Sim, despeço-me deste assunto, com uma observação amarga. Trata-se de afirmar que nunca tive nenhuma dúvida de que Hillary é uma belicista, uma lídima representante dos interesses de Wall Street e do «establishment» e que isto seria sempre verdade, fossem quais fossem os seus resultados eleitorais.
O que me chocou profundamente foi ver sectores e personalidades de esquerda, em Portugal e nos EUA, a crucificarem H. Clinton invocando a sua «estrondosa derrota eleitoral», lembrando «o vendaval Trump» e alinhando noutras fantasias quando ela acaba por ter mais dois milhões de votos que Trump que é o único dado que exprime a real vontade dos americanos que foram às urnas. É que nenhuma crítica política lúcida ou promissora se pode basear em premissas falsas.
E assim, seja para equiparar Hillary a Trump ( o que, no plano da política interna é um absurdo), seja alegadamente para desacreditar o «sistema», muito boa gente de esquerda, ao desprezar os votos populares nas presidenciais norte-americanas, perdeu uma oportunidade soberana de pôr em evidência uma fraude congénita da «grande democracia americana».
Na
institucional Faculdade de Direito de Lisboa estiveram reunidos, há
duas semanas, 300 advogados de várias partes do mundo, membros da
Associação Internacional de Juristas Democratas. Isto, só por si, seria
uma notícia, mas, não sei porquê, não a li em lado algum.
Nesse
fim de semana a dita associação, presidida pela norte-americana Jeanne
Mirer, que há mais de 70 anos luta pelo respeito universal da lei,
recebeu a informação de que o governo turco decidira proibir, durante
três meses, a atividade da Associação de Advogados Progressistas Turcos.
Isto, só por si, seria uma notícia, talvez pequena, admito, mas capaz
de honrar qualquer linha editorial. Não a li em lado algum.
O
presidente da Associação de Advogados Progressistas Turcos, o dr. Selçuk
Kozagaçli, encontrava-se em Lisboa a participar com colegas do seu país
na conferência que, ironicamente, celebrava em Lisboa os 50 anos dos
primeiros pactos das Nações Unidas sobre direitos humanos. Isto, só por
si, seria uma notícia, pequenita, certo, mas relevante em qualquer
jornal. Não sei porquê, não a li em lado algum.
Durante os três
dias da conferência Kozagaçli foi coligindo informações sobre o que se
estava a passar com mais de três mil advogados turcos. Eles contestavam
as arbitrariedades do regime do presidente Erdogan, cometidas ao abrigo
de um estado de emergência de legalidade duvidosa. A sede da associação
foi entretanto assaltada pela polícia de choque, inúmera documentação
apreendida, vários advogados presos. Isto, só por si, seria uma notícia,
talvez pequena, admito, mas capaz de honrar qualquer jornal, de
esquerda ou de direita, independente ou engajado. Mas não, não a li em
lado algum.
Kozagaçli recebeu, num computador emprestado por uma
colega portuguesa, fotografias do assalto policial, imagens das
detenções dos colegas e um aviso: "Se voltarem serão presos." A
Associação Portuguesa de Juristas Democratas, co-organizadora da
conferência, avisou vários jornalistas portugueses sobre estes
acontecimentos e manifestou disponibilidade para dar mais informações.
Não sei porquê, não encontrei um texto sobre o tema.
No domingo,
dia 13 de novembro, os juristas turcos que passaram esse fim de semana
angustiante em Lisboa regressaram a Istambul convencidos de que se
encaminhavam para a cadeia. E assim foi para alguns deles, incluindo uma
mulher, Fatma Demirer.
Tudo isto li, ouvi e vi, com textos, sons,
fotos e vídeos, no Facebook - bastou-me receber uma partilha. E na
comunicação social?... Nada. Não sei porquê.
Sei, porém, a razão por que o Facebook está, todos os dias, a liquidar a influência da imprensa: porque ela merece.
Neste dia cinzento, chega de repente a notícia da morte aos 90 anos de Maria Eugénia Varela Gomes, uma incontornável figura da luta antifascista e da fidelidade aos ideais de Abril, uma mulher de antes quebrar que torcer que tocou de forma inesquecível todos os que a conheceram, que teve uma vida muito sofrida mas que nunca se deixou afundar na mágoa e no desgosto e que me deu a honra da sua amizade. Um forte abraço de solidariedade para o João Maria e para as suas filhas.
Seis dias passados, os 130 mil votos de vantagem de H. Clinton já vão em 668 mil !
Embora discorde da relativa displicência com que o autor remata o assunto («Não nos devemos queixar de um sistema eleitoral que era conhecido e é legítimo»), a crónica de Rui Tavares hoje no Público incorpora algumas informações úteis ainda na ressaca das presidenciais norte-americanas. Aí se pode ler que «Na vozearia dos últimos dias, os trumpistas e os seus acólitos pretendem disfarçar a sua maior fraqueza: não são maioritários na sociedade americana. Hillary Clinton tem neste momento quase dois milhões de votos a mais do que Donald Trump [não creio, ver imagem], que tem menos votos que o candidato republicano derrotado em 2012, Mitt Romney [ver aqui]. Uma boa estratégia geográfica e a carambola do colégio eleitoral -com uma diferença de cem mil votos em três Estados- deu a Trump a Casa Branca».
Começando por referir que deve dar muita saúde à democracia e confiança no «sistema» esta coisa de serem contados mais meio milhão de votos sem que isso altere seja análiseso que for, saliento que, por cá, passados estes sete dias, o silêncio inicial sobre os votos populares, evoluiu para o «en passant» e a nota de rodapé, continuando todas as classificações e análises como se esta diferença (a única que expressa a vontade maioritária dos eleitores) não significasse nada.
E, em boa verdade, que eu visse, não encontrei nenhum comentador que fosse capaz de, antes de começar a falar, perguntar a si próprio: «mas o que eu diria se, com mais cem mil votos dos seus seiscentos mil de vantagem, H. Clinton tivesse ganho os tais três Estados e a maioria do colégio eleitoral ?»