02 abril 2013

Descoberta tardia (sorry) de ...

Anne Sexton





Uma página inteira do El País  dedicada a edição espanhola da sua obra completa (ed. Linteo Poesia , 988 pags, 39 E) faz-me descobrir Anne Sexton (n. 1923), uma consagrada poetisa norte-americana, amiga de Sylvia Plath e que, tal como ela, também  se suicidou (em 1974).



PALAVRAS

Tem cuidado com as palavras
mesmo as milagrosas.

Pelas milagrosas nós fazemos o melhor possível,
por vezes são como uma multidão de insectos
que não nos deixa uma picada mas um beijo.
Podem ser tão boas como dedos.
Podem ser tão seguras como a rocha
onde te sentas.
Mas também podem ser ao mesmo tempo margaridas e amachucadas.

Contudo, estou apaixonada pelas palavras.

São pombas que caem do tecto.

São seis laranjas santas pousadas no meu regaço.
São as árvores, as pernas do verão,
e o sol, seu impetuoso rosto.


No entanto, falham-me com frequência.

Eu tenho tantas coisas que quero dizer,

tantas histórias, imagens, provérbios, etc.

Mas as palavras não são suficientemente boas,

as erradas beijam-me.

Por vezes voo como uma águia
mas com as asas de uma carriça.

Mas tento ter cuidado
e ser amável com elas.

As palavras e os ovos devem manipular-se com cuidado.
Uma vez partidas há coisas
impossíveis de reparar.


DEPOIS DE AUSCHWITZ

Raiva
tão negra como um gancho,

alcança-me.
Cada dia,
cada nazi
pega, às oito da manhã, num bebé
e serve-o para o pequeno-almoço
com pão frito.
E a morte olha despreocupada
e limpa a sujidade que tem debaixo das unhas.

O homem é maldade,
digo em voz alta.
O homem é uma flor
que poderia ser queimada,
digo em voz alta.
O homem
é um pássaro cheio de barro
digo em voz alta.

E a morte olha despreocupada
e arranha o ânus.

O homem, com seus pequenos e rosados dedos dos pés,
com seus dedos milagrosos
não é um templo
mas um anexo,
digo em voz alta.
Que o homem nunca mais levante sua chávena de chá.
Que o homem nunca mais escreva um livro.
Que o homem nunca mais calce um sapato.
Que o homem nunca mais eleve seus olhos
numa suave noite de junho.
Nunca. Nunca. Nunca. Nunca. Nunca.
Digo isto em voz alta.
E suplico ao Senhor que não ouça

Versão dos poemas “When man enters woman”, “Words” e “After Auschwitz” de Anne Sexton(a partir de uma tradução espanhola e do original) por ASM

Poemas  colhidos aqui em  
http://discursodosdias.blogspot.pt/2009/02/traducoes-1tres-poemas-de-anne-sexton.html

Uma grande vergonha no nosso tempo

Contra o esquecimento




01 abril 2013

Breve demonstração de ...

... como estamos no reino da
superficialidade e da ligeireza 



O diário i teve hoje esta boa ideia de nos recordar o que está aí em cima. Mas agora queiram os leitores comparar o meu sublinhado a vermelho com o que se diz no link do jornal para esta sua notícia:
 

Ou seja, a notícia é sobre Passos Coelho mas o que o link nos diz é que «os políticos mentem ou não falam verdade».


Como é bom de ver, o link integra-se na perfeição no verdadeiro tsunami que, não sendo totalmente novo, tem tido nos últimos anos, uma expressão devastadora no sentido de decretar, pela voz ou escrita de dezenas de jornalistas, comentadores, sociólogos e politólogos, que existe em Portugal uma desconfiança geral em relação aos partidos e aos políticos e uma dramática crise de representação política.

Para que não haja confusões, esclareço que a mim não me passa pela cabeça negar  o êxito que tiveram décadas de intoxicação sobre «os partidos (e os políticos) são todos iguais», ignorar a existência significativa de fenómenos de desafeição que, em dadas circunstâncias históricas, levam muitos cidadãos a cair (ou refugiar-se)  em arrasadoras generalizações ou a não prestar a devida atenção às interpelações que isto coloca em cima da mesa.

Não, o que venho dizer é que há nestas sentenças ou «análises, também muita superficialidade e muita ligeireza (estou a escolher termos brandos) que não têm em conta nem a volatilidade de muitas opiniões populares nem sobretudo a sua frequente ambivalência.

