Três apontamentos sobre
um artigo de André Freire
O por mim estimado Prof. André Freire deu ontem à estampa no Público o artigo de opinião com o título acima, do qual, mesmo consideradas as divergências de opinião que em diversos pontos nos separam ao lado de importantes concordâncias, só posso começar por dizer que está a anos-luz das superficialidades, embustes e sofismas que povoam o discurso dos protagonistas político-partidários da chamada «reforma» do sistema eleitoral.
Eu bem podia, por razões tácticas, limitar-me a registar com apreço a vigorosa defesa da proporcionalidade, a dura crítica à redução do número de deputados e até a admissão do efeito «bipartidisante» de círculos uninominais mesmo que haja um círculo nacional de compensação que constam do artigo do Prof. André Freire. Mas entendo que é mais proveitoso para um aprofundamento sério deste debate que incida antes sobre certos pontos sustentados pelo Prof. André Freire que me parecem mais obscuros, duvidosos ou erróneos. Assim:
O Prof. André Freire, contra os que pretendem enfraquecer a proporcionalidade, sustenta a dado passo que (sublinhados meus) « Portugal precisa, isso sim, de medidas de que estimulem a governabilidade sem comprimir a proporcionalidade (como a moção de censura construtiva; «prémios» à cooperação entre partidos). Por exemplo, as «listas aparentadas» (os partidos declaram-se coligados sem fazerem listas conjuntas) e a transformação de votos em mandatos é feita para o conjunto dos «aparentados», incrementando assim os seus lugares no Parlamento».
Mas, face a isto, eu que não sou licenciado e muito menos politólogo, pergunto na base do que me parece relevar do bom senso e do óbvio:mas então a consequência de as «listas aparentadas», por esta via ou truque (digo eu), incrementarem os seus lugares no Parlamento não é inevitavelmente que, para assim acontecer, só pode ser à custa do "desincremento" dos lugares no Parlamento dos outros partidos. numa clara lesão da proporcionalidade ?
Fazendo o que diversos grupos, personalidades e seus Manifestos que vêm defendendo o chamado «voto preferencial» nos candidatos de uma força concorrente nunca fizeram, o Prof. André Freire vem sustentar que este tipo de voto «só é exequível e efectivo em pequenos círculos» (neste ponto, embora sem êxito, eu já havia perguntado aos autores de um certo Manifesto se, por exemplo, num círculo como Lisboa, estavam a ver os eleitores a levarem para a cabine de voto uma dezenas de listas de candidatos cada uma com 50 nomes para depois fazerem as suas «preferências» individualizadas (o grau de literacia eleitoral não é coisa que se possa menosprezar !). Mas, nesta matéria, cabe-me perguntar ao Prof. André Freire: mas então a criação de mais pequenos círculos não conduz ela própria à redução da proporcionalidade pois, como actualmente acontece e também por força do método de Hondt, é neles que é menor o grau de proporcionalidade na conversão de votos em mandatos? (caso máximo é o distrito de Portalegre, que elege apenas 2 deputados e onde a CDU com 20% dos votos não consegue obviamente eleger nenhum).
Por fim, anoto que quase no final do seu artigo, o Prof. André Freire resolveu conceder que «quer o voto preferencial, quer o voto em círculos uninominais potenciam a personalização do mandato, a ancoragem territorial dos deputados e uma menor disciplina de voto no Parlamento (logo, maior "estima" dos eleitores pelos deputados)». Ora aqui cabe-me dizer, pela enésima vez e sem punhos de renda: se, num eventual, hipotético ou futuro círculo uninominal na minha área de residência, o candidato da CDU não for eleito ( e dificilmente será), eu não quero nenhuma proximidade com o deputado aí eleito pelo PS ou pelo PSD nem por ele passarei a ter qualquer «estima».