23 março 2015

O que está a dar

O esplendor da democracia



sem ofensa para algumas pessoas 

absolutamente estimáveis

Andaluzia ou...

... como se faz uma
grande vencedora




Lendo a generalidade da imprensa espanhola e também da nacional, o tom dominante é o de que Susana Diaz, do PSOE, é uma grande vencedora.
O grande fundamento para esta onda parece ser o facto de ter voltado a ser o partido mais votado, de obter os mesmos 47 deputados que em 2012 e de ter visto o PP - mais votado em 2012-  perder 14 pontos percentuais.
Ora acontece que o PSOE perdeu 4 pontos e 127.000 votos e só mantém os 47 deputados pelos efeitos do mét0do de Hondt. E acontece também que, antes de Susana Diaz ter provocado as eleições antecipadas, o PSOE tinha um governo relativamente estável graças à complicado acordo de governo com a Esquerda Unida e agora é muito duvidoso que o consigo, pois a Esquerda Unida não quer e também não lhe chega e o Ciutadans e o Podemos, só se forem doidos, é que com eleições nacionais à vista, se vão coligar com o PSOE na Andaluzia. Mas, pronto, é uma grande vencedora...

P.S.: falando de efeitos do método de Hondt que, insisto, é rigorosamente um método de redução da proporcionalidade e reforço da «governabilidade», é importante dizer o que nenhum jornal dirá: é que cada deputado do PSOE custou 29.960 votos e cada deputado da Esquerda Unida custou 54.778.

Eleições na Andaluzia

PSOE aguenta-se, PP afunda,
Podemos é 3ª força, IU perde
4 pontos





Eleições departamentais em França

A visão de L'Humanité e ...



... de Le Monde

Resultados oficiais em votos
e percentagens aqui

21 março 2015

Caso Sócrates

Eu sei que vai parecer
muito mal mas não posso

deixar de escrever isto

 
Há alturas assim: uma pessoa sabe que vai ser mal interpretada, que talvez não falte mesmo alguém que venha dizer que «um comunista escreveu em defesa de Sócrates» e sabe-se lá mais o quê. Mas tentemos entendermo-nos: como provavelmente a maioria dos cidadãos, eu também tenho um fortíssimo presentimento sobre a culpabilidade de Sócrates (sobre cujo carácter e personalidade sempre tive as maiores reservas) embora tenha os meus temores quanto à possibilidade de fazer prova - o que é uma coisa diferente - de todas as acusações que lhe são movidas. Mais: eu até compreendo que muitos cidadãos se regozijem por a Relação no seu acórdão ter vindo subscrever provérbios populares que fazem parte das conversas de muitos de nós nos cafés e transportes.

Dito isto, que não me salvará de nada, o que eu também não posso deixar de dizer é que li suficientes citações do acórdão para me parecer que ele adopta discutivelmente argumentos e observações de senso comum e se aproxima demasiadamente de  uma pré-sentença final, o que não me parece correcto no âmbito do que devia ser a simples apreciação de um recurso sobre a manutenção ou não das penas de coacção aplicadas a José Sócrates (e que, a meu atrevido ver, não precisa de 60 páginas !).

Dir-se-á que o advogado de José Sócrates provavelmente terá escrito um recurso atrevido que estava mesmo a pedi-las mas o ponto é que os juízes da Relação, a meu ver, não têm que responder, taco a taco, ao estilo e tom dos advogados de defesa até porque, legal e institucionalmente,  não são a parte contrária (essa está confiada ao Ministério Público).

Sou, como tenho repetido vezes sem conta,  apenas um ex-, muito antigo e fracassado estudante de Direito mas isso não me proibe de confessar que, pelo menos desde há aí uns 20 anos, anoto com preocupação e espanto uma certa quebra de contenção, de serenidade, de frieza, de rigor, de gravitas e até de bom-senso em numerosas peças jurídicas.

E nunca me esquecerei do momento em que acordei para este problema. Foi há muito tempo, estava para se decidir se Leonor Beleza no processo do sangue contaminado ia ou não julgamento e então ela e os seus amigos (com Proença de Carvalho e Mário Soares) organizaram no Altis uma sessão pública de solidariedade com ela que representava sem margem para dúvidas uma inaceitável e condenável pressão sobre os órgãos judiciais.

O problema é que, a seguir, eu vi um juiz, pessoa aliás respeitadíssima e prestigiada e democrata de alto valor, no acórdão  que lhe coube redigir  a gastar parágrafos a polemizar politicamente com os promotores da sessão de solidariedade a Leonor de Beleza, o que de, todo em todo, me pareceu juridicamente impróprio e deslocado naquela sede.

E, só para terminar, esclareço que o meu medo maior é que certas frases, argumentos e juízos usados nesta acórdão da Relação possam ter fácil êxito na opinião pública mas acabem por não ajudar ao real apuramento da verdade e à rigorosa realização da justiça que todos desejamos.


Hoje




Carlos de Oliveira

Rudes e breves as palavras pesam
mais do que as lajes ou a vida, tanto,
que levantar a torre do meu canto
é recriar o mundo pedra a pedra;
mina obscura e insondável, quis
acender-te o granito das estrelas
e nestes versos repetir com elas
o milagre das velhas pederneiras;
mas as pedras do fogo transformei-as
nas lousas cegas, áridas, da morte,
o dicionário que me coube em sorte
folheei-o ao rumor do sofrimento:
ó palavras de ferro, ainda sonho
dar-vos a leve têmpera do vento

Aqui no DN Gastão Cruz lê este poema



Gabriela Mistral
Dame la Mano
Dame la mano y danzaremos;
dame la mano y me amarás.
Como una sola flor seremos,
como una flor, y nada más...

El mismo verso cantaremos,
al mismo paso bailarás.
Como una espiga ondularemos,
como una espiga, y nada más.

Te llamas Rosa y yo Esperanza;
pero tu nombre olvidarás,
porque seremos una danza
en la colina y nada más...

 João Cabral de Melo Neto

Fábula de um Arquiteto

A arquitetura como construir portas,
de abrir; ou como construir o aberto;
construir, não como ilhar e prender,
nem construir como fechar secretos;
construir portas abertas, em portas;
casas exclusivamente portas e tecto.
O arquiteto: o que abre para o homem
(tudo se sanearia desde casas abertas)
portas por-onde, jamais portas-contra;
por onde, livres: ar luz razão certa.
Até que, tantos livres o amedrontando,
renegou dar a viver no claro e aberto.
Onde vãos de abrir, ele foi amurando
opacos de fechar; onde vidro, concreto;
até fechar o homem: na capela útero,
com confortos de matriz, outra vez feto.