Projecto rejeitado,
demissão apresentada
Por razões de lealdade e transparência, informo os leitores que desde ontem de manhã deixei de exercer funções de assessoria política na Presidência da República depois de ver rejeitado o projecto de mensagem de ano novo do Presidente que havia elaborado e que, aliás em tom moderado, afirmava designadamente o seguinte:
«(...) Como todos os portugueses sabem , o Presidente da República tem sido um convicto defensor da estabilidade política e, nesse contexto, é oportuno lembrar as inúmeras vezes que apelou ao mais vasto consenso entre as forças políticas em torno de grandes objectivos nacionais, dos rumos a seguir e das medidas fundamentais a adoptar na áspera e preocupante circunstância nacional que hoje vivemos.
Mas o Presidente da República não pode indefinidamente ver o tempo passar e ver as mais importantes previsões serem repetida e irremediavelmente derrotadas pelos factos , ver a crise económica a acentuar-se, ver uma crise social de aflitivos contornos de carência, desigualdade e sofrimento a avolumar-se para patamares antes impensáveis, ver o desemprego atingir a dimensão de um pesadelo e de um drama colectivo, ver a perspectiva de um horizonte de esperança, de viragem e de futuro a esfumar-se e permanecer agarrado a fórmulas que, no seu conjunto e pela sua permanência e imobilismo, cavam um fosso cada vez maior e mais perigoso entre a sociedade política e os cidadãos portugueses.
É pois chegado o tempo de o Presidente da República, com plena consciência do peso institucional e consequências das suas palavras, afirmar perante os portugueses que a estabilidade política não pode ser um valor em si mesmo. Mais: é tempo de o Presidente da República afirmar perante o país, com idêntico sentido da responsabilidade, que se torna cada dia mais um formalismo insustentável pensar que está assegurado «o regular funcionamento das instituições democráticas» referido na Constituição quando, no contexto de mais alargados problemas e dificuldades, se torna agora uma grande evidência que não se está a adoptar uma política de sacrifícios temporários que permitam uma próxima recuperação económica e, com ela, uma efectiva consolidação orçamental, mas antes a destruir e dinamitar as bases, os recursos, as energias materiais e humanas sem as quais nem sequer a prazo haverá crescimento económico e uma significativa melhoria das actuais condições de vida da população.
Portugueses e portuguesas:
Neste quadro que sinteticamente acabo de expor, entendo salientar que dar a palavra ao povo, sendo uma decisão de indiscutível delicadeza e melindre político, pode vir a constituir a clarificação democrática mais adequada à sombria, dilacerante e frustrante situação política que vivemos.
Anuncio por isso que enceto hoje um processo de consultas alargadas e de ponderação pessoal sobre esta matéria e que, tão breve quanto possível, dele e das correspondentes conclusões darei conta aos portugueses.
Parto para esse processo de reflexão sem decisões previamente tomadas no meu pensamento mas parto também com a profunda convicção de que esperar sem esperança não é atitude que sirva o presente e o futuro da Pátria que amamos. (...) »