que alguém chamará de «histórico»
Era o dia 23 de Janeiro de 2013 e, por força dos telejornais e dos títulos da imprensa, lidos na mão ou nas bancas, no país não se falou mais nem dos efeitos do vendaval nem do milagre de Alfarelos, o «regresso aos mercados» acariciou a pele, lavou os olhos e ocupou e adoçou o pensamento de toda a gente, a viúva pensionista que costuma contar os cêntimos para escolher os remédios que levava disse à empregada da farmácia «olhe nenina, escolha aqui na minha carteira, amanhã é outro dia, melhor pela certa», o dono do restaurante que estava para encerrar definitivamente arrancou o cartaz contra o IVA a 23% e suspirou «talvez regressem os clientes», o casal de desempregados sem subsídio trocou à mesa um olhar com brilho e esperança, o jovem licenciado que ia emigrar saiu em Vilar Formoso e perguntou qual era o próximo combóio para regressar a Lisboa, o estudante sem dinheiro para as propinas pediu um bejeca e fez um brinde ao acontecimento, os gráficos dos indicadores ficaram de pernas para o ar a dar os resultados contrários, enfim, em toda a parte onde até hoje gritava a dor, o sofrimento e angústia pelos mais variados e justificados motivos, uma luz de confiança e um sopro de optimismo se afirmaram. E, no meio deste cenário feito de papel e de frames televisivos, só destoou um blogger quase septuagenário que, de rosto fechado e testa franzida e, por código genético, impenitente velho do Restelo, desabafou na sua imensa e amargurada solidão :«grande festa, bela perspectiva : fazer mais dívida para pagar os juros da dívida, vamos bem».