Fazendo o boneco, apetece-me dizer que, se as coisas fossem exactamente tanto como se diz, e para já não falar em intenções de voto, o que apareceria nas sondagens do Expresso sobre a «popularidade» dos principais políticos portugueses (atenção que, na verdade, a pergunta feita é sempre sobre que opinião se tem da actuação desses políticos), o resultado devia ser algo assim:


Ora a verdade é que o que a sondagem do Expresso tem dado é algo assim:

Conclusão: nesta cassete cansativa mas poderosa e enganadora sobre a crise de confiança nos partidos e nos políticos há algo que está mal contado. Quem achar que não é assim, que dê um passo em frente. Mas se não der, também não faz mal. Ao fim e ao cabo, a maior parte das vezes já só quase escrevo para deixar uns frágeis sinais de que o espírito crítico ainda mão foi completamente exterminado.

Vale a pena lutar !

Uma homenagem surpreendente



« Em curto comunicado emitido esta madrugada, o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho surpreendeu toda a a gente ao anunciar que, no dia 25 de Abril, apresentará ao Presidente da República o seu pedido de demissão com o fundamento da  «crescente degradação da situação económica e social» e das «tensões políticas existentes no seio da coligação».  O comunicado refere ainda que o primeiro-ministro só fará uma comunicação ao país sobre este assunto depois de  se realizar a audiência urgente que já solicitou ao Presidente da República.

Entretanto, as reacções dos principais responsáveis partidários não se fizeram esperar. António José Seguro declarou ser essencial «que os portugueses retenham que «é o primeiro-ministro e não o PS que provoca com toda a probabilidade eleições» e  que vai escrever uma carta à troika e aos mercados (aqui parece haver um problema de falta de moradas) apelando-lhes «a que confiem na solidez das instituições democráticas portuguesas e na sua capacidade honrar plenamente os compromissos internacionais de Portugal». Por sua vez, Paulo Portas declarou reprovar «mais esta atitude unilateral do PSD, anunciada sem consulta ao CDS» e salientou que, havendo eleições, confia que «o CDS não deixará de aparecer aos olhos dos portugueses como um referencial de estabilidade indispensável à formação de uma nova maioria». Em nome do Bloco de Esquerda, João Semedo sublinhou que se trata do «triunfo do bom senso e da vitória da realidade sobre a cegueira governamental». Por fim, Jerónimo de Sousa observou secamente que se trata do «primeiro e único serviço que Passos Coelho prestou a Portugal».

À hora do fecho desta edição, Cavaco Silva ainda não tinha comentado esta decisão de Passos Coelho mas fonte de Belém confidenciou à LUSA que o Presidente já requisitou com urgência ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil um  meticulómetro para poder ponderar «meticulosamente» a nova situação agora criada. » (in Público)

30 março 2013

Não é que eu o desejasse...

... mas aqui fica o título que li
 ontem no i e o título que nunca lerei



já se sabia, o escrutínio quando
 nasce não é para todos

Porque hoje é sábado (319)

Gashcat

A sugestão musical de hoje destaca
 a banda pop norte-americana Gashcat.



29 março 2013

28 março 2013

Mais uma que não pode passar em claro

Uma frase de
Passos Coelho que diz muito



seria mais decente se rezasses do que
andares a fazer chantagem

Segundo o Público de hoje, Passos Coelho disse ontem no Porto, reportando-se aos «tempos históricos» que vivemos que «todos nós temos responsabilidaes na forma como lidamos com isso: tem o governo que não se pode distrair com aspectos menores, as instituições democráticas todas, o Parlamento que tem de ter responsabilidade, o TC que também tem de ter responsabilidade nas decisões que vier a tomar e no impacto que elas possam vir a ter no país»

E hoje, na AR,  a    deputado do PSD Teresa Leal Coelho ( sim. é a «piquena» que disse há tempos que os deputados eram pagos pela troika) acrescentou mais molho ao estufado, salientando que o TC deve ter em consideração  « o contexto econímico, o contexto financeiro, o memorando de entendimento»  e não certamente por acaso em último lugar «o direito europeu, o direito nacional».

Feitas honestamente as citações, só quero observar, recusando-me a detalhadas explicações ou a fazer o boneco, que incluir o Tribunal Constitucional no mesmo plano de responsabilidade do «governo», das «instituições democráticas» e do «Parlamento» é não só não perceber o que é um Tribunal Constitucional e  a especificidade do seu papel como é demonstrar um claro incómodo com princípios básicos do Estado de Direito democrático de que fala a Constituição da República.

E tudo isto desvendando e redundando manifestamente numa óbvia, descarada, ilegítima e repugnante pressão sobre o TC e as suas próximas decisões sobre normas do último Orçamento.