orientação e objectivo a construção das sociedades socialistas enfrentam desafios e contradições que em alguns casos suscitam legítimas preocupações e dúvidas sobre a sua situação e evolução.
O PCP acompanha a evolução destes países e as orientações dos respectivos partidos comunistas, quer quanto às suas tarefas internas, quer quanto ao seu posicionamento na situação internacional. Rejeitando a ideia de modelos únicos de transformação social e afirmando o seu próprio projecto de construção de uma sociedade socialista em Portugal,o PCP considera que a evolução destes países deve continuar a merecer uma permanente e cuidada observação e análise, seja pelas experiências e realizações, seja pelas interrogações e discordâncias, algumas de princípio, suscitadas por certasrientações em alguns destes países, independentemente das suas particularidades,percurso e história, nomeadamente quanto a orientações que se distanciam de princípiose características de edificação de sociedades socialistas, seja no plano da organização económica, seja no plano do sistema político.»
Quanto ao mais, cabe perguntar porque raio haveria ou precisaria o PCP de, de quatro em quatro anos, em cada Congresso, voltar a repetir o que está escrito há bastante tempo no Programa de Partido, documento aliás de valor superior a qualquer Resolução de Congresso e de onde consta o seguinte (sobretudo para quem não souber ou tiver esquecido) :
«Apesar das grandes transformações e realizações democráticas
revolucionárias de carácter económico, social e cultural, acabou por
instaurar-se e instituir-se naqueles países em determinadas
circunstâncias históricas um «modelo» que violou características
essenciais de uma sociedade socialista e se afastou, contrariou e
afrontou aspectos essenciais dos ideais comunistas. Em vez do poder
político do povo, um poder excessivamente centralizado nas mãos de uma
burocracia cada vez mais afastado da intervenção e vontade das massas e
cada vez menos sujeito a mecanismos fiscalizadores da sua actuação. Em
vez do aprofundamento da democracia política, a acentuação do carácter
autoritário do Estado. Em vez de uma economia dinamizada pela
propriedade social dos principais meios de produção, uma economia
excessivamente estatizada desincentivando progressivamente o
empenhamento dos trabalhadores e a produtividade. Em vez de um partido
de funcionamento democrático, enraizado nas massas e delas recebendo
energias revolucionárias, um centralismo burocrático baseado na
imposição administrativa de decisões, tanto no partido como no Estado,
agravado pela fusão e confusão das funções do Estado e do partido. Em
vez de uma teoria viva e criativa, a sua dogmatização e
instrumentalização.
A experiência revela assim que a intervenção consciente e criadora
das massas populares é condição necessária e indispensável na construção
da sociedade socialista e que as soluções adoptadas para os mais
diversos problemas (organização económica, sistemas de gestão, estrutura
do Estado, política social, intervenção popular, cultura) têm de estar
constantemente sujeitas à verificação dos resultados, prontas à
correcção e à mudança quando necessárias, abertas ao constante
aperfeiçoamento e enriquecimento.
A experiência revela ainda que para impedir um distanciamento entre
os governantes e as massas, o uso indevido do poder político, o abuso da
autoridade, a não correspondência da política e das realidades com os
objectivos definidos e proclamados do socialismo, desvios e deformações
incompatíveis com a sua natureza – são essenciais o exercício efectivo
do poder pelo povo, o controlo popular e a consideração permanente do
aprofundamento da democracia.»