Tudo o que raposões
e raposinhos jamais entenderão
e raposinhos jamais entenderão
«Estamos em 1960 (ou talvez 1962), no Verão tórrido de um Alentejo desprezado pelo poder salazarista. Abril estava ainda fora daquele horizonte, aberto e amplo mas a vários títulos asfixiante. Uma calma que apenas estremecia à passagem esporádica de um ou outro automóvel com os pneus a guinchar na curva apertada após uma longa reta. Os sons das cigarras rompiam o silêncio e a monotonia daquele território árido, onde o amarelado da paisagem, o restolho seco, era apenas rasgado pelo tapete negro de alcatrão cintilante quase a derreter-se ao Sol abrasador. Mas na berma da estrada começava a vislumbrar-se, ao longe, uma poeira anormal em redor de duas silhuetas que se erguiam lado a lado com alguma coisa por trás. No início poderiam confundir-se com miragens em pleno “deserto” alentejano. Mas não. Eram bem reais. No seu movimento compassado percebi pouco depois que eram cavalos, trazendo atrás de si um homem acorrentado. Cavalos montados por aquela guarda, de farda cinzenta e botas altas, que aterrorizava crianças e ainda mais os adultos, pelo menos os mais conscientes das razões da sua miséria e do sufoco da sua liberdade. Do alto dos seus cavalos brancos estas figuras altivas eram a personificação do poder, em absoluto contraste com o ser miserável, com as mãos acorrentadas, curvado e maltrapilho, a desfalecer de sede. Deram-lhe água, mas só depois de saciar os cavalos no fontanário à beira da estrada. (...)
Aqui
(*) Como será sabido, não poucas vezes tenho discordado de opiniões do sociólogo Elísio Estanque. Mas hoje assinaria opor baixo o seu texto.