A vitória do
«entertainer» político
O título deste post é obviamente simplificador mas com ele o que pretendo significar é que, no resultado de Marcelo Rebelo de Sousa (maioria absoluta por uma margem de 90 mil votos), o que mais pesa, sobretudo em relação aos 14 pontos que terá conseguido acima da votação do PAF em 4/10) não pertence ao território da política (ou, pelo menos, como a temos concebido) mas sim ao território de uma incomparável notoriedade, de uma longuíssima exposição mediática, da simpatia pessoal e da prolongada visita dominical aos lares dos portugueses a que há que acrescentar a ajuda da construída maquilhagem e opacidade políticas do candidato durante a campanha. Antes não o poderia escrever mas agora nada obsta a que insista na ideia de que, sendo uma parte decisiva das intenções de voto em MRS pertencente a este último território da não-política, todos os justos argumentos e críticas feitas por outros candidatos a MRS pertenciam a um mundo diferente e não podiam ter um efeito significativo ou decisivo do ponto de vista da necessária erosão das intenções de voto em Marcelo. Eram territórios ou mundos diferentes praticamente impermeabilizados a efeitos de um sobre o outro.
Porque muitos eleitores infelizmente o não compreenderam e há o perigo certo de nas redes sociais e nos media aparecerem cidadãos e comentadores a insistir num grande equívoco, quero salientar que a vitória de MRS à primeira volta nada tem que ver com a diversidade de candidatos à sua esquerda. De um ponto de vista aritmético (atenção, é aquele que conta para haver ou segunda volta) não eram deslocações de votos entre os candidatos à esquerda de Marcelo que mudavam ou alteravam as intenções maioritárias de voto em Marcelo. Todos os votos desses candidatos não iam para Marcelo e, portanto, todos contribuiam numericamente para o forçar a uma segunda volta. Para que este objectivo fosse alcançado era indispensável sim que intenções de voto fixadas em MRS se deslocassem para outros candidatos.(ver P.S.2)
Quero sinceramente saudar Edgar Silva, porventura o mais injustiçado dos candidatos, (e todos os que ergueram a sua combativa e corajosa campanha) e manifestar um imenso apreço pelas suas qualidades de humanismo e poderoso compromisso com os ideais de Abril manifestados numa batalha extraordináriamente díficil onde o preconceito médiático anticomunista voltou a exibir-se e cujo resultado, a meu ver, foi muito provavelmente afectado pelo facto de um segmento do eleitorado da CDU ter preferido usar o seu voto para resolver a competição entre Sampaio da Nóvoa e Maria de Belém.
A vida e a luta continuam, amanhã é outro dia e há muitas outras batalhas para travar. De ciência certa, lá estaremos.
P.S. 1.: apesar de este ser um post sintético, seria absurdo não referir o excelente resultado de Marisa Matias e o impressionante afundamento da candidatura de Maria de Belém.
P.S. 2 (aditado hoje): próximo deste equívoco está a ideia hoje exposta na crónica de Rui Tavares no Público de que o que fez falta foi um candidato único da «esquerda» na 1ª volta. Infelizmente, Rui Tavares não se dá ao trabalho de nos explicar quem seria esse candidato capaz de ser agregador de um campo político com tanta diversidade de posicionamentos nem se, porventura, julga absurdamente que seria possível uma disciplina de voto à primeira volta semelhante à que, em estado de necessidade, foi possível em 1986.
P.S. 3: fantástico o espanto e hipervalorização que por aí vai com os 3,3% do «Tino de Rans». Pelos vistos, já ninguém se lembra que há cinco anos o indescritível José Manuel Coelho obteve 4,5% dos votos